Partidos punem filiados, mas “passam pano” a quem incentivou terrorismo
Cristiano Mariz/O Globo
Partidos políticos que abrigam envolvidos na invasão às sedes dos Três Poderes em Brasília passaram a expulsar seus filiados que tiveram participação nos atos, mas nada fizeram para apurar a conduta de parlamentares suspeitos de incentivar as manifestações golpistas. Nem mesmo os três deputados eleitos que viraram alvo de pedido de inquérito da Procuradoria-Geral da República — André Fernandes (PL-CE), Clarissa Tércio (PP-PE) e Silvia Waiãpi (PL-AP) — tiveram que se explicar às suas legendas.
Procurados pelo GLOBO, caciques dos partidos de parlamentares bolsonaristas dizem ser preciso esperar o avanço das investigações antes de tomar qualquer medida interna.
Líder da bancada do PL na Câmara, Altineu Côrtes (RJ), afirma que “membros do partido que forem vistos em vídeos destruindo prédios serão expulsos imediatamente”.
— O partido não vai aceitar este tipo de manifestação antidemocrática ou de vandalismo. Se esta conduta ficar comprovada, o parlamentar ou filiado será expulso imediatamente — afirmou Altineu, em referência à presença nos atos de vandalismo.
No entanto, a mesma postura não valeu para os parlamentares que estimularam os atos, que não são alvo de qualquer procedimento interno na legenda. Dois dias antes da invasão e depredação dos prédios públicos em Brasília, por exemplo, Fernandes fez publicações em suas redes convocando seus apoiadores ao “primeiro ato contra o governo Lula”, na Praça dos Três Poderes.
O presidente nacional do União Brasil, Luciano Bivar, vai na mesma linha de Côrtes e diz aguardar o andamento de investigações.
— Filiados que praticaram atos desta natureza serão expulsos. Se algum órgão comprovar a participação em atos, aí sim, abriremos procedimentos internos para a expulsão.
O PP, que tem a deputada Clarissa Tércio (PE) citada pela PGR, não se manifestou oficialmente. Líderes do partido informam também não haver uma frente independente de investigação.
André Fernandes e Clarissa Tércio negaram em suas redes sociais terem incentivado atos antidemocráticos. Fernandes disse que não convocou ninguém para o ato e disse que não sabia que haveria “quebra-quebra nem vandalismo”. Já Clarissa disse que é “totalmente contra qualquer tipo de violência, vandalismo, ou de destruição do patrimônio público, que venha ameaçar a nossa democracia”. Silvia Waiãpi, por sua vez, afirmou em nota que não estava em Brasília na data dos atos e que viu “com muita preocupação” o que ocorreu.
Partido do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, o MDB também informou não ter aberto qualquer procedimento para apurar conduta de filiados, já que “não há nenhum caso investigado”. “Se houver, como determina a legislação, medidas serão tomadas conforme o Estatuto do partido registrado no Tribunal Superior Eleitoral”, diz o partido, em nota.
Rocha foi afastado do cargo e alvo de um inquérito autorizado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, sob suspeita de omissão ao não prever um plano de segurança que pudesse conter os golpistas, apesar de alertas de órgãos de inteligência.
Peixes pequenos
Por outro lado, filiados sem mandato envolvidos nos atos golpistas têm sido alvo das punições partidárias.
Nesta quarta-feira, o Cidadania anunciou a expulsão de dois integrantes da legenda que foram presos no dia 8 de janeiro, durante os atos golpistas. Eles eram filiados às diretórios de Jussara (GO) e Doutor Camargo (PR).
O secretário-geral e presidente interino do PTB, Kassyo Ramos, também afirmou que pediu a expulsão do blogueiro bolsonarista Wellington Macedo. O apoiador do ex-presidente é um dos três réus no caso em que uma bomba foi armada nas imediações do aeroporto de Brasília. O PTB elegeu apenas um deputado em 2022 e está em processo de fusão com o Patriota.
Já o Republicanos decidiu expulsar das suas fileiras o empresário Maurício Nogueira. Ele foi identificado como um dos proprietários dos ônibus que levaram manifestantes a Brasília no último dia 8, e que resultaram em depredação das instituições públicas brasileiras. No mesmo dia, o presidente nacional do Republicanos, deputado federal Marcos Pereira, manifestou repúdio aos atos de vandalismo, apesar de a legenda também não ter uma investigação interna em curso.
Alan Diego, outro réu no caso da bomba, foi expulso do PSD no mês passado. Na mesma linha, o PSDB retirou Sarneyzinho do Maranhão de seus quadros em dezembro, que concorreu a deputado estadual, mas não foi eleito.
A decisão aconteceu após ele gravar um vídeo com ameaças ao presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes.
Conselho de Ética
Além dos partidos, o Conselho de Ética da Câmara também não recebeu qualquer denúncia contra parlamentares que tenham incentivado os atos extremistas. O colegiado, assim como a Corregedoria Parlamentar, age exclusivamente mediante a apresentação de pedidos de representação contra um determinado parlamentar, o que ainda não ocorreu. A Câmara está em recesso e os trabalhos só devem ser retomados em fevereiro. Nada impede, porém, que representações sejam protocoladas em janeiro, mesmo que só sejam analisadas posteriormente.
Questionado na segunda-feira sobre o assunto, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que parlamentares que negaram a destruição causada na Casa Legislativa nos atos terroristas do dia 8 de janeiro serão “chamados à responsabilidade”. De acordo com Lira, um deputado não pode divulgar “fatos que não condizem com a realidade”. Apesar da fala, Lira disse não ter visto incitação ao crime pelos três parlamentares bolsonaristas alvos da PGR.
Atual presidente do Conselho de Ética, Paulo Azi (União-BA) avalia que o caminho para que um parlamentar seja cassado não é simples e coloca em dúvida a capacidade da Câmara de fazer isso com os deputados envolvidos nos atentados.
— Não é uma coisa que resolva assim com facilidade. Não é uma coisa simples cassar um parlamentar. Ele foi eleito, tem uma representação popular. Tem que oferecer todos os cuidados, oferecer o direito de defesa. É uma série de fatores que influenciam em uma decisão de cassação de mandato, que é uma coisa muito grave — afirmou.
Azi não foi reeleito e o Conselho de Ética terá um novo comando na próxima legislatura, mas a avaliação dele vai ao encontro do que dizem os líderes partidários. Na última legislatura, iniciada em 2019 e que será finalizada em fevereiro de 2023, o colegiado recomendou a cassação apenas para a deputada Flordelis, presa acusada de ser a mandante da morte do marido. Outros três deputados — Valdevan Noventa, Boca Aberta e Manuel Marcos — perderam os mandatos por decisão da Justiça Eleitoral.