Ministro das Comunicações quer “olhar pra frente”

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Foto: Cristiano Mariz/O Globo

Um dos principais articuladores políticos do presidente Jair Bolsonaro, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, acredita que o momento é de “pacificação”. E de mirar o futuro, após a dolorosa derrota na eleição presidencial mais disputada desde a redemocratização do país.

Bolsonaro perdeu para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por uma diferença de pouco mais de 2 milhões de votos no dia 30 de outubro. Com o presidente recluso, seus apoiadores passaram a promover atos antidemocráticos. Chegaram a bloquear estradas e passaram a se aglomerar em frente a quartéis pedindo “intervenção federal”. Eles também convocaram para esta segunda-feira (7) uma “greve geral”, que teve baixa adesão.

Ontem, manifestantes atacaram agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) em Novo Progresso, no Pará. O ato na BR-163, onde bolsonaristas mantêm interdições, teve tiros, arremesso de pedras e outros objetos contra viaturas da polícia. Em Santa Catarina, um grupo que bloqueava a BR-470 agrediu com barras de ferro dois agentes da PRF, que ficaram feridos.

“Manifestação pacífica, sim. Bloqueio de estrada e ‘intervenção federal’ sou contra”, disse Faria.

O ministro acredita que, apesar da derrota na eleição majoritária, Bolsonaro saiu fortalecido das urnas por ter conseguido eleger uma bancada consistente de deputados e senadores. Isso, em sua opinião, o credencia a liderar a oposição a Lula nos próximos anos. Por isso, diz, é hora de “olhar para a frente”.

A seguir os principais pontos da entrevista ao Valor:

Valor: Na sua avaliação, o que levou à derrota na eleição?

Faria: Nesse processo todo, primeiro o presidente enfrentou a barragem de Brumadinho, logo em 2019. Depois, foram três anos de pandemia, seguida por uma crise hídrica e, depois, uma guerra da Ucrânia com a Rússia. Isso fez com que o presidente perdesse muita gente. Muitos votos que foram para o Lula foram votos de pessoas que votaram em Bolsonaro em 2018. Não eram votos do PT. Eram votos de pessoas que tinham ficado chateadas com o Bolsonaro por um episódio que aconteceu na pandemia e em outros episódios.

Valor: Os casos Roberto Jefferson e Carla Zambelli atrapalharam?

Faria: O presidente, ao longo da eleição, foi recuperando muita gente, foi diminuindo a rejeição. Naquele episódio do Roberto Jefferson, ele estava cruzando. Era o momento que estava fazendo o “x”. Ali, foi um momento crucial, porque foi uma semana antes da eleição. Ele já estava crescendo no voto feminino. Aí volta aquela questão do armamento, mostra um aloprado, que deu 20 tiros contra a polícia e foi colocado como apoiador [do Bolsonaro]. A gente vinha trabalhando para diminuir a rejeição, ali teve um freio muito forte. Mas não tem como medir.

A gente tem que seguir em frente; manifestação pacífica, sim. Bloqueio e intervenção, sou contra

Valor: Teve outros pontos ruins?

Faria: Outro ponto importante, que é imensurável, foram as “fake news”. Uma muito forte que pegou contra o presidente foi a propaganda falando que ele iria acabar com o 13º e férias. Isso a gente mediu muito nas qualitativas e foi muito forte. Eu diria que esses pontos todos somados fizeram com que essa eleição tivesse uma diferença de 2 milhões de votos.

Valor: O auxílio de R$ 600 acabou sendo pago muito perto da eleição. Isso também pesou?

Faria: Essa pauta do auxílio, apesar de o presidente já ter dado o maior auxílio da história do Brasil, isso ficou muito marcado no Lula. Marcaram muito no PT a questão do Bolsa Família e do auxílio. Eu não acho que isso foi um ponto que prejudicou o presidente. Ao mesmo tempo, a segurança pública é muito ligada ao Bolsonaro. Tem pautas que são muito mais ideológicas. Não adianta fazer um pouco a mais ou além do que pode ser feito. O nosso auxílio foi bem maior [que o de Lula], mas não conseguiu fazer essa reversão.

