Confirmado: porta do Planalto foi aberta a golpistas
Ton Molina/AFP
Enquanto a Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou 44 pessoas por envolvimento nos atentados terroristas do último dia 8, o Ministério Público Militar (MPM) abriu até agora seis apurações preliminares sobre a participação de integrantes das Forças Armadas na invasão e depredação das sedes dos três poderes.
Chamadas de “notícias de fato”, quatro dessas apurações tratam da participação específica de militares nos atos terroristas que culminaram em cenas de vandalismo no Congresso, no Palácio do Planalto e no edifício-sede do Supremo Tribunal Federal (STF).
Um outro caso mira a atuação do Batalhão da Guarda Presidencial (BGP) e do 1º Regimento de Cavalaria de Guarda (1º RCG), responsáveis pela segurança do Palácio do Planalto. Na sede do Executivo federal, os extremistas não encontraram empecilhos para ocupar o salão nobre, subir uma rampa e chegar até as imediações do gabinete do presidente Lula.
O objetivo, segundo o MPM, é verificar se houve falha em relação aos procedimentos para guarda e segurança do Planalto e fazer o levantamento de eventuais responsáveis. “Eles entraram porque a porta estava aberta. Alguém de dentro do palácio abriu a porta para eles, só pode ter sido. Houve conivência de alguém que estava aqui dentro”, disse Lula em entrevista à Globonews.
Em meio à desconfiança de integrantes do governo com as Forças Armadas, Lula demitiu no último sábado o então comandante do Exército, general Júlio César de Arruda, que havia assumido o posto em 30 de dezembro.
Um vídeo que circula nas redes sociais, divulgado pelo site Metrópoles, mostra o confronto entre agentes da PM e o comandante do BGP, Paulo Jorge da Hora, que teria tentado impedir a tropa de choque da Polícia Militar do DF de prender os extremistas que depredaram o Palácio do Planalto.
Além da suspeita de obstrução ao trabalho da PM, o batalhão não teve seu efetivo reforçado na véspera dos ataques por determinação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), integrado por militares, segundo o jornal O Estado de S. Paulo.
O envolvimento de militares na fuga de manifestantes após participação dos atos antidemocráticos em Brasília, aliás, é alvo de outra frente de investigação em andamento no MPM.
De acordo com o MPM, até agora não foi oferecida nenhuma denúncia formal contra os investigados. Como alguns casos dizem respeito a grupos e unidades militares, os investigadores não possuem uma estimativa de quantos integrantes das Forças Armadas estão, de fato, tendo a conduta analisada.
Além das seis apurações preliminares, o MPM já recebeu um inquérito policial militar concluído pelo Comando Militar do Planalto, que indiciou o coronel da reserva Adriano Testoni por ofensas contra as Forças Armadas e injúria contra os integrantes do Alto Comando da Força Terrestre.
“Bando de generais filhas da p***. Vão tudo tomar no c*. Vanguardeiros de merda. Covardes. Olha o que está acontecendo com a gente”, disse Testoni ao participar dos atos antidemocráticos, ao lado de uma manifestante que ele identifica como sua mulher. “Esse nosso Exército é uma merda”.
Agora, o MPM vai analisar o caso de Testoni e decidir se enquadra o coronel em um dos crimes apontados. Os processos correm em sigilo.
Uma eventual condenação pode levar, em um segundo momento, à abertura de um outro processo, de caráter administrativo, com a perda do posto e da patente.
No entanto, ainda é objeto de discussão nos bastidores a competência da Justiça Militar para julgar todas as acusações envolvendo a atuação de integrantes das Forças Armadas nos atentados terroristas.
Isso porque, a depender dos crimes em que forem enquadrados os investigados, o caso pode ser transferido para Justiça comum, de acordo com membros do Superior Tribunal Militar (STM) consultados pela equipe da coluna.
“Tudo depende de como será enquadrado. Se for considerado crime político, por exemplo, a competência é da Justiça Federal”, observou um ministro do STM.
O próprio MPM admitiu, em resposta enviada à coluna, que “não necessariamente os casos serão julgados pela Justiça Militar”.
“Caso a conduta não se enquadre nas hipóteses do Código de Processo Penal Militar, a investigação é encaminhada para o Ministério Público com atribuição”, como o Federal ou o do DF.
Nós também procuramos o Exército, a Aeronáutica e a Marinha e indagamos se foram abertos processos administrativos quanto à conduta de militares nos atentados do último dia 8.
Além disso, as instituições também foram questionadas sobre quantos militares foram alvos desses procedimentos, se pretendiam compartilhar eventuais provas com a Justiça comum e se alguma força-tarefa havia sido destacada para apurar denúncias e evidências.
Em uma resposta de quatro linhas, o Exército se limitou a comunicar que “todos os fatos estão sendo apurados”. A Aeronáutica e a Marinha não responderam uma linha sequer.
“Os militares estão cientes e concordam que nós vamos tomar essas providências. Evidentemente, no calor da emoção a gente precisa ter cuidado para que essas acusações e penas sejam justas. Tudo será providenciado em seu tempo”, disse o ministro da Defesa, José Múcio, após participar de reunião no Planalto com Lula e comandantes das forças na semana passada.