Janeiro teve 4 intentonas golpistas de Bolsonaro

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Foto: Reprodução

Em um período de apenas um mês, entre novembro e dezembro do ano passado, o entorno do ex-presidente Jair Bolsonaro protagonizou pelo menos quatro investidas antidemocráticas concretas. Inconformado com a derrota para Lula, jamais reconhecida explicitamente, o então chefe do Executivo manteve os ataques — sem provas — ao sistema eleitoral e viu subordinados e aliados intensificarem a escalada golpista, culminando no plano de organizar um “grampo” para gravar conversas do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), revelado pelo senador Marcos do Val (Podemos-ES) em entrevista à revista “Veja”.

A primeira tentativa prática de deslegitimar o resultado da corrida presidencial coube ao Ministério da Defesa, chefiado à época pelo general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira. Após dias de expectativa, a pasta entregou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), no dia 9 de novembro, um relatório sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas. De imediato, uma nota assinada por Moraes, presidente do TSE, comunicou que, “assim como todas as demais entidades fiscalizadoras”, o documento da Defesa “não apontou a existência de nenhuma fraude ou inconsistência”.

O governo, porém, não aprovou o tom utilizado pela Corte eleitoral. Aguardada pela base bolsonarista, a análise dos militares se valia de tecnicidades e um ar de dubiedade para manter acesas as suspeitas infundadas sobre a lisura do pleito, mesmo que nenhuma falha tivesse sido constatada. No dia seguinte à divulgação do material, o Ministério da Defesa publicou uma nota que reforçava essa linha: “O acurado trabalho da equipe de técnicos militares na fiscalização do sistema eletrônico de votação, embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022”, discorria o texto.

Uma semana depois, uma declaração enigmática do general da reserva Walter Braga Netto, antecessor de Paulo Sérgio Nogueira na Defesa e candidato a vice na chapa derrotada, voltou a inflamar apoiadores do ex-presidente que, a essa altura, já acampavam diante de quartéis e pediam abertamente um golpe. Após deixar o Palácio da Alvorada, onde havia participado de uma reunião com Bolsonaro, Braga Netto conversou com um grupo de manifestantes e pediu que “não perdessem a fé”. A declaração foi imediatamente recebida nas redes bolsonaristas como um recado implícito de que algo significativo ainda aconteceria.

Em 22 de novembro, a ameaça golpista voltou a ganhar caráter oficial, com o PL, partido de Bolsonaro, ingressando com uma ação no TSE na qual solicitava a anulação dos votos de mais da metade das urnas — mas só no segundo turno da disputa. Inicialmente, Alexandre de Moraes deu um prazo de 24 horas para que a legenda incluísse no pedido o primeiro turno, quando o partido chefiado por Valdemar Costa Neto elegeu as maiores bancadas tanto na Câmara quanto no Senado. A ação acabou arquivada, e o PL foi multado em R$ 22,9 milhões por litigância de má-fé, em decisão de Moraes posteriormente chancelada pelo plenário do TSE.

O infortúnio não impediu que propostas de ruptura permanecessem rondando o Planalto. Em algum momento entre o fim de novembro e o início de dezembro, foi elaborada a minuta golpista apreendida no dia 12 de janeiro na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. O esboço de decreto estipulava a imposição de um “estado de defesa” no TSE, medida inconstitucional que permitiria ao governo anular o resultado da eleição do ano passado. Torres está preso por suspeitas de, já como Secretário de Segurança do Distrito Federal, ter favorecido a ação de bolsonaristas que invadiram e vandalizaram as sedes dos três Poderes em 8 de janeiro.

A defesa do ex-ministro alegou que o documento seria descartado, assim como outras sugestões semelhantes que teriam chegado até Torres no período. Em entrevista ao GLOBO, Valdemar Costa Neto também afirmou que havia propostas de decreto golpista “na casa de todo mundo” que orbitava ao redor de Bolsonaro. Em depoimento à Polícia Federal nesta quinta-feira, o presidente do PL recuou e disse que a fala foi, na verdade, uma “metáfora”, uma “força de expressão”.

Em 9 de dezembro, pela primeira vez após o revés eleitoral, Bolsonaro discursou a apoiadores no cercadinho em frente ao Palácio do Planalto. Utilizando o mesmo tom vago que vinha marcando seus posicionamentos e de aliados próximos desde a vitória de Lula, o então presidente insinuou a existência de movimentos para mantê-lo no cargo:

— Vamos acreditar, vamos nos unir, criticar só quando tiver certeza, buscar alternativas. Vamos vencer, se manifestando de acordo com as nossas leis. Vocês são cidadãos de verdade. Está na hora de parar de ser tratado como outra coisa aqui no Brasil. Acredito em vocês, vamos acreditar em nosso país. Se Deus quiser tudo dará certo no momento oportuno — pontuou Bolsonaro, repetindo Braga Netto e deixando no ar a possibilidade de reversão da derrota.

No mesmo dia, o presidente recebeu o ex-deputado federal Daniel Silveira e o senador Marcos do Val para uma reunião no Alvorada, que durou cerca de 40 minutos. No encontro, segundo Do Val, Silveira apresentou um plano para que ele gravasse conversas com o ministro Alexandre de Moraes, numa tentativa de captar algo comprometedor. A estratégia buscava culminar numa prisão de Moraes e, com a crise política instaurada, na manutenção de Bolsonaro no poder.

De acordo com as revelações feitas por Marcos do Val, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI), órgão responsável pela segurança do presidente, daria o suporte técnico à operação, fornecendo os equipamentos de espionagem necessários. O general Augusto Heleno, que chefiava o GSI à época, classificou a acusação como “mentira” e assegurou que “jamais tomou conhecimento de qualquer ação nesse sentido”.

Desde que o relato veio à tona, o senador mudou algumas vezes de versão sobre a participação de Bolsonaro no episódio. Inicialmente, Marcos do Val afirmou que o então presidente conversou com ele por telefone antes da visita e que o diálogo golpista contou com intervenções e comentários do chefe do Executivo. Mais tarde, porém, o parlamentar passou a defender que Bolsonaro, tal qual ele próprio, apenas escutou a explanação de Silveira, sem tecer juízo de valor.

Com ou sem anuência do ex-presidente, o estratagema naufragou, já que Marcos do Val negou-se a gravar Moraes, com quem ele mantém relações próximas há uma década. Em seu último pronunciamento público — horas antes de embarcar rumo aos Estados Unidos para não passar a faixa a Lula —, Bolsonaro reconheceu que faltou apoio para que alguma manobra efetivamente se concretizasse:

— Agora, muitas vezes, dentro das quatro linhas, você tem que ter apoios. Alguns acham que é “pega a (caneta) Bic, assine, faça isso, faça aquilo” e está tudo resolvido. Eu entendo que eu fiz a minha parte, estou fazendo até hoje a minha parte. Estou fazendo até hoje a minha parte. Hoje são 30 de dezembro. Até hoje eu fiz a minha parte dentro das quatro linhas. Agora, certas medidas têm que ter apoio do Parlamento, de alguns do Supremo, de outros órgãos, de outras instituições — lamentou o ex-presidente na live de despedida.

O Globo