Pesquisador diz que não será fácil Brasil recuperar imagem

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Foto: Reprodução

Um dos grandes nomes das relações internacionais no país, Matias Spektor olha para a política externa brasileira com preocupação. De um lado, analisa que um novo governo de Jair Bolsonaro poderia aprofundar o isolamento do país. De outro, vê as propostas do programa do PT como desatualizadas, desenhadas para um mundo diferente do atual, marcado pela crescente rivalidade entre grandes potências. De Princeton, nos Estados Unidos, onde passará um ano para escrever um novo livro sobre como o país pode aproveitar o meio ambiente para se projetar internacionalmente, o pesquisador da FGV-SP falou sobre as eleições e a posição do Brasil diante de Estados Unidos e China.

O que está em jogo nessas eleições para o Brasil?

Estas são as eleições mais importantes para a política externa brasileira desde o início da Nova República. Estão em jogo duas concepções radicalmente distintas de como o Brasil deve se conduzir internacionalmente. E o sistema internacional está em seu momento mais inseguro: há uma mistura perigosíssima e sem precedentes de competição entre as grandes potências que têm armas nucleares.

Em seu programa, o PT fala em uma política externa ‘ativa e altiva’, remetendo a 2003. Mas as condições internas e externas estão muito diferentes.

O grande risco de um eventual governo Lula é tentar jogar um jogo já jogado, achando que as regras continuam as mesmas. A ideia era que havia espaço no mundo para reduzir e mitigar a hegemonia americana, o que se daria por meio da criação de novos fóruns com grandes países em desenvolvimento. Para isso, era central a ascensão da China, não só em termos geopolíticos, mas também em sua capacidade de gerar riqueza. Lula apostou nisso; os Brics vêm daí, por exemplo. Na época, (o chanceler) Celso Amorim falava em “aumentar nem que fosse um pouquinho a multipolaridade do mundo”. Havia a ideia de que havia uma multipolaridade possível e benigna.

E como isso é diferente agora?

Agora temos um cenário de multipolaridade de fato. O jogo não consiste mais em desconcentrar o poder dos Estados Unidos, mas sim em impedir que as três grandes potências (EUA, China e Rússia) se engalfinhem. Todas têm armas nucleares, e a competição é muito perigosa. O grande risco que Lula corre é o de se isolar com todas as partes. Tentar jogar de acordo com um tabuleiro antigo, criando fricção com todos.

E o que esperar de um eventual segundo governo Bolsonaro?

O recrudescimento do isolamento brasileiro. Hoje o Brasil está isolado em relação à América do Sul, aos Estados Unidos, à África, ao Oriente Médio e à Europa, e não temos relação decente com a China. Ou seja, Bolsonaro representa o pior momento da política externa desde 1985. Nem com o colapso econômico no governo Sarney, nem com os impeachments de Collor ou Dilma chegamos a situação tão dramática. Uma reeleição de Bolsonaro significa um aprofundamento disso em um cenário piorado, porque agora temos governos de esquerda em países da vizinhança; Chile, Bolívia, Argentina e Colômbia, para não falar da Venezuela. Há ainda a pauta ambiental.

Se o desmatamento na Amazônia continuar tão intenso, podemos esperar sanções contra o Brasil?

A resposta é válida para qualquer governo que não reduza as emissões de gás carbônico — que o país gera via desmatamento e via produção de carne. O Brasil não recebeu sanções comerciais formais, mas foi, sim, sancionado. O Acordo de Livre Comércio com a União Europeia não foi para a frente devido à pauta ambiental. Também é por isso que uma possível entrada na OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) nem é considerada. A preocupação não é com sanções formais, mas sim com sanções informais. Por exemplo, há uma demanda gigantesca na Europa e nos EUA para que nos próximos meses se comece a discutir a possibilidade de se cobrar uma taxa por carbono importado. Se isso vingar, vai transformar as regras do comércio internacional. O Brasil não está preparado. Há muitas oportunidades, mas, do jeito atual, o custo para o comércio internacional brasileiro seria devastador.

