Disparada final da direita começou com Aécio

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Foto: Leandro Chemalle/TheNews2/Agência O Globo

Se o Datafolha não indicou que Jair Bolsonaro (PL) poderia subir reta final do 1º turno (o instituto o colocou com 36% no sábado, e a votação atingida no domingo foi de 43%), análise publicada no Pulso no sábado com base no histórico das pesquisas Datafolha desde 1989 mostrava que o atual presidente teria entre 33% e 44%. A margem que previa o desempenho inesperado foi feita com base no histórico das pesquisas Datafolha desde a redemocratização. A comparação entre os números divulgados no sábado e o resultado do domingo nas últimas oito eleições presidenciais mostra que o aumento do voto conservador nas horas finais é uma tendência desde 2014. E sugere um motivo para isso.

Apesar de exaltada pelos eleitores de Bolsonaro, a divergência entre o que o Datafolha apontou no sábado para o resultado no domingo não é novidade na eleição presidencial. Há pelo menos três eleições o instituto não consegue captar uma onda final de votos conservadores para a Presidência da República. Em 2014, Aécio Neves, candidato pelo PSDB contra Dilma Roussef (PT), apareceu com 26% na pesquisa do sábado, e acabou com 34% (+8) nas urnas. Em 2018, Bolsonaro tinha 40% no Datafolha de sábado, contra Fernando Haddad (PT). Na abertura dos votos, teve 46% (+6). Neste ano, a diferença foi de 7 pontos percentuais entre a pesquisa e a urna para o atual presidente.

Como toda pesquisa é sujeita a erros, isso pode ter acontecido nas três vezes. Mas há uma repetição de um padrão — mesmo tipo de voto, contra um mesmo partido, crescendo em tamanho parecido em um mesmo período de tempo, o dia final da eleição. Por isso, é possível dizer que há uma tendência. Ou o voto conservador para presidente do Brasil sobe de seis a oito pontos percentuais nas 24 horas finais, coisa que os institutos não seriam capazes de captar, ou eles não aparecem nas pesquisas pela falta de um ajuste que há oito anos se repete.

Veja, desde 1989, entre os principais candidatos que desafiavam o presidenciável do PT, a diferença entre o número apontado na pesquisa Datafolha de sábado e o resultado da urna no domingo no 1º turno:

% votos válidos na última pesquisa Datafolha de sábado/ % votos válidos nas urnas de domingo

1989 (x Lula) — Fernando Collor (PRN) 29%/ 30% (+1)
1994 (x Lula) — Fernando Henrique (PSDB) 55%/ 54% (-1)
1998 – (x Lula) — Fernando Henrique (PSDB) 56%/ 54% (-2)
2002 – (x Lula) — José Serra (PSDB) 21%/ 23% (+2)
2006 – (x Lula) — Geraldo Alckmin (PSDB) 38%/ 42% (+4)*
2010 – (x Dilma) — José Serra (PSDB) 31%/ 33% (+2)
2014 – (x Dilma) — Aécio Neves (PSDB) 26%/ 34% (+8)*
2018 – (x Haddad) — Jair Bolsonaro (PSL) 40%/ 46% (+6)*
2022 – (x Lula) — Jair Bolsonaro (PL) 36%/ 43% (+7)*

As variações marcadas com asterisco se deram fora da margem de erro das pesquisas nacionais do Datafolha, de dois pontos percentuais para mais ou menos.

Observe que, até 2002, os candidatos que representavam um voto mais à direita desciam ou subiam dentro da margem de erro. A partir de 2006, eles sobem em todos os anos, e fora da margem de erro em quatro dos cinco pleitos, incluindo o do último domingo.

Voto envergonhado, amostragem incorreta, tendências não captadas. Os motivos para os números não aparecerem nas pesquisas podem ser vários, mas o fato deles acontecerem mais em anos recentes, e menos há duas décadas, sugerem que a internet e a inclusão digital podem estar por trás disso. O aumento ao acesso à rede móvel, e a maior troca de informação pelo celular, em aplicativos e sites, pode estar sendo decisiva para uma mudança de votos de última hora que os institutos seriam incapazes de detectar.

A pesquisa divulgada no sábado recolhe resultados até o início da tarde de sábado, pouco menos de 24 horas antes do início da votação. A hipótese é que o que acontece nos grupos de WhatsApp, Telegram e outras redes sociais nesse curto, mas decisivo período, pode estar influenciando esse voto final a favor de candidatos mais conservadores, que conseguem aproveitar melhor essa estratégia do que candidaturas da esquerda, que falham na hora H com sua base digital.

E a suposição ganha força com mais estatísticas históricas da comparação entre o Datafolha de sábado e o resultado de domingo.

Desde 1989, foram nove eleições de 1º turno para presidente e 47 presidenciáveis que chegaram no sábado do primeiro turno com mais de 1% dos votos válidos nas pesquisas do instituto. Os resultados só não se mantiveram na apuração de domingo, considerando a margem de erro, em 11 desses candidatos. De resto, em 36 vezes o resultado mostrado no sábado bateu com a urna na votação de cada político.

Veja as 11 vezes que o Datafolha de sábado apontou um resultado fora da margem de erro nas urnas de domingo:

% votos válidos na última pesquisa Datafolha de sábado/ % votos válidos nas urnas de domingo

1989 — sem divergências fora da margem de erro
1994 — sem divergências fora da margem de erro
1998 — Enéas (PRONA) – De 5 para 2% (-3)
2002 — sem divergências fora da margem de erro
2006 — Alckmin (PSDB) – De 38% para 42% (+4)
2010 — Dilma Rousseff (PT) – De 50% para 47% (-3)
2014 — Marina Silva (PSB) – De 24% para 21% (-3) e Aécio Neves (PSDB) – De 26% para 34% (+8)
2018 — Jair Bolsonaro (PSL) De 40 para 46% (+6); Fernando Haddad (PT) – De 25% para 29% (+4); Ciro Gomes (PDT) – De 15 para 12% (-3) e Geraldo Alckmin (PSDB) – De 8% para 5% (-3)
2022 — Jair Bolsonaro (PL) – De 36% para 43% (+6)

Das 11 divergências históricas do Datafolha, dez aconteceram de 2006 para cá, e dentro delas, cinco foram só nas duas últimas eleições. De 1989 até 2002, só um entre 22 candidatos (5%) apareceu com um número fora da margem de erro. De 2006 até hoje, foram dez divergências em 25 candidatos (40%).

Ou seja, quanto mais o Brasil teve acesso à informação móvel e à internet, mais as divergências entre a pesquisa de sábado e o resultado de domingo aconteceram. Antes de 2002, quando a campanha nas TVs se encerrava no sábado e a população ia à votação sem nenhuma outra “interferência”, as pesquisas de um dia antes da eleição conseguiam ser mais certeiras.

Assim como é comum em eleições para o Legislativo, a do Executivo parece ganhar, cada ano mais, importância decisiva nas 24 horas finais. E entre tantas semelhanças com 2018, o uso de aplicativos de mensagens instantâneas pode estar sendo tão decisivo como foi há quatro anos.

O Globo