Interventor do DF tem provas contra Anderson Torres

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Jerônimo Gonzalez/Flickr

Ao apresentar o relatório sobre os atos de vandalismo ocorridos em 8 de janeiro na Praça dos Três Poderes, o interventor da segurança pública do Distrito Federal, Ricardo Cappelli, afirmou que o delegado Anderson Torres criou instabilidade na Secretaria de Segurança Pública, sabia dos riscos de violência e invasão de prédios públicos pelos manifestantes alojados no acampamento em frente ao QG do Exército, e não tomou providências.

O parecer de Cappelli contém os fatos apurados em 19 dias de intervenção, imagens e documentos anexos sobre os atos. Ele ressaltou que não faltou informação sobre o perigo iminente. Os riscos estavam registrados em relatório da própria Secretaria de Segurança, de 6 de janeiro. “Houve informação sobre o que aconteceria no dia 8. Há um relatório da Secretaria de Segurança Pública do dia 6 em que está escrito textualmente que havia previsão de invasão aos prédios públicos”, disse Cappelli.

Mesmo assim, segundo o interventor, não foi elaborado, por parte da Secretaria de Segurança, um plano operacional para conter os golpistas.

Secretário-executivo do Ministério da Justiça, Cappelli afirmou, ainda, que não acredita em coincidências. E citou uma frase de Celso Amorim, ex-ministro e assessor especial do presidente Lula: “Quem quiser que acredite em coincidência. Eu só acredito em teoria da conspiração”.

Ministro da Justiça do governo Bolsonaro, Torres teve a prisão preventiva decretada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), medida referendada por outros oito ministros. Está preso desde 14 de janeiro, quando desembarcou em Brasília de uma viagem de férias aos Estados Unidos.

Em relação ao ex-comandante-geral da Polícia Militar do DF coronel Fábio Augusto Vieira, também preso preventivamente, Cappelli disse que a apuração mostrou uma tentativa do oficial de conter as invasões, mas sem respaldo de outros subcomandantes.

Cappelli detalhou que Vieira estava em campo desde a manhã de 8 de janeiro, pediu reforço no efetivo da Polícia Militar e se envolveu diretamente no conflito para tentar barrar os vândalos. Inclusive, foi ferido ao receber um golpe na cabeça com um cone ao buscar conter um agressor no Congresso.

Os advogados Thiago Turbay e João Paulo Boaventura, que representam o coronel Vieira, divulgaram nota sobre as conclusões relacionadas ao caso. “O relatório divulgado pelo interventor, dr. Ricardo Cappelli, demonstra cabalmente não ter havido omissão por parte do cel. Fábio Augusto Vieira. Ao contrário, revela o inequívoco esforço pessoal do então comandante-geral para impedir a depredação pública e violações contra o Estado Democrático de Direito e suas instituições”, diz a nota.

O relatório será encaminhado a Moraes, ao Ministério da Justiça, ao Ministério Público e a todas as instituições. Leia abaixo trechos da entrevista.

Relatório da inteligência alertou SSP sobre atos, mas foi ignorado

“Todos os atos de vandalismo que aconteceram na capital federal tiveram a sua organização, seu planejamento, seu ponto de apoio naquele acampamento, que virou um centro de construção de planos contra a democracia. Importante registrar a natureza daquele acampamento. Para se ter uma ideia, a nossa polícia registro 73 ocorrências de roubos e furtos. Foi um ambiente, também, onde circularam criminosos. Todos os eventos, do dia 12 de dezembro, da diplomação; a tentativa de explosão de bomba, de bloqueio do aeroporto, todos passam, de uma forma ou de outra, por aquele acampamento. Um acampamento criminoso, que perturbou a ordem pública no DF durante esses poucos mais de dois meses. Não era um acampamento comum, porque um acampamento comum não tem cozinha montada, infraestrutura de banheiros químicos, geradores. Uma verdadeira minicidade golpista, terrorista, montada em frente ao QG do Exército.”

“Importante registrar que as polícias militar e Civil, em conjunto, tentaram fazer incursões no acampamento para coibir o comércio ilegal, para desmontar. Inclusive, houve mobilização de homens para essas operações. São operações registradas e que foram canceladas, na véspera, por ponderações feitas pelo Exército, pelo comando militar do Planalto. Então, houve a tentativa das polícias do DF de agir, mas elas não tiveram êxito.”

“Logo após a posse (presidencial), reduz-se o acampamento. As investigações vão dizer se isso foi uma tática para despistar, mas a verdade é que, no dia seguinte à posse, o acampamento sofre um processo de desmobilização. Quando chega no dia 6 e 7, ele explode novamente, e chega a ter concentração em torno de quatro mil pessoas no dia 7. É importante registrar, também, que em todos os distúrbios no DF, durante esses períodos, esses elementos saíam do acampamento, praticavam atos e depois regressavam para dentro do Setor Militar Urbano. Então, é importante registrar a centralidade daquele acampamento em todos os atos criminosos praticados no DF ao longo dos meses de novembro, dezembro e que culminaram no dia 8 de janeiro.”

“Houve informação sobre o que aconteceria dia 8. Há um relatório da Secretaria de Segurança Pública, do dia 6, onde está escrito — esse relatório foi entregue no gabinete do secretário de Segurança Pública do DF, ainda no próprio dia 6 —, senhor Anderson Torres, informando, nesse relatório da inteligência, que na manifestação que era convocada como “tomada de poder” existia ameaça concreta de invasão ao prédios públicos. Está descrito tudo que poderia acontecer. Está documentado isso. Não faltou informação. Na sexta-feira, o gabinete do secretário recebeu a informação.”

