Única senadora do PT quer barrar bolsonarismo na Casa

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Foto: Reprodução

Primeira mulher eleita para o Senado na história de Pernambuco, Teresa Leitão (PT) assumirá o mandato nesta quarta-feira (1º) em uma Casa marcadamente conservadora.

Única mulher na bancada de senadores petistas, ela diz que o desafio dos aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) será impedir que parlamentares bolsonaristas como a senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF) pautem o Congresso.

“Nossa postura como legisladores tem que ser uma postura de resgate da credibilidade nas instituições”, afirmou em entrevista à Folha.

Teresa também afirma ser preciso fazer uma revisão da Lei Maria da Penha para combater feminicídios e diz que procurará criar pontes com senadoras do campo bolsonarista para a atuação em pautas de defesa dos direitos da mulher.

“Na bancada tem mulheres de centro muito boas. Acho que a gente pode começar o nosso trabalho como a gente sempre fez aqui, buscar o que nos identifica supra partidariamente e depois ir construindo canais”, afirmou.

A sra. foi a primeira senadora eleita por Pernambuco. Por que acha que demorou tanto tempo para o estado ter uma mulher no Senado? O Senado é muito uma Casa muito destinada aos “ex”. Ex-governadores, ex-deputados federais. A falta de presença feminina lá é muito em decorrência de a gente não ter uma ocupação constante desses outros espaços.

Isso levou a que não tivéssemos candidaturas femininas para o Senado e, consequentemente, não tivéssemos nenhuma eleita.

O estado teve um bom desempenho na questão de gênero. Além da sra. como primeira senadora e da primeira governadora [Raquel Lyra, do PSDB], Pernambuco fez um recorde de deputadas federais. Como interpreta esses resultados? Acho que é fruto de um movimento nacional, que não ocorre de agora, pela nossa luta por espaços da mulher na política. A política foi o último espaço público a ser ocupado pelas mulheres. Por ser o espaço público mais público, ele foi disputado realmente com muita garra por nós. Nós votamos há pouco tempo e como a política é um lugar de decisão, de grandes resoluções, de poder, a mulher não foi destinada a ele.

Mas é uma coisa sem volta, a eleição comprovou realmente isso. Nós tivemos dados muito importantes no país inteiro. Em Pernambuco nós só perdemos um pouco a nossa bancada estadual, de dez deputadas estaduais vamos para seis, mas aumentamos de uma para três a bancada federal.

A sra. vai ser a única senadora do PT na próxima legislatura. Nos últimos quatro anos, o partido teve apenas senadores homens. A quem a sra. atribui esse cenário interno no PT? Éaté meio contraditório para luta que o PT tem empreendido, inclusive. Nós temos um projeto, o Elas por Elas, que é um projeto de apoio aos mandatos, é um projeto de apoio às candidaturas. É um trabalho muito bom, muito bom. Não sei o que houve. Tivemos muitas candidatas proporcionais e o nosso resultado não foi ruim [o PT elegeu 18 deputadas, a maior bancada feminina na Câmara], mas majoritárias nós tivemos poucas.

Atribuo muito ao foco também na campanha de Lula, a nossa prioridade zero foi eleger Lula. E foi um foco estratégico importante, mas creio que a questão majoritária feminina foi um lapso que vai ser retomado nas próximas eleições, com a certeza que a gente retorna com a ampliação da nossa bancada feminina.

As mulheres têm muito mais dificuldade de se eleger nas candidaturas majoritárias do que nas proporcionais. Isso parece se repetir em todos os partidos, à direita e à esquerda. Isso é reflexo de uma falta de empenho dos partidos para a formação de lideranças femininas dentro das siglas. Como vê? O PT mesmo é a primeira vez que é presidido por uma mulher [a deputada Gleisi Hoffmann, do Paraná]. Nós avançamos na nossa organização interna. Desde o início temos a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres, que tem hoje uma condução muito presente nos estados e controla 30% do orçamento do PT justamente para esse tipo de política de formação. Nós temos paridade em todos os níveis da direção, e temos paridade nas representações de eventos, congressos, seminários, conferências. Tudo tem que ter paridade.

É importante ter não somente a cota representativa formal, mas possibilitar que essa cota tenha como consequência a eleição de mulheres. Não é fácil, porque a guerra é grande. Uma das coisas que interfere muito é que, mesmo com um fundo eleitoral que dá uma certa equidade, o controle econômico é dos homens. A maioria dos presidentes de partido são homens e nem todos os partidos têm uma regra democrática de distribuição do fundo.

Fora isso, de onde vêm as contribuições formais e legais, né? Quem é que detém o poder do mundo econômico? Quem são os grandes empresários que fazem doação? São homens. Isso também faz com que a presença masculina seja maior na política.

