Estudioso da Ku Klux Klan estuda Bolsonaro

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Foto: PR

Diretor da organização britânica antifascista HOPE not hate (em português: tenha esperança, não odeie) que se infiltrou em grupos extremistas como a Ku Klux Klan (KKK) e participou de marchas com lideranças da ‘alt-right’ (ou direita alternativa), Joe Mulhall avalia a alta porcentagem de votos do presidente Jair Bolsonaro (PL) no primeiro turno como uma grande vitória do autoritarismo no Brasil. De acordo com o autor do livro “Tambores à Distância: Viagem ao centro da extrema direita mundial”, mesmo que Lula (PT) vença o segundo turno, o fenômeno conservador ainda vai imperar no país por alguns anos: não à toa, o partido do chefe do Executivo elegeu 98 representantes e conquistou a maior bancada da Câmara dos Deputados.

Sobre o discurso do petista não ter sido suficiente para elegê-lo no último domingo, Mulhall afirma que nem todo mundo acredita em democracia. Em entrevista ao GLOBO, ele aponta que reduzir o sistema apenas ao voto faz com que as pessoas menosprezem a importância das instituições.

Em um comparativo com o governo de Donald Trump, nos Estados Unidos, o escritor britânico aborda as mudanças na estrutura do sistema político promovida pelos dois presidentes. De acordo com o especialista, mesmo que Bolsonaro perca a eleição para Lula, os impactos de suas medidas irão perdurar por mais anos. Tal fenômeno também ocorre na América do Norte.

Jair Bolsonaro está nos últimos meses de seu mandato com cerca de 42% de reprovação. Como você avalia este governo? Considera populista?

Populista sim, mas Bolsonaro vai além. Para mim, poderíamos facilmente chamá-lo de fascista. Ele está conectado com Trump e vários partidos de direita na Suécia, na Itália, mas muitas das políticas dele são mais extremas. O que ele diz sobre mulheres, indígenas, a comunidade LGBT não se escuta das demais lideranças.

A pergunta sobre Bolsonaro nos últimos anos é o quanto ele realmente acredita na democracia. O que ele diz, o que ele acredita não combina com as instituições.

O ex-presidente Lula, do outro lado, trouxe justamente este argumento de defesa da democracia. Por que essa bandeira não foi suficiente para atrair votos? Não convence todos os eleitores?

Porque nem todos acreditam na democracia. Falei com um apoiador de Bolsonaro e questionei o que acharia de um golpe de estado. Ele respondeu: “espero que dê”.

Nem todos acreditam que a democracia é o melhor modelo para o país. As pessoas se importam com suas vidas, e se um político trouxer um argumento diferente com convicção já é suficiente para elas.
Esse fenômeno acontece porque a gente reduz a democracia ao voto, o que gera o menosprezo por parte da população que pensa: “o que me interessa é minha casa, minha família, Deus e meu país”. O argumento de Bolsonaro, para eles, é mais convincente do que proteger a democracia.

Durante a pandemia, Bolsonaro foi contra as medidas de segurança da Covid-19 como o isolamento social. No domingo, ele voltou a repetir que a economia está frágil pelo discurso do ‘fica em casa’. Por que insistir nisso?

Lideranças de extrema-direita de todo o mundo continuam repetindo que a Covid foi uma mentira. Há uma teoria da conspiração que diz que as elites tentaram centralizar o poder desta forma. A mídia, os políticos tradicionais e os especialistas estariam envolvidos nesta seara. Faz parte do movimento anti academia deles. Na linha de pensamento, eles tiram das elites para dar para a população e, por isso, não poderiam se alinhar às elites e concordar com o isolamento social.

Assim como Bolsonaro, nos Estados Unidos, Donald Trump também se opôs aos protocolos da Covid-19. É possível fazer um paralelo entre os dois?

