Deputados só aprovam PEC se falarem com Lula

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Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Diante das resistências no Congresso em relação ao prazo de quatro anos para a exclusão do Auxílio Brasil do teto de gastos e ao volume de recursos que o futuro governo terá à disposição, deputados e senadores passaram a cobrar interlocução direta com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva. Articuladores do PT tentam, contudo, desvincular as negociações para a aprovação da PEC da Transição das tratativas em relação à Esplanada dos Ministérios.

A avaliação de parlamentares experientes é de que o texto final da proposta não virá a público antes que Lula articule, pessoalmente, o tamanho da futura base governista. Em contrapartida, os potenciais aliados cobram mais detalhes da proposta, como valores e destinação dos investimentos, e dos demais programas sociais. Durante as discussões no gabinete de transição, diversos grupos temáticos têm defendido que precisarão de mais recursos no ano que vem e fora do teto de gastos, como saúde, desenvolvimento regional ou infraestrutura.

Nos bastidores, parlamentares experientes observam que a duração da exclusão do programa de transferência de renda da PEC – se um, dois, ou quatro anos -, e o valor a ser excluído do teto, que vem oscilando entre R$ 200 bilhões e R$ 100 bilhões, será proporcional ao tamanho da futura base lulista. “Se ele tiver 70% do Congresso ao lado dele, a PEC será do tamanho que ele quiser”, disse uma fonte a par das conversas de bastidores.

Ontem, depois da reunião do conselho político da transição, líderes partidários ouvidos pelo Valor relataram terem indicado ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin e à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que não há no momento disposição no Congresso para aprovar a exclusão por quatro anos – alternativa adotada após resistências ao prazo indeterminado, que era defendido inicialmente. A principal justificativa dos defensores do prazo de quatro anos é da garantia de previsibilidade política e econômica. Além disso, se fosse para garantir o pagamento do auxílio a famílias de baixa renda somente por um ano, isso poderia ser viabilizado por crédito suplementar, enfatizou outro deputado federal.

Os parlamentares mais fieis ao presidente eleito alertaram que a validade por apenas um ano deixaria o novo governo refém do Congresso já na arrancada. “Nosso poder de negociação é agora que estamos discutindo presidência [da Câmara], comissões, lideranças”, argumentou um influente deputado. “A fatura aumenta demais no ano que vem”, observou.

Outro ponto de divergência é o montante que poderá ser executado fora do teto de gastos. Segmentos do Parlamento sinalizam que haveria mais facilidade para se fechar um acordo se estes recursos somarem algo como R$ 100 bilhões, cerca da metade do que o governo eleito quer.

Isso porque, embora o governo tenha dito publicamente que há consenso sobre o valor da PEC, o tema também gera controvérsias. A proposta apresentada no anteprojeto de excepcionalizar R$ 198 bilhões é considerada inviável por todos os líderes consultados pelo Valor. Nenhum deles, contudo, arriscou indicar o valor final. O programa Bolsa Família é orçado em R$ 175 bilhões.

Diante do impasse, o senador Jaques Wagner (PT-BA) entrou em cena. Ele se reuniu ontem com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para tratar do projeto. Na visão de aliados, Wagner tem autoridade para falar em nome de Lula. O petista foi visto por outros parlamentares na residência oficial do presidente da Câmara, aguardando a reunião. Ele, que é membro da Mesa Diretora do Senado, foi escalado como interlocutor do governo eleito por ter mais experiência e relação com parlamentares, como o presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG).

No fim da tarde, Wagner comandou uma reunião em seu gabinete com a presidente do PT e articuladora política da transição, deputada Gleisi Hoffmann, o líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), e outros deputados e senadores também para tratar da matéria.

Lula era esperado em Brasília nesta semana, mas adiou a viagem para se recuperar plenamente do procedimento cirúrgico na laringe a que se submeteu, e poupar a voz. Dessa forma, o presidente eleito desembarca na capital federal na próxima semana com a missão de avançar nas negociações de espaços em sua futura gestão com lideranças dos 15 partidos que já aderiram à base lulista.

Outra constatação da reunião do conselho político foi que o grupo presente não tem votos suficientes para aprovar a PEC. Os partidos representados na reunião somam apenas 251 votos na Câmara, bem menos que os 308 necessários para aprovar uma PEC. As siglas que ficaram de fora do encontro são, inclusive, mais numerosas e contam com 262 votos. No caso do Senado, as siglas presentes reúnem 47 votos dos 49 necessários para aprovar uma PEC.

Valor Econômico