Bolsonaro aceita derrota, mas não reconhece
Foto: Isac Nóbrega/PR
Quarenta e quatro horas e 40 minutos após a Justiça Eleitoral decretar a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o presidente Jair Bolsonaro (PL) foi a público para agradecer os 58 milhões de votos que obteve e, sem contestar o resultado das urnas, afirmar que vai respeitar a Constituição. Ele se pronunciou pela primeira vez após a eleição às 16h37 desta terça-feira, com um discurso à imprensa de exatamente dois minutos no Palácio da Alvorada.
Apesar das poucas palavras — 212, para ser exato — e da pouca assertividade em alguns pontos (ele não fez qualquer menção direta ao vencedor do pleito, por exemplo), é possível extrair da fala do presidente acenos fundamentais para o momento do país. É como se, ao elaborar o pronunciamento, Bolsonaro tivesse ocultado alguns “sinais” em meio ao texto
Ao abrir o discurso citando os 58 milhões de votos recebidos, o chefe do Executivo reconheceu, indiretamente, a contagem oficial divulgada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a despeito das muitas acusações infundadas já feitas por ele às urnas eletrônicas. Na sequência, porém, Bolsonaro não deixou de externar sua insatisfação, ao frisar o “sentimento de injustiça sobre como se deu o processo eleitoral” por parte de manifestantes que vêm bloqueando estradas em diversos pontos do Brasil desde que a vitória lulista foi oficializada.
A referência aos protestos dos caminhoneiros, aliás, também trouxe à tona outro dos recados — não tão — cifrados de Bolsonaro. Embora tenha respaldado a ação de seus apoiadores, classificando os “atuais movimentos populares” como “fruto de indignação”, o presidente fez questão de ressaltar que “nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedade, destruição de patrimônio e fechamento do direito de ir e vir”.
O sutil puxão de orelha nos bolsonaristas, entretanto, não significa que o presidente sinta-se enfraquecido. Além de lembrar a “robusta representação no Congresso” da direita — que, segundo ele, “surgiu de verdade” no país —, o mandatário acrescentou que “nossos sonhos seguem mais vivos do que nunca”, em um indicativo de que pretende manter-se como o principal nome na oposição a Lula nos próximos anos.
Por fim, Bolsonaro assegurou que, “enquanto presidente da República e cidadão”, continuará “cumprindo todos os mandamentos da Constituição”. Foi uma maneira de, mesmo sem citar Lula — tarefa que coube ao ministro-chefe da Casa Civil Ciro Nogueira (PP), que confirmou em seguida o início dos trabalhos de transição —, reforçar a intenção de respeitar o resultado da eleição.
As mensagens, ainda que não tão enfáticas, parecem ter surtido efeito. Minutos depois do pronunciamento, o Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou uma nota em que registrava “a importância do pronunciamento do presidente da República em garantir o direito de ir e vir em relação aos bloqueios e, ao determinar o início da transição, reconhecer o resultado final das eleições”.
Ainda durante a tarde, magistrados da Corte encontraram-se a portas fechadas com Bolsonaro. Ao fim da conversa, o ministro Edson Fachin revelou que o presidente “utilizou o verbo acabar no passado, ele disse acabou”. E completou: “Portanto, olhar para a frente”.