Valor: O que faltou no Nordeste?

Faria: Os governadores receberam muito dinheiro na pandemia. No Nordeste, são nove governadores de oposição. E eles ficaram muito fortes e apoiaram o Lula. Isso foi um ponto que se voltou contra o presidente, essa distribuição de muito dinheiro na pandemia para governadores e prefeitos.

Valor: O presidente já assimilou a derrota?

Faria: Ele é um ser político. Antes de ser presidente, ele ficou 28 anos como deputado. Saiu do baixo clero para virar presidente da República, algo que ninguém nunca tinha visto. Eu acho que neste momento agora ele está assimilando, tentando entender o que aconteceu, o que ele vai fazer nos próximos dias para frente.

Valor: Quais os próximos passos que ele deve dar?

Faria:O que a gente quer é que ele consiga juntar essa turma toda, esse legado que ele fez, esses deputados e senadores. O bolsonarismo está muito forte, está vivo. Isso é reflexo de um governo que deu certo em muitas áreas e teve entregas importantes. Mas eu acho que é um momento de dar a ele esse momento de reflexão. É um momento dele mesmo, de dar um tempo ao presidente. Depois que ele assimilar tudo, ele deve convocar os ministros para ter uma conversa.

Valor: O senhor atribui o silêncio do presidente a essa reflexão?

Faria: Eu acho que é um momento de reflexão, de assimilação, de entendimento, que é importante. Ele se dedicou demais, trabalhou demais, praticamente não dormiu. O presidente foi um guerreiro durante a eleição. Ele merece um descanso para ele refletir.

Valor: Qual vai ser o papel do senhor na transição?

Faria: Vou focar muito nessa área de telecomunicações. E me colocar muito à disposição, no que for possível. Quero ter um perfil muito técnico nessa transição, um perfil que a gente teve aqui em telecomunicações. Mas, se precisar expandir para algo que seja demandado, estou à disposição..

Valor: Como o senhor acha que será a relação do futuro governo com esse Congresso que foi eleito?

Faria: O Congresso eleito foi mais de centro-direita. Mas, como o diálogo está acontecendo com os partidos, eles estão propondo fazer um governo de coalizão, eu não sei como isso vai ser acomodado. Acredito que haverá pautas com mais dificuldade de aprovação. Mais as pautas de valores, pautas consideradas relevantes para a direita, eu acredito que eles terão mais dificuldades. Na pauta econômica, na pauta do dia a dia, eu acho que você consegue formar uma maioria, fazendo uma composição com uma base maior.

A pauta de reformas é uma pauta mais da direita do que da esquerda. Vai depender do presidente eleito querer aprovar

Valor: E as reformas tributária e administrativa?

Faria: Essa pauta de reformas é uma pauta mais da direita do que da esquerda. Vai depender do presidente eleito junto com a base dele querer aprovar. Essas pautas econômicas mais liberais teriam apoio natural da oposição.

Valor: Como o senhor vê esses protestos que pedem “intervenção federal” em frente aos quartéis?

Faria: Eu lutei, me dediquei integralmente como ministro para ajudar o presidente Bolsonaro. Por acreditar nele e por ser muito grato e leal ao convite que ele me fez como ministro. Mas, depois que passaram as eleições, eu acho que agora é o momento de ter serenidade, tranquilidade, de pensar no Brasil. Eu não quero ser contra quem quer vestir a camisa e sair nas ruas. Acho que cada um tem o direito de fazer o que quer. Mas eu, particularmente, acho que a gente tem que seguir em frente, olhar para a frente. A gente tem que pensar no país. Manifestações pacíficas, sim. Bloqueio de estradas e “intervenção federal”, sou contra.

Valor: Esses movimentos não podem prejudicar o presidente?

Faria: Os movimentos que estavam atrapalhando o país eram os fechamentos de estradas. O presidente deu uma palavra direta, pedindo para desbloquear as estradas porque isso atrapalhava a economia, estava começando a faltar insumos, produtos, combustível, a gerar desabastecimento. Não acho que isso prejudicaria ou não o presidente. Não pode é ter escalada. Se for algo pacífico, tudo bem.

