O homem que caça torturadores na América Latina

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: Vinícius Valfré/Estadão

É uma luta contra a impunidade. O gaúcho de voz grave e sotaque forte é um dos maiores nomes dos direitos humanos do Cone Sul. O reconhecimento se dá em função do trabalho que desempenha à frente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH).

Criado há mais de 40 anos, o movimento poupou inúmeras vidas de perseguidos políticos por ditaduras latino-americanas e denunciou um sem-número de agentes envolvidos na Operação Condor – um acordo clandestino entre as ditaduras de Brasil, Argentina, Chile, Uruguai, Bolívia e Paraguai, com o aval do governo dos Estados Unidos.

Krischke recebeu a reportagem no escritório do MJDH, que fica localizado no Edifício das Missões, em Porto Alegre. Ironicamente, o corte de gastos levou a entidade a uma sala que já foi usada pelo Serviço Nacional de Informações (SNI) na ditadura.

A janela da sala principal tem vista privilegiada para a famosa Esquina Democrática, icônico espaço de manifestações políticas e culturais da capital gaúcha.

“A causa está andando bem. Talvez seja a última oportunidade de punir essa gente. Todos estão velhos, como eu”
Jair Krischke, historiador e fundador do Movimento de Justiça e Direitos Humanos

Interpretação
Ele avalia que as chances de punições no Brasil são nulas desde que o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que a anistia alcança os repressores e a Justiça não interpreta os crimes praticados por agentes do Estado como de lesa-humanidade. Nenhum torturador foi punido no Brasil desde o fim da ditadura militar, em 1985.

Por isso a investida judicial no estrangeiro. “A impunidade ficou chancelada pelo STF. No mês passado, a Justiça uruguaia mandou prender dois militares, 44 anos depois do episódio. É crime de lesa-humanidade, não prescreve. Mas a Justiça brasileira não interpreta assim, mesmo o País sendo signatário de convenções internacionais”, afirmou.

Antes de mover a ação com Esquivel, o brasileiro amargou uma derrota após 22 anos de trabalho.

Corria o ano de 1999 quando Krischke depôs à Justiça da Itália pela primeira vez e apresentou informações sobre a Operação Condor – o historiador é um dos maiores especialistas sobre o tema.

Entre as vítimas, brasileiros com cidadania italiana, o que permitiria a tramitação de um processo no país europeu. Denunciou 12 militares e um delegado. “A sentença estava prevista para outubro de 2021.

Em agosto morreu o último réu, o coronel Átila Rohrsetzer. Você não imagina a frustração que aquilo me deu. Foram 22 anos de trabalho.

Me refiz do baque e iniciamos uma causa nova na Argentina”, contou.

Subordinação
Para o ativista, o Brasil sente os efeitos da falta de uma Justiça de transição adequada e da ausência de uma política pública de memória.

Esses fatores, disse ele, contribuíram para a ascensão do bolsonarismo e não garantem segurança na subordinação dos militares ao poder civil.

“No Brasil não houve transição. Houve transação.

Tancredo Neves era aceitável para os militares em 1961 (quando virou primeiro-ministro com a renúncia de Jânio Quadros).

Foi de novo em 1985 (candidato à Presidência na eleição indireta).

É uma grande negociação que vem vindo. Sarney aceitou, Collor, FHC e Lula aceitaram.

E o Lula está aceitando de novo.

Não entenderam que militar deve estar subordinado ao poder civil”, afirmou Krischke.

“Os militares no Brasil até hoje só desocuparam a praça, mas continuam manobrando”, observou.

“Os militares no Brasil até hoje só desocuparam a praça, mas continuam manobrando”

A ofensiva do ativista nos arquivos públicos e nos tribunais ao longo das últimas décadas não é apenas uma batalha quase inglória por justiça.

As investidas de Krischke contra agentes dos regimes de exceção contam uma história de Estados e governos que agiram com violência contra gerações.

Estadão