Bolsonaro é muito mais radical que Trump. Trump também é racista, homofóbico, mas Bolsonaro é muito mais extremista. No entanto, há um paralelo, eles usam as mesmas táticas: investem tempo nas redes sociais e criam o inimigo. Para Trump, são os muçulmanos e, para Bolsonaro, os comunistas ou gays que estariam ameaçando a família tradicional brasileira.

Mesmo que Bolsonaro perca a eleição, como Trump perdeu, os dois mudaram o sistema, normalizaram as políticas de extrema direita. Basta olhar para as eleições minoritárias, seus apoiadores foram eleitos. Se Bolsonaro perder, não é o fim da extrema direita no Brasil. Você pode cortar o topo da árvore, mas ficam as raízes, e elas são muito difíceis de remover.

E por que o comunismo?

Se você olhar para trás na história brasileira, a narrativa das ameaças comunistas sempre aparece na boca dos autoritários. É o medo vermelho que mobiliza votos e foi responsável pela ditadura militar em 1964.
Não sou especialista em Lula, mas posso dizer que ele não é comunista. Essa estratégia se repete em vários países.

E como essas raízes surgem e se fixam nos países? É fruto desta implementação de políticas da extrema direita?

Há uma normalização e vemos isso em muitos países como Índia, Polônia, Hungria e Itália.

A extrema direita fala com as pessoas, criou o medo aliado ao discurso de reconstrução da nação. Essa mensagem poderosa vence mesmo que não faça sentido. É muito difícil derrotar com fatos, eles votam com o coração.
E nesse contexto sem fatos surgem as teorias da conspiração. No domingo, Bolsonaro teve mais votos do que constava nas pesquisas. Isso serve como munição para os seus apoiadores que nutrem o discurso de que todos estariam contra eles?

As pessoas pensam que as pesquisa não são confiáveis e as eleições não são confiáveis porque há pessoas dizendo isso a elas há meses. As pessoas não acordam um dia e não confiam no sistema, são as pessoas em quem elas confiam que influenciam. Essa tática ocorre em todo o território internacional. No entanto, por causa do resultado do primeiro turno, será difícil para Bolsonaro dizer que o resultado foi fraudado. Ele se saiu muito bem, melhor do que era esperado.

Desde que Bolsonaro exercia o papel de deputado federal, ele já se demonstrava extremista. No Impeachment de Dilma, por exemplo, ele exaltou um torturador da ditadura militar. Isto já seria um indício?

Os políticos sempre dizem o que vão fazer no poder. Quando os trumpistas invadiram o Capitólio, as pessoas ficaram chocadas, mas isso foi dito nas redes sociais por meses. Bolsonaro diz que não confia na democracia, no sistema eleitoral, há anos. Não pode surpreender ninguém se ele não deixar o poder ao final do mandato. Esses políticos nos dizem o que odeiam e devemos começar a acreditar neles.

Você esteve infiltrado na Ku Klux Kan. Em setembro, Lula comparou os atos de Bolsonaro no Dia da Independência a uma reunião do grupo supremacista. É possível traçar alguma similaridade?

A ku Klux Klan é um tipo muito específico de supremacismo, é baseado puramente em raça. Há uma pequena diferença histórica, mas há sim paralelos. Os dois definem a nação com base no que eles acreditam. Se você discorda de Bolsonaro, você não é brasileiro, está do lado de fora da pátria. Essa lógica é bastante parecida.

Você chegou no Brasil faz uma semana para acompanhar as eleições. Como avalia este primeiro turno?

Eu já vi muitas eleições ao redor do mundo, mas essa me pareceu especialmente tensa. Vi helicópteros na rua, muitos sinais preocupantes que não condizem com uma democracia em boa saúde. Não é só sobre Bolsonaro, mas seus apoiadores. As pessoas estão claramente de um lado ou de outro e, a longo prazo, é muito difícil governar assim. Lados polarizados podem ser muito violentos um com o outro. Basta enxergar como inimigo para entrar em guerra.

O Globo