Máscara denuncia farsa golpista sobre “infiltrados”

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Imagem: Reprodução/Twitter

Poucas horas após a invasão de bolsonaristas em Brasília e a repercussão na imprensa, a narrativa nos grupos de Telegram se alterou rapidamente, a fim de apontar a presença de “infiltrados” de esquerda como a verdadeira causa da destruição de prédios dos Três Poderes.
Entre as fotos e vídeos mais compartilhados está a de um homem de mochila, envolto pela bandeira do Brasil, com o rosto coberto por uma máscara de caveira. “Foi tudo planejado! Ajudem a divulgar os infiltrados!”, publicou uma conta com mais de 17 mil seguidores no Twitter.
Nas redes bolsonaristas, perfis de Instagram replicaram a mesma imagem, acusando falsamente Raull Santiago, ativista e empreendedor do Complexo do Alemão, de ser o mascarado.

Três dias após a tentativa de golpe, foi a vez de bolsonaristas que gravaram a si próprios destruindo patrimônio público serem enquadrados como “infiltrados”. Um deles é Ana Priscila Azevedo, administradora de um canal do Telegram com mais de 27 mil inscritos. Presa na terça-feira (10) pela PF, ela registrou quase minuto a minuto sua participação nos atos de vandalismo de domingo (8).

O homem usando máscara de caveira ainda não identificado e o aparato em si possuem ligações simbólicas com grupos da extrema direita que promovem atos de terrorismo em diversos países.

Ligações perigosas

Nos fóruns extremistas, a máscara de caveira é conhecida como “siege mask” (“máscara do cerco”, em tradução livre), e se tornou a principal forma de identificação de simpatizantes neonazistas no mundo inteiro. Originalmente, a máscara se popularizou por causa do personagem Ghost da franquia de jogos “Call Of Duty”, mas hoje é o aparato mais usado em atos de terrorismo, incluindo massacres em escolas no Brasil.

A máscara de caveira ligada ao videogame já era popular, mas ganhou significado especial entre neonazistas por causa do grupo Atomwaffen Division, uma organização neonazista criada em 2015 e nascida dentro de um fórum chamado Iron March — espaço que também serviu de incubadora para outros grupos neonazistas pelo mundo.

Para Christian Picciolini, ex-extremista neonazista, em entrevista para o site de notícias norte-americano “Daily Beast”, muitos dos membros da Atomwaffen Division são gamers, facilitando a simpatia pela máscara. Outros especialistas em extrema direita também apontam a semelhança estética do aparato com o Totenkopf, símbolo da Waffen-SS, uma das paramilícias que atuavam na Alemanha nazista.

 

Agravar a crise

Grande parte dos grupos nascidos nas páginas do Iron March, extinto em 2017, se identificam com o “aceleracionismo” — uma ideia disseminada entre neonazistas que visa “acelerar” a destruição de governos do Ocidente para tomar o poder. Para apressar a destruição, os neonazis acreditam que devem estabelecer o caos e disseminar medo por meio de atos terroristas e atentados. “É acelerar uma crise por meio de ações violentas”, resume Alexandre de Almeida, historiador, antropólogo e pesquisador associado do Observatório da Extrema Direita.

De acordo com o historiador, o aceleracionismo foi inspirado nos livros “Diários de Turner”, de William Pierce, que fala em agravar uma crise em prol de uma “revolução branca”, e em “Siege”, do neonazista norte-americano James Mason, na década de 1980. Foi a obra de Mason, aliás, que renomeou a máscara de caveira para “siege mask”.

Como é um item relativamente fácil de encontrar em lojas virtuais, não tardou para que a máscara começasse a aparecer cobrindo rostos de neonazistas e autores de atentados no mundo inteiro.

A ligação da “siege mask” com o radicalismo de direita é tão forte que foi declarada como a “face do fascismo do século 21” pelos mesmos grupos aceleracionistas. No Brasil, a máscara também aparece em eventos trágicos.

Ela estampou o rosto dos autores do massacre de Suzano (SP), em 2019, e, mais recentemente, em Aracruz (ES), foi usada pelo atirador que invadiu duas escolas e fez três vítimas. Além da máscara, o atirador também colou uma suástica na jaqueta. Armas utilizadas pelo atirador de Aracruz durante atentados há também uma ligação do item com o militarismo.

Em 2017, por exemplo, ela foi usada para ocultar os rostos de agentes das Forças Armadas em operações na comunidade da Rocinha, no Rio.

 

Narrativa antiga

“Há poucos indícios para identificar a vinculação do manifestante, mas é possível supor que ele não seja um ‘infltrado’ por estar utilizando a estética da extrema direita”, esclarece Almeida, que vê semelhanças entre os crimes praticados em Brasília à prática do aceleracionismo.

Não há também uma ligação entre a simbologia em torno da máscara com a ideologia da esquerda. Almeida também descarta uma ligação da máscara com os “black blocs”, apontados como responsáveis de depredar patrimônios nas manifestações de 2013 e 2014.

Ainda de acordo com o historiador, o elemento do “infiltrado” é um tipo de ideia comum disseminada em agrupamentos políticos, de um espectro político ao outro, mas especialmente em grupos bolsonaristas. “É uma ‘cola’ que ajuda a manter a unidade do grupo”, afirma. “Os bolsonaristas, que são parte de um grupo bastante difuso, bebem nessa fonte do ‘petista infiltrado’.

É uma forma de tirar a responsabilidade de atos que estão praticando desde sempre. Não daria nem pra dizer que é a partir de 2018. Nos anos 2000, já tinha gente na rua pedindo golpe militar.”

UOL