Rosa Weber já é nova presidente do STF
Foto: Ailton de Freitas / Agência O Globo
Em discurso de posse ao assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal (STF), nesta segunda-feira, a ministra Rosa Weber criticou os “discursos de ódio” e pregou a separação entre os Poderes. Sem a presença do presidente Jair Bolsonaro, ela defendeu ainda a “crença inabalável na superioridade do estado democrático de direito”.
Terceira mulher a comandar a Corte, ela ficará no posto por apenas um ano, uma vez que se aposentará em outubro do ano que vem, quando completa 75 anos.
— Sejam as minhas primeiras palavras a de reverência incondicional à autoridade suprema da Constituição e de leis da República, de crença inabalável da superioridade do Estado democrático de direito, de prevalência do princípio republicano, com destaque à essencial igualdade entre as pessoas, de estrita observância da laicidade do Estado brasileiro, com a neutralidade confessional das instituições, e pleno exercício da liberdade religiosa, do respeito ao dogma fundamental da separação de poderes, da rejeição aos discursos de ódio e repúdio às práticas de intolerância enquanto expressões constitucionalmente incompatíveis com a liberdade de manifestação do pensamento, e de certeza de que sem um PJ independente e forte, sem juízes independente, e sem imprensa livre, não há democracia. — concluiu.
Em seu discurso, a magistrada lembrou a fome que assola milhões de brasileiros e se solidarizou com as vítimas da Covid-19.
— Presto homenagem ao povo brasileiro que não desiste da luta pela sua real independência (…), com garra e tenacidade, a despeito das dificuldades, da violência, da falta de segurança, da fome em patamar assustador, dos milhares de sem teto em nossas ruas, da degradação ambiental, e da pandemia não totalmente debelada que tantas vidas ceifou.
Apesar da ausência de Bolsonaro, outros integrantes do governo federal estão na cerimônia, como os ministros Paulo Guedes (Economia), Fábio Faria (Comunicações), Anderson Torres (Justiça) e o advogado-geral da União, Bruno Bianco. Os presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), também compareceram. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, esteve no STF, mas deixou o plenário antes do discurso de Rosa Weber.
Cármen Lucia foi a primeira a discursar e disse que Rosa, de quem é amiga pessoal, assume o cargo em tempos “de luto e desassossego”.
— O momento cobra decoro, a República demanda compostura. Tudo que Vossa Excelência tem para servir de exemplo em tempos de desvalores muitas vezes incompreensíveis. Não são aceitáveis comportamentos nem sentimentos que agridem os preceitos civilizatórios de respeito às diferenças. Não há de se admitir práticas de desqualificação agressiva de instituições e cidadãos. Não se promove a democracia com o comportamentos desmoralizantes de pessoas e de instituições.
A ministra afirmou ainda que “a democracia se realiza para garantir liberdade, trabalho, pão e paz para todos”:
— E ainda há no mundo e no Brasil fome de comida, de justiça e de esperança.
Em seguida, o presidente da OAB, Beto Simonetti, destacou que a democracia é um processo em “permanente construção”:
— Cabe à sociedade civil e aos Poderes instituídos construir pontes e estabelecer o diálogo, a fim de concretizar o ideal constitucional: construir uma sociedade livre, justa e solidária, reduzir as desigualdades sociais e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”
Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Weber ingressou na magistratura em 1976, como juíza do Trabalho substituta. Foi indicada ao STF em 2011 pela então presidente Dilma Rousseff (PT). Ao ser eleita, afirmou que pretende desempenhar a função com serenidade e apoio dos demais ministros, sempre na defesa da integridade e da soberania da Constituição e do regime democrático.
De perfil discreto e reservado, a ministra chega à presidência do STF com a expectativa entre os demais ministros de dar uma condução “institucional” à Corte.
“Estou certo de que a ministra Rosa Weber, que possui longa experiência judiciária (e administrativa), eis que já dirigiu o TRT da 4a. Região e o Tribunal Superior Eleitoral – será uma notável Presidente do Supremo Tribunal Federal, pois reúne todos os atributos que permitem nela reconhecer a figura de uma grande magistrada!”, disse, por meio de nota, o ministro aposentado Celso de Mello.
