Exibicionismo vitima vândalos bolsonaristas

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Foto: UFB/Divulgação

Estudioso da comunicação política e da democracia digital pela Universidade Federal da Bahia, o professor Wilson Gomes acredita que os ataques terroristas perpretados em 8 de janeiro são o ápice de um movimento social de direita marcado pela irracionalidade. No entendimento do acadêmico, o radicalismo que destruiu os três edifícios da República é a demonstração mais avassaladora de um movimento com origens no início da década de 2010.

Gomes observa, no entanto, que essa corrente extremista não está presa à figura do ex-presidente Jair Bolsonaro, pois se alimenta de ideias antidemocráticas que são anteriores e transcendem o personagem. “As pessoas já projetaram isso em Bolsonaro. É um sujeito que já está fora de controle. Inclusive, se ele se rebelar contra esse movimento, não tem nenhum problema. O movimento iria contra ele. O bolsonarismo é diferente de Bolsonaro.”

Diz, ainda, que esse movimento é uma confluência de várias correntes, marcadas a um só tempo pelo ultraconservadorismo e pela superficialidade das redes sociais. Gomes considera a resposta do governo insuficiente para combater esse fenômeno ideológico. “As mídias digitais estão inundadas com narrativas de campo de concentração, de velhinha que morreu, e não tem uma comunicação governamental. É uma resposta analógica, para um mundo digital”, critica.

Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

Como o senhor enxergou os atos praticados em 8 de janeiro?

Foi muito grave. Há muitas leituras. A sugestão mais evidente é pensar que houve uma espécie de invasão do Capitólio à brasileira. O 6 de janeiro dos Estados Unidos foi o nosso 8 de janeiro de 2023. Naturalmente, lá foi o dia da infâmia. É uma coisa gravíssima na história americana que uma população de sediciosos invada o coração da República. Não se deve subestimar o efeito disso na nossa República, embora nossa República já tenha passado por muita coisa. Tivemos dois golpes de Estado no século passado (Getúlio Vargas e período militar). É assustador. Mas isso não pode diminuir o impacto do 8 de janeiro. Foi uma coisa avassaladora, que não tem cabimento. Nossa última ditadura começou em 1964. Temos um arco de seis décadas em que não aconteceu nada desse nível. Foi uma tentativa atabalhoada de golpe de Estado — o que não é pouco.

Qual a explicação para isso?

Formou-se uma tempestade perfeita. Havia condições nesse sentido. Temos aqui um período tremendo no país, iniciado em 2013, que está completamente fora da caixinha. Como dizem por aí, parece que o país tomou uma cachaça pesada e vem fazendo uma besteira atrás da outra. Tivemos uma presidente reeleita em 2014, mas foi reeleita já perdendo a eleição. Há ainda um conjunto de frustrações, em 2013 e 2014. Depois, vê-se sair do armário uma extrema direita, feroz, ogro, antirrepublicana. Pouco a pouco, notou que tinha poder político. Em 2015, trabalhou duramente pelo impeachment de Dilma Rousseff — e conseguiu em 2016. Aí vem o governo Temer, com episódios de corrupção. O termo Lava-Jato vem comendo solto no país, como uma forma de punitivismo, uma política de ódio, de raiva, de fúria e antipolítica. Então, são quase 10 anos dessa avalanche crescente.

Houve o nascimento de uma geração radical?

Sobre a radicalização, eu comparo um pouco o Brasil com o que aconteceu com os meninos de origem muçulmana na Europa. Eles descobriram grupos extremistas pelo YouTube e se radicalizaram. E, de repente, o pai descobre que o filho entrou no Estado Islâmico. Aconteceu um pouco isso no nosso país. Eu tinha amigos que pareciam convertidos, quase como que para uma religião.

O senhor citou dois golpes ocorridos no Brasil que aconteceram pela ação de quem detinha um poder público. Mas, nos atos de 8 de janeiro, não eram necessariamente agentes políticos. O poder público estava disfarçado em meio aos golpistas?

É inegável que o bolsonarismo radical, hoje, é um movimento social. É preciso dizer, contudo, que o bolsonarismo não é exatamente o sujeito que votou em Bolsonaro. Tem muita gente votou em Bolsonaro por razões pragmáticas, até ideológicas, mas não para aderir à identidade. As pessoas votam em Bolsonaro, mas não são Bolsonaro. O movimento bolsonarista, por sua vez, é o sujeito que se identifica com os valores, adota certas narrativas, se sente parte de alguma coisa. Isso quer dizer que o movimento foi espontâneo? Não. Porque, na verdade, o bolsonarismo se institucionalizou como governo durante quatro anos.

Correio Braziliense