“O plano de ações houve, e foi aprovado pelo então secretário. Essas diretrizes devem gerar, nas unidades, um desdobramento operacional, que são os planos operacionais para os eventos maiores, ou ordens de serviço. Cito especificamente o caso de quem faz policiamento ostensivo, que é a Polícia Militar. No evento do dia 8, isso não aconteceu. Não há plano operacional e nem ordem de serviço. De forma que não há um registro de quantos homens iriam a campo. O que houve, apenas, foi um repasse burocrático do ofício recebido para algumas unidades pelo Departamento de Operações. E isso é central, porque quem faz esse planejamento é o Departamento de Operações, DOP, da Polícia Militar. O então chefe em exercício do DOP, coronel Paulo José, encaminha, burocraticamente, esse memorando para algumas unidades. Esse memorando não acionou batalhões. Nem chegou a batalhões importantes. Então, há uma falha operacional, porque o relatório de inteligência, que existe, não gera desdobramento operacional adequado, que seria um plano operacional, ou uma ordem de serviço.”

“Quando a gente olha para o dia 1º, a gente vê uma diferença grande no que foi feito no dia 1º para o comportamento adotado no dia 8. Nós recebemos, posteriormente, da Polícia Militar, que existiam 555 homens mobilizados naquele dia (8) para a área central e Esplanada, numa rotina ordinária da Polícia Militar. Nos vídeos, pode-se constatar que não tínhamos metade disso na Esplanada. A impressão que dá, no vídeo, é que nós não tínhamos 150 homens na Esplanada naquele dia. Um efetivo que não guarda correspondência com o alerta de inteligência do dia 6. E nisso aí o DOP é uma peça central, porque não desdobrou isso em plano operacional, em ordem de serviço nem comandou a mobilização condizente com a informação que existia.”

“A manifestação saiu do acampamento por volta de 13h do dia 8. Ao longo do caminho, há registro de apreensões, feitas pela polícia, de pessoas com máscara, com bola de gude, com elementos que manifestavam a intenção de uma ação mais violenta. A quebra da linha de contenção, na avenida das bandeiras, se dá por volta de 14h43. O que demonstra que entre as 13h, da saída da manifestão, até a chegada à linha de contenção, tivemos algo em torno de 1h40. Tempo suficiente para que fosse acionado efetivo, acionadas tropas para dar suporte à linha, uma vez que estava ficando clara a intenção dos manifestantes. O acionamento se dá somente às 15h, quando algumas tropas chegam à Esplanada, e os Três Poderes já estavam invadidos.”

“Tínhamos, na linha de contenção, alunos do curso de formação de praças da PM. Uma linha de contenção também não condizente operacionalmente com o alarme, com a informação que existia. O padrão é ter gradis de duplo. No dia, tinha gradis simples e com uma distância muito grande. É impressionante também ver ali uma ação organizada, profissional, porque tem pessoas com rádios comunicadores. E é impressionante como, num dado momento, todos se levantam ao mesmo tempo, puxam a primeira linha de gradis, que ela cai de ponta a ponta. Há um movimento coordenado.”

“Grande parte dos comandantes dos batalhões mais importantes estavam de férias no dia 8. Nove pessoas do comando, que não estavam em atuação no dia 8. É importante porque pode ter tido impacto sobre os eventos que ocorreram.”

“O comandante da Polícia Militar, Fábio Augusto, esteve, desde o início da manhã, no campo de operações, atuou, tentou defender as linhas, tentou defender o Congresso Nacional. Depois, atuou no STF. E, apesar do esforço individual dele, apesar das tentativas dele de mobilizar as tropas e outros batalhões, os apelos e as ordens dele não foram atendidas.”

“Quero registrar a importância de o poder público ser o primeiro a zelar pela questão da hierarquia e da disciplina nas nossas forças militares. Quando a gente tem, na Polícia Militar, que é uma estrutura com a cultura de hierarquia e disciplina, cada político indicando um comandante, um subcomandante, um chefe de batalhão, a gente tem muita dificuldade de manter a hierarquia e a disciplina. Quem tem de zelar primeiro pela hierarquia e disciplina é o poder público, que não pode politizar indicações nas forças de segurança. Na hora em que a polícia é politizada pelo poder público, quem assume o comando tem a sua capacidade de comandar seriamente atingida. Aqui, não vai nenhum julgamento, é registro de fato. O comandante (da PM) esteve em campo, atuou individualmente, mas perdeu o comando e a capacidade de comando das tropas ao longo do dia 8. Fez apelos que foram ignorados.”

“O desdobramento disso (falta de disciplina e hierarquia), há inquérito no STF, há uma apuração na corregedoria da Polícia Militar, que vai apurar não só a conduta do comandante, mas de todos os subcomandantes também. Ainda nessa questão, exoneramos seis coronéis que estavam em posição de comando no dia 8 e há seis inquéritos policiais militares abertos para apurar tudo aquilo que aconteceu.”
Instabilidade na SSP

“Fica claro que o impacto da posse do senhor Anderson Torres no dia 2, da instabilidade que ele gerou na secretaria com as exonerações, com as trocas, e logo depois ele viaja, o gabinete recebe um relatório de inteligência e esse relatório não tem nenhum desdobramento. A questão aqui não é só burocrática, é de liderança, de comando sobre o processo que o gestor público que lidera a organização deve ter. No dia 8, na melhor das hipóteses, faltaram comando e responsabilidade. A Justiça está apurando. E esse conjunto de coincidências pode caracterizar algo muito pior do que ausência de comando e responsabilidade.”

Correio Braziliense