Valor: O que o senhor achou dos ataques feitos às urnas eletrônicas?

Faria: Esse é um assunto do Ministério da Defesa com o presidente. Eu fiquei sabendo desde o primeiro turno que correu tudo bem, que eles falaram com o presidente. No segundo turno, iriam tratar diretamente com ele.

Valor: Do episódio das rádios, o senhor já disse que se arrependeu. Houve algum impacto negativo?

Faria: Na segunda-feira, a campanha fez chegar até a gente um relatório de que o presidente tinha tido menos inserções de rádio no Brasil todo, principalmente no Nordeste. Como estava na última semana da eleição, e como eram milhares de horas de gravações, não ia dar tempo de checar isso rapidamente, a gente buscou fazer um acordo no TSE. Como a eleição estava voto a voto, se a gente ganha dois dias de inserções a mais, que era o que a gente queria, isso seria crucial para o presidente. O partido poderia ter visto isso no primeiro turno. No outro dia, esse assunto escalou. Muitos deputados e senadores começaram a pedir o adiamento da eleição, que nunca foi objeto do meu pedido. Nem do pedido da campanha. Isso começou a vir contra o presidente. Porque começou a se falar que o ele queria usar isso para adiamento de eleição. E começou ali o voto da classe média, de formador de opinião: “Não vou votar nele porque ele está criando um fato”. Se eu soubesse que esse assunto ia pra esse patamar, não teria nem feito. Me arrependo porque adiamento da eleição nunca foi objeto do partido nem do presidente.

Valor: Que papel o senhor acha que ele deve ter nos próximos anos?

Faria: Liderar esse legado que ele fez, liderar esse legado aí de centro-direita Brasil afora de deputados, senadores, governadores. Ele é a figura maior, o líder maior, ele tem que lidar este processo. Acho que o líder desse processo de oposição é ele, ele que tem que tomar essa a decisão, o que ele quer. O presidente formou lideranças, tem muitas lideranças de direita, tem Tarcísio, governador de São Paulo, tem o Zema, de Minas, então a direita hoje tem vários nomes.

Valor: O senhor e o Ciro Nogueira se colocaram como um escudo entre o presidente e a ala dita ideológica do governo?

Faria: Entrei propondo paz em momento de guerra, um armistício. Conseguimos ficar quatro meses em paz em um momento de bastante dificuldade, em meio à pandemia. O presidente sabe que eu tenho este perfil. E o Ciro veio também para somar nesta pacificação. Ao longo do tempo, o presidente foi fazendo avaliações, elegeu presidente da Câmara, fez composições mais políticas e foi trazendo políticos para perto. Acredito que foi um acerto, a gente precisa ter interlocuções.

Valor: O presidente da Câmara, Arthur Lira, será reeleito?

Faria: Arthur é um excelente quadro, um grande líder que tem um grande número de deputados que o apoiam. Ele tem palavra e credibilidade por isso.

Valor: Ele pode ser um presidente que faz oposição ao governo?

Faria: Arthur é uma pessoa de palavra, quem ele apoiar, ele vai entregar o que prometeu. O Bolsonaro apoiou o Arthur e teve reciprocidade. Ele é conhecido pela palavra e nunca falhou com ninguém. Se eu fosse presidente [da República], eu queria ter o Arthur Lira como presidente da Câmara.

Valor: Qual o seu futuro? Ficará até 31 de dezembro?

Faria: Pretendo sair junto com o presidente. Quando anunciei que não era candidato, eu disse que tinha muito mais para entregar em nove meses como ministro do que em 16 anos como senador. E que eu iria continuar para terminar o que estava fazendo. A implementação do 5G nas capitais, que ocorreu; conectar internet nas escolas; fechar acordo com empresas de satélite, hoje são seis já aprovadas na Anatel. Acho que saio com missão cumprida. Como disse lá atrás, independente de quem ganhasse, que gostaria de ter experiência no setor privado. É para lá que eu vou.

Valor Econômico