STF influirá na PEC da Transição
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
O presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) retorna a Brasília para uma semana decisiva para as pretensões de seu futuro governo em frentes diversas, com eventos de impacto no Congresso Nacional, no Judiciário e nas relações exteriores.
No Parlamento, o Senado promete votar até o fim da semana a chamada PEC da Transição, que prevê a retirada do programa Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família, da regra do teto de gastos públicos. A negociação, contudo, é fortemente afetada pela possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) julgar, na quarta-feira, a ação que discute a constitucionalidade do “orçamento secreto”, nome dado às emendas de relator ao Orçamento da União, que se tornaram um meio de obtenção de apoio parlamentar por parte do governo do presidente Jair Bolsonaro (PL) e cujo mecanismo é defendido pelo presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL).
Ainda no campo da Justiça, é possível que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) aprove as contas do presidente eleito, após a manifestação do Ministério Público Eleitoral (MPE) nesse sentido. A diplomação de Lula no TSE está marcada para o dia 12, sendo a última etapa do processo eleitoral, quando o tribunal oficializa o resultado e confere as condições para o presidente e o vice-presidente eleitos tomarem posse, no dia 1º de janeiro.
Mas antes, Lula cumprirá nesta segunda-feira uma agenda estratégica para suas pretensões futuras de reinserir o Brasil no diálogo internacional: uma reunião com o conselheiro de Segurança dos Estados Unidos, Jake Sullivan, em Brasília. No encontro, Lula e Sullivan devem acertar detalhes da visita do petista ao presidente norte-americano, Joe Biden, ainda este ano.
Lula esteve na manhã deste domingo no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, para a realização de uma laringoscopia. O exame, que verifica a saúde da laringe, da faringe, da boca e do nariz por meio de um endoscópio, estava previamente agendado e o resultado se mostrou dentro da normalidade, segundo boletim médico do hospital. Lula foi acompanhado pelas equipes médicas coordenadas pelo Dr. Roberto Kalil Filho, Dr. Rubens Brito e Dr. Rui Imamura, que monitoram os resultados da cirurgia para retirada de uma leucoplasia, lesão branca na garganta, feita em 20 de novembro.
O pontapé inicial na tramitação da PEC da Transição na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal ocorre nesta terça-feira. O presidente da comissão, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), deve avocar para ele mesmo a relatoria da PEC. A expectativa é que terça-feira seja um dia para discussões e, na quarta-feira, Alcolumbre apresente um substitutivo que englobaria a PEC apresentada pela equipe de transição e outras sugestões trazidas por senadores. Depois da votação na CCJ, a ideia é que a proposta vá a plenário no mesmo dia. Aprovada no Senado, a PEC da Transição ainda precisará passar pela Câmara.
Nos bastidores, aliados de Lula afirmam, em conversas reservadas, que a provável declaração da inconstitucionalidade do “orçamento secreto” pelo Supremo, na quarta-feira, pavimentará o caminho para a aprovação da PEC da Transição nos termos propostos pelo petista, ou em moldes muito próximos do desejado pelo futuro governo.
A estratégia envolve autoridades do gabinete de transição, do Legislativo e do Judiciário, que acreditam que o julgamento da ação de inconstitucionalidade no dia 7 de dezembro, seguido da diplomação do presidente eleito no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), agendada para 12 de dezembro, favorecerá o ambiente político para uma dupla vitória de Lula: o fim do “orçamento secreto”, fragilizando o Centrão, e a aprovação da PEC da Transição.
Existe a possibilidade de pedido de vista no dia 7, adiando o desfecho do julgamento. Neste caso, um caminho seria a presidente do STF e relatora da ação, ministra Rosa Weber, conceder uma medida cautelar, antecipando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade das emendas de relator. Mas essa possibilidade ainda existe somente no campo da teoria.
Uma alta autoridade que acompanha esse debate nos bastidores observa que o julgamento do STF, reconhecendo a violação à Constituição pelas emendas de relator (ou RP-9), devolverá as rédeas do pagamento e execução das emendas parlamentares ao Poder Executivo. Pela lei, a execução do orçamento sempre coube ao Executivo, mas o “orçamento secreto” subverteu essa prerrogativa.
Nesse cenário, Lula tomaria posse como chefe do Executivo fortalecido, enquanto o presidente Jair Bolsonaro (PL) se tornou refém do Centrão nos últimos anos, com o controle das emendas de relator nas mãos dos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Para 2023, o valor reservado para essas emendas é de R$ 19 bilhões.