PT fará ministros da Fazenda e da Casa Civil
Foto: Andre Penner/AP
Em política, diz-se que a próxima sucessão presidencial começa a partir do resultado da eleição atual. Essa regra emerge ainda mais forte se o candidato vitorioso antecipa que não disputará a reeleição, como fez o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Nessa lógica, as especulações quanto aos seus potenciais sucessores já fervilham com frenesi antes mesmo dele tomar posse.
O cenário mais provável esboçado para o primeiro escalão de Lula prevê uma dupla de petistas à frente das pastas mais influentes: Fernando Haddad no Ministério da Fazenda e o governador da Bahia, Rui Costa, na chefia da Casa Civil. Se esse desenho sair do papel, Lula governará com dois potenciais sucessores na direção dos ministérios de maior visibilidade.
Fazenda, Casa Civil e Ministério do Planejamento compõem a Junta de Execução Orçamentária, órgão que define os limites de movimentação do Orçamento Federal. Uma instância que ganhará ainda mais relevância no próximo governo em meio ao debate sobre o fim do teto de gastos e a nova âncora fiscal.
Segundo fontes credenciadas do gabinete de transição, caberá ao vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) indicar o titular do Planejamento, que atuaria em sintonia com Haddad e Costa.
Haddad, que foi prefeito de São Paulo e ministro da Educação, desponta como sucessor natural pelo “recall” do pleito de 2018, quando amealhou um capital de 47 milhões de votos, e da disputa ao governo de São Paulo em outubro, quando obteve 10,9 milhões de votos.
O ex-prefeito é, ainda, um quadro da máxima confiança de Lula, de lealdade indelével: foi advogado do petista durante o confinamento em Curitiba e o visitava quase semanalmente. Quando Jaques Wagner esquivou-se da missão que lhe seria confiada, Haddad prontificou-se e substituiu Lula na disputa presidencial contra Jair Bolsonaro em 2018.
Em paralelo, o governador Rui Costa é um quadro em franca ascensão no PT. Foi eleito e reeleito no primeiro turno, sucedendo ao então governador Jaques Wagner, um dos quadros mais próximos de Lula. Agora, elegeu o seu sucessor, Jerônimo Rodrigues (PT). Com o resultado, Costa terá assegurado, ao fim de 2026, 20 anos de gestões petistas consecutivas no Estado.
Em setembro de 2019, Rui Costa se indispôs com alas do PT ao declarar, à revista “Veja”, que havia colocado o seu nome para Lula como pré-candidato à eleição presidencial de 2022. “Disse isso ao Lula: mais do que projetarem nomes, os partidos deveriam deixar a vaidade de lado (…) Hoje, quero construir com outras lideranças essa alternativa. Mas é óbvio que, se digo que estou disposto a construir algo, então estou disposto a assumir qualquer tarefa”, afirmou.
O político baiano irritou ainda mais os petistas ao sustentar, na mesma entrevista, que o PT deveria ter apoiado Ciro Gomes (PDT), e não Haddad, no pleito de 2018, e conclamou os partidos de esquerda a formarem uma frente ampla em oposição a Bolsonaro, sem impor a bandeira “Lula Livre”.
Em reação, a Executiva Nacional do PT divulgou uma nota dura rebatendo o correligionário. Jaques Wagner saiu em defesa de seu apadrinhado: “Eu nunca vi a Executiva de um partido fazer uma nota daquele tamanho para repreender ou atacar um governador.” O próprio Wagner é cotado para a Casa Civil, mas é igualmente cogitado para assumir a Defesa, ou permanecer no Senado como articulador de Lula.
A eventual confirmação de Rui Costa na Casa Civil evoca o perfil de Dilma Rousseff no comando da pasta: de um gestor de confiança, não reconhecido pelo traquejo político. Nesse quesito, contrapõe-se ao poderoso José Dirceu, líder político máximo da primeira gestão lulista, até o revés com a denúncia do mensalão, que culminou em sua demissão em 2005.
Dirceu era o sucessor natural de Lula, e sua derrocada abriu caminho para o ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Mas em meio ao escândalo de violação do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, Palocci deixaria o governo menos de um ano depois de Dirceu. Foi xeque-mate em Lula, mas o petista virou o jogo e colocou Dilma em campo.
A escolha desagradava a classe política, que a acusava de não saber dialogar. Em janeiro de 2008, lideranças do MDB deram um bambolê de presente para Dilma, sugerindo que a chefe da Casa Civil precisava ter mais “jogo de cintura”.
O brinquedo foi entregue a ela pelo então ministro das Relações Institucionais, José Múcio Monteiro. Como o mundo dá voltas (como um bambolê), Múcio ressurge como cotado para o ministério de Lula 3.
Lula ignorou as críticas do MDB, seguiu o próprio faro, e dois meses após o episódio, apresentou Dilma ao eleitorado como a “mãe do PAC” (Programa de Aceleração do Crescimento), que ela coordenava na Casa Civil. E dois anos depois, ela foi eleita presidente da República.
É nesse pano de fundo que eventual confirmação de Rui Costa na Casa Civil converterá o baiano em concorrente interno de Haddad na corrida sucessória para 2026.
Lula gostaria de indicar Costa para uma pasta da área de infraestrutura, mas acredita que terá de ceder esse espaço a uma das siglas aliadas. Mas nada impede que ele reedite o “modelo Dilma”, de modo que a coordenação das obras públicas, em eventual PAC 3, seja confiada ao baiano.
É cedo para analisar, entretanto, se a eventual dupla de atacantes repetirá a dupla de sucesso da era pré-mensalão, com Palocci na Fazenda, e Dirceu no Planalto. Um risco é repetir a disputa interna travada entre ambos.
Dirceu relatou a queda de braço com Palocci em seu livro de memórias. “Era preciso combater a inflação, mas não havia acordo sobre o modo mais correto de fazê-lo. Palocci e sua equipe se impuseram, e o caminho foi o tradicional aumento de juros, freio à expansão econômica e ao crédito, além do aumento do custo da divida interna”, criticou. Revelou que em um jantar no Palácio da Alvorada, o “pau comeu” entre ambos. Se Lula escalar Haddad e Rui Costa, o tempo dirá se a troca de passes fluirá, ou será uma sucessão de faltas, travando o jogo político.