No Senado, a sra. vai encontrar um ambiente bem conservador. Como vai ser a atuação da bancada feminina, que também tem mulheres conservadoras? Na bancada tem mulheres de centro muito boas. Uma inclusive que eu acho que vou poder fazer uma parceria, como já fizemos parcerias com ela na Câmara, que é a Professora Dorinha [União-TO]. Ela foi secretária de Educação, foi deputada federal, é uma pessoa de centro-direita. Mas foi uma aliada nossa do movimento de educadores no Plano Nacional de Educação, no Fundeb.

Por outro lado, duas eleitas são bolsonaristas da gema, a Tereza Cristina [PP-MS] e a Damares. Acho que a gente pode começar o nosso trabalho como a gente sempre fez aqui, buscar o que nos identifica supra partidariamente e depois ir construindo canais.

O governo Bolsonaro deixou as mulheres brasileiras numa condição muito constrangedora, tanto com o aumento do feminicídio quanto com as posturas desrespeitosas de Bolsonaro. Culminando com seu aliado Roberto Jefferson fazendo aquele xingamento de quinta categoria à ministra Cármen Lúcia. Essas coisas a gente não pode permitir que permaneçam no Brasil.

Nossa postura como legisladores tem que ser uma postura de resgate da credibilidade nas instituições. Nós temos que ter um trabalho muito forte de recuperação do decoro político, das relações institucionais, da segurança institucional. A gente não pode permitir que determinados temas, como os que Damares queira levar, sejam prioritários. O tema prioritário é a República.

Uma das pautas em que não há consenso na bancada feminina é a da descriminalização do aborto. Durante a campanha, Lula disse que é contra, mas que cabe ao Legislativo decidir. Como a sra. acha que esse tema vai ser tratado na próxima legislatura? A perspectiva do tratamento desse tema por parte dos fundamentalistas é levar como uma pauta dos costumes a ser assumida pelo Estado, que é laico. Nós vemos isso no âmbito das políticas públicas.

As três situações legais de interrupção de gravidez do chamado aborto legal não são sequer acessíveis a todas as mulheres no Brasil. O aborto por estupro, por exemplo, é dificultado. Uma das questões que a gente precisa tratar, no âmbito das políticas públicas, é a igualdade de acesso. Por que algumas mulheres vão para clínicas particulares fazer um aborto seguro e outras mulheres morrem em clínicas clandestinas de aborto? Isso também é um sinal da desigualdade social.

Fora disso, é a escolha pessoal e a autonomia que a mulher deve ter sobre seu corpo. Esta é a primeira posição que a gente tem que tomar: tirar isso do âmbito de fundamentalismo religioso e trazer para a esfera das políticas públicas.

A sua principal bandeira de atuação política é a educação. Quais devem ser as prioridades do Legislativo em relação a esse tema nos próximos quatro anos? Esse tema tem uma relação indireta com a revogação da PEC do Teto de Gastos. Até porque ela já foi, na prática, desconsiderada por Bolsonaro. Não que a gente não deva ter um rigor fiscal. Evidente que se defende o equilíbrio, mas a Emenda Constitucional 95 retirou dinheiro da educação e da saúde e prejudicou o desenvolvimento dessas políticas.

Do ponto de vista menos imediato, nós temos uma lei que Bolsonaro engavetou, que é o Plano Nacional de Educação. Essa lei tem que ser desengavetada. E nós temos o Sistema Nacional de Educação, que vai trazer uma condição de acesso muito melhor. Nós temos hoje o regime de colaboração entre estados e municípios, mas falta uma questão legal mais orgânica. Tem um projeto tramitando na Câmara de Deputados, mas está parado. Não tem interesse do governo atual de agilizar na tramitação.

O eleitorado feminino foi muito visado na disputa presidencial de 2022. Qual deve ser o foco do governo nas políticas públicas voltadas para as mulheres? Tem que se fazer uma abordagem mais contundente nas razões e no enfrentamento e prevenção ao feminicídio. O feminicídio ganhou um espaço muito cruel com a pandemia porque ficou comprovado que a violência doméstica a gente não conseguiu coibir. Aliás, ela aumentou. Eu acho que precisamos de uma revisão, talvez um olhar mais estratégico para a eficácia da Lei Maria da Penha. Para mim, isso é um foco.

Como será sua relação com a governadora Raquel Lyra? A sra. apoiou a candidata derrotada, Marília Arraes (SD), no segundo turno. Tenho que fazer o que o cargo me impõe: trabalhar para Pernambuco. As urnas nos colocaram na oposição, mas a oposição de um senador no tocante à relação institucional [com a governadora] precisa ser mediada justamente pela institucionalidade.

Folha