Metade das parlamentares sofreu violência política

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Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

A campanha eleitoral mal tinha começado quando a deputada federal eleita Duda Salabert (PDT-MG) recebeu uma ameaça de morte em seu gabinete, na Câmara Municipal de Belo Horizonte. A carta, com referências ao nazismo e ofensas transfóbicas, dizia que a parlamentar deveria ser “isolado” o quanto antes, “de preferência em um campo de concentração”.

A intimidação deu o tom do que seria a disputa eleitoral para Duda, que fez história ao lado de Erika Hilton (PSOL-SP) ao se eleger para a Câmara dos Deputados, até hoje sem mulheres trans. Ela conta que recebeu pelo menos oito ameaças de morte, o que a levou a fazer campanha com escolta policial e colete à prova de balas.

— Enviaram uma carta com símbolos nazistas e fizeram um site descrevendo as formas como iriam me matar e “estourar” minha filha — conta a futura parlamentar, que denunciou os casos à Polícia Civil.

De xingamentos a ameaças de morte — Foto: Editoria de Arte

A violência política de gênero nas eleições foi realidade para Duda e mais da metade das mulheres eleitas este ano para o Congresso ou que estão em meio de mandato. Levantamento feito pelo GLOBO mostra que 55% das deputadas e senadoras que exercerão mandatos nos próximos quatro anos declararam ter sido atacadas nas eleições de 2022.

Nas últimas duas semanas, a fim de mapear o perfil da próxima bancada feminina, O GLOBO enviou um formulário com 42 perguntas para todas as 102 parlamentares, ao qual 77 responderam.

O percentual das que sofreram violência, embora alto, é menor do que em pesquisas anteriores do GLOBO, como a de julho de 2021, quando 81% da bancada feminina do Congresso contou ter sido atacada no exercício do mandato.

— Embora tenha sido pouco manejada na Justiça, a lei de violência política de gênero pode ter contribuído para que os percentuais de violência política não tenham sido ainda maiores, pelo menos entre as eleitas — diz Gabriela Araujo, professora de Direito Constitucional na PUC-SP.

O número acende outro alerta, afirma a especialista.

— Os índices podem ser maiores entre as que não se elegeram. Um dado importante do levantamento do GLOBO é que 99% das eleitas receberam apoio dos partidos, geralmente apontados como os maiores obstáculos à ascensão das mulheres na política.

Esta foi a primeira eleição sob vigência da lei, sancionada em agosto de 2021, pela qual assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar candidata ou mandatária tornou-se crime eleitoral, com pena de reclusão de até quatro anos e inelegibilidade por oito.

A análise do GLOBO mostra que 47% das mulheres sofreram violência política verbal, como xingamentos misóginos e comentários desmerecendo sua trajetória. Duas em cada cinco declararam terem sido vítimas de violência psicológica, como ameaças de morte e pressão contra suas candidaturas. Outras 12% sofreram violência sexual; 9%, econômica (com restrição a recursos partidários); e 4%, física.

— São ataques que visam a deslegitimar e por vezes inviabilizar a atuação política das mulheres com estereótipos que lhes negam competência nessa esfera — diz Tássia Rabelo, doutora em Ciência Política e professora da Universidade Federal da Paraíba.

O problema atinge todos os espectros políticos. A deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP) diz que recebeu dezenas de ameaças de morte:

— Fui cuspida em duas ocasiões. Recebi xingamentos, mensagens pornográficas.

Eleita para o primeiro mandato, a delegada Ione Barbosa (Avante-MG) também relata ter sido ameaçada de morte.

— As ameaças mostravam fotos de armas, vinham com áudios — relata a futura deputada, que priorizará projetos em defesa da mulher.

Ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Maria Claudia Bucchianeri observa que há muitos desafios para a efetiva implementação da nova lei:

— Passam, também, por uma mudança de cultura dos próprios integrantes do sistema de Justiça — diz, acrescentando que a violência política de gênero é um dos fatores por trás da sub-representação política feminina no país e atinge negras e trans em especial.

O Globo