Em termos de preocupação com a democracia, em que situação os países ocidentais poderiam adotar posição mais dura contra o Brasil?

Há um consenso entre os parceiros internacionais do Brasil de que o processo eleitoral é limpo e competitivo, e precisa ser preservado de Bolsonaro, visto como uma personalidade autoritária e que ameaça a democracia brasileira. A dúvida geral é em relação às Forças Armadas, se, frente a um projeto autoritário, vão se alinhar a ele, ou se vão resistir, ou se vão se dividir. Em um cenário no qual Lula ganha, veremos um consenso liderado pelos EUA de rápido reconhecimento do resultado. Se Bolsonaro ganhar, a preocupação continuará. Mas não vislumbro sanções formais.

O Brasil poderia atuar para construir pontes na disputa entre grandes potências?

É uma política externa plausível para o Brasil quando há estabilidade entre as grandes potências. Ou seja, quando elas não estão engalfinhadas, o país é capaz de montar coalizões de países em desenvolvimento e demandar reformas do sistema internacional. Essa construção caracterizou a política externa de Lula. Um bom exemplo hoje é a missão do Brasil na ONU. O país está no Conselho de Segurança, e é o que mais contribui. Isso não passa por Bolsonaro; o Itamaraty toca autonomamente.

Mas é possível apostar nisso?

Depende de uma precondição, que é ter prestígio. Bolsonaro o queimou, e se Lula não reduzir as emissões de carbono, não irá recuperá-lo. Desde o impeachment de Dilma, o país não tem posição de destaque. E, mesmo assim, a janela vai se fechando, conforme a rivalidade entre as potências se acirra. Pensemos na entrevista de Lula à revista Time. Ele tentou dizer que o Brasil precisava conversar com todos e acabou por afirmar que Zelensky é tão culpado quanto Putin pela guerra na Ucrânia, com um efeito péssimo em termos de reputação no Ocidente.

No novo contexto, qual poderia ser o posicionamento?

O novo contexto demanda que o Brasil reinvente a sua política externa, e o debate não é de reinvenção. Há as propostas de Bolsonaro, que são claramente péssimas para o Brasil, porque o isolam, e as propostas do outro lado, que são de reviver um momento do passado. É necessário uma política externa que atente para o fato de que o conflito diplomático entre as grandes potências está posto, e o Brasil não vai conseguir ficar em cima do muro. Vai ter de tomar lado.

Por quê?

Os pequenos países têm menor capacidade de resistir à pressão das grandes potências e se alinham mais rapidamente, enquanto os grandes têm mais espaço de manobra. Então, países como a Índia jogam de acordo com seus interesses e tiram vantagem dos EUA e da China. O Brasil tenta fazer o mesmo. Mas, à medida que a competição se acirra, fica mais difícil não tomar lado. Por exemplo, na América Latina, há uma presença russa pesada na Venezuela, na Nicarágua e em Cuba. E a Argentina e o Chile têm uma dependência brutal da China. A China tem uma base de Observação Espacial na Patagônia argentina. Isso significa que, mesmo que o Brasil não faça nada, de repente está no radar dos Estados Unidos. Claro que o Brasil pode e deve resistir ao máximo e tirar vantagem de acordo com seus interesses. Mas o cenário está ficando mais perigoso e arriscado.

A China é nosso principal parceiro comercial. Estamos condenados a ficar a seu lado

Penso que, quando a situação apertar, o interesse brasileiro será o de se alinhar aos Estados Unidos. Primeiro, porque estamos numa área do planeta onde são uma potência hegemônica. E eles têm muito mais capacidade de punir o Brasil do que a China e a Rússia, apesar de nossas exportações. Além disso, é do interesse do Brasil ficar do lado de uma sociedade aberta, na qual você pode criticar o seu governante e o povo pode ir à rua protestar sem medo. Essa é a preferência absoluta da população brasileira, que já teve uma experiência de ditadura — apoiada por Washington, diga-se. Isso não quer dizer que não haja custos em ficar com os EUA, e ele é gigantesco. Mas, nessa dinâmica, não tem almoço grátis.

O Globo