O ex-presidente da Corte ainda classificou a atuação de Rosa junto ao STF como “brilhante”, “firme, competente, altamente qualificada, digna e serena no desempenho isento e impessoal da jurisdição”.
“Neste momento sensível e delicado de nossa vida institucional , em que o Brasil, resistindo a tentações autoritárias que ameaçam a sacralidade da Constituição e repelindo manifestações que degradam o sentido democrático das instituições, revestir-se-á de indiscutível relevo a presença da Ministra Rosa Weber na Chefia do Poder Judiciário nacional, pois traduzirá fator de equilíbrio e de segurança na tutela e preservação da integridade de nossa Lei Fundamental, que representa, como resulta de suas brilhantes e consistentes decisões, manto protetor e intangível do corpo social, do regime democrático, das instituições do Estado, das liberdades fundamentais e dos grupos vulneráveis”, disse ainda o ministro aposentado.
Embora não seja tão visada pelos bolsonaristas como o colega Alexandre de Moraes, a ministra vem dando decisões importantes que contrariam os interesses do governo ou do próprio presidente. Na mais recente delas, na última quinta-feira, ela deu continuidade a um pedido de investigação feito por parlamentares de oposição contra Bolsonaro, em razão de uma reunião com embaixadores estrangeiros ocorrida em julho na qual o presidente fez novamente ataques sem provas às urnas eletrônicas.
Em 2021, duas decisões de Rosa Weber contrariaram frontalmente políticas do governo. Em abril, ela suspendeu trechos de decretos presidenciais que facilitariam a compra e porte de armas, uma das principais bandeiras do presidente. Em novembro, mandou suspender a execução das “emendas de relator”, que compõem o “orçamento secreto”, usado pelo governo para turbinar as emendas parlamentares de aliados no Congresso. Posteriormente, com o compromisso de maior transparência na divulgação das emendas e dos parlamentares que as indicam, os pagamentos foram liberados.
Até em processo contra Bolsonaro que ela mandou arquivar houve decisão gerando desgaste ao governo. Em março deste ano, contrariando a praxe de encerrar uma investigação quando há um pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), Rosa Weber rejeitou o arquivamento do inquérito que apurava a suspeita de prevaricação de Bolsonaro no caso do processo de compra da vacina indiana Covaxin. Semanas depois, porém, ela decidiu aceitar o recurso da PGR para encerrar o processo.
Durante a CPI da Covid, que investigou entre outras coisas o processo de aquisição da Covaxin pelo Ministério da Saúde, ela suspendeu a convocação de governadores. Enquanto funcionou a CPI, a base do governo tentou investigar irregularidades nos estados, como forma de tirar o foco do governo federal, mas a oposição, em maioria na comissão, frustrou a estratégia. Para isso, contou em parte com a ajuda da decisão da ministra.
Rosa Weber tomou algumas decisões relacionadas ao combate à pandemia. Em fevereiro de 2021, quando as mortes cresciam no Brasil, ela atendeu os estados de São Paulo, Bahia e Maranhão e determinou que o Ministério da Saúde analisasse imediatamente pedidos de habilitação de novos leitos de UTI. Em janeiro de 2022, durante o recesso do STF, quando pôde atuar em processos de outros ministros, ela deu um despacho numa ação relatada por Luís Roberto Barroso e deu cinco dias para o Ministério da Saúde explicar uma nota técnica que atacava as vacinas contra a Covid-19 e defendia o uso da hidroxicloroquina, remédio comprovadamente ineficaz no combate à doença.
Em relação à política ambiental do governo, marcada pela desregulamentação, Rosa mandou suspender em outubro de 2020 a validade da resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) que permitiu a exploração de áreas de restingas e manguezais, decisão que depois foi mantida pelo plenário do STF. Rosa Weber também é relatora de outras ações que tratam da questão ambiental, mas sem decisão ainda. É o caso de uma contra decreto de Bolsonaro estabelecendo que as multas ambientais devem ser revistas em audiências por um núcleo de conciliação ambiental. E de outra que aponta omissões do governo federal na gestão do Fundo da Amazônia.