Juíza bolsonarista finalmente responderá por seus desvios

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Rômulo Serpa / Agência CNJ

 

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou nesta terça-feira, 14, de forma cautelar, o afastamento da juíza Ludmila Lins Grilo, da Vara Criminal e da Infância e Juventude de Unaí (MG), até a conclusão das investigações internas sobre violações dos deveres funcionais. A sessão foi marcada por tensão e duras críticas, tanto da defesa – ela apresentou pessoalmente sua argumentação – quanto da acusação. Após a sustentação de Ludmila, os integrantes do colegiado manifestaram espanto diante do caso, usando expressões como “choque”, “susto”, e classificaram o comportamento dela como um “ataque” à magistratura.

Ludmila Lins Grilo foi afastada em decisão cautelar, até a conclusão das duas investigações abertas pelo CNJ. A primeira vai apurar se ela violou os deveres funcionais (inspeção preliminar apontou faltas sistemáticas ao trabalho presencial, baixa produtividade, morosidade e exercício paralelo de atividade empresarial). O segundo processo disciplinar é sobre manifestações político-partidárias da juíza em entrevistas, eventos e nas redes sociais. O colegiado vai investigar se ela violou o dever de imparcialidade. Magistrados são proibidos de fazer manifestações de cunho político-partidário, entre outras restrições.

‘Doutrinamento pérfido e cruel’

O advogado Marcos Vinícius Jardim Rodrigues, da seccional do Acre da OAB, afirmou que Ludmila Grilo produziu um “doutrinamento pérfido” em referência às publicações da juíza nas redes sociais desestimulando o uso de máscaras durante a pandemia de covid-19. “Não se trata de manifestações doutrinadoras, no máximo um doutrinamento pérfido e cruel no momento em que o brasil passava por uma calamidade e que sim havia muito temo e sentimento de pesar generalizado diante de tudo que ocorria”, disse.

O ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Luiz Phelippe Vieira Filho, revelou estar chocado e assustado. “Confesso a vossa excelência, e por isso pedi para me manifestar, que eu estou um pouco chocado com esse julgamento. Me parece que o CNJ está exercendo a sua atribuição constitucional disciplinar fazendo valer o que diz Salomão, código de ética, os princípios de Bangalore, ele é o ofensor. O exercício da magistratura exige de nós o respeito a essa normas que estão inscritas e foram construídas pelos legisladores. Se nós não gostamos da nossa profissão ou ela não nos cabe no nosso vestuário, o caminho é outro”, declarou. Vieira Filho ainda argumentou que a magistratura não é um “ponto de anarquia em que podemos fazer aquilo que nos passa em nossa cabeça”: “Todos nós devemos obediência a lei e assim fazemos quando tomamos posse no nosso cargo”.

Pecado

O advogado Mário Henrique Aguiar Goulart Ribeiro Nunes Maia alegou que o pensamento conservador, defendido pela juíza, deve “conservar as instituições”, dentre elas o Poder Judiciário. Estudioso de Tomás de Aquino, Mário Henrique citou o pensador católico ao destacar que não se opor ao erro é aprová-lo e não defender a verdade é negá-la. “A nossa negligência em defender a verdade quando podemos fazê-lo é tão pecado quanto incentivar o erro. Então palavras do próprio Aquino″, disse, referindo-se ao fato de Ludmila ter citado o pensador em sua defesa.

Perplexo

Sidney Pessoa Madruga da Silva, membro do Ministério Público da União, afirmar estar “perplexo” com alguns termos utilizados pela juíza afastada. “Quando se fala em ‘carguinho’, me parece que houve a intenção de menosprezo na carreira e não de um cargo pequeno. Estamos tentando fazer justiça dentro das nossas limitações como 18 mil juízes pelo Brasil inteiro fazem com muita dedicação”.

Abalada

Diante da situação, a ministra do STF e presidente do CNJ, Rosa Weber, declarou estar abalada. “Ver o ataque que se faz e o desrespeito com que se trata o CNJ me abala sim. Até porque eu sou presidente do órgão. Mas eu entendo que no momento a gente tem que manter a nossa serenidade justamente para examinar todos esses fatos que foram trazidos pelo corregedor nacional de justiça com tanta isenção para fazermos jus àquilo que eu disse que é fundamental em uma magistratura independente, serena, que se debruça com seriedade sobre as controvérsias que lhe são trazidas”, disse.

Argumentação

Em outubro de 2022, uma inspeção extraordinária na CNJ apontou que Ludmila tinha faltas sistemáticas ao trabalho presencial, baixa produtividade, morosidade e exercício paralelo de atividade empresarial. Em sua defesa, a magistrada disse que deixou o expediente presencial e começou a fazer audiências a partir de cidades alternadas porque passou a sofrer ameaças relacionadas ao trabalho.

Durante a sustentação, Ludmila afirmou ser vítima de ameaças por sua atuação como juíza, que acabaram “transformadas” em um “assassinato de reputação” promovido pelo próprio CNJ. “Eu era vítima de uma situação de ameaça de morte e me transformei em uma vítima de um assassinato de reputação promovida institucionalmente”, disse, após citar o CNJ e protestar sobre a dificuldade de conseguir um plano de segurança do colegiado e do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais após o início das ameaças.

Contestando as acusações de baixa produtividade, Ludmila criticou a apuração do colegiado. “Que investigação foi essa que o CNJ fez que encontrou uma vara e fez um estardalhaço midiático com uma juíza que estava colocando a vara em dia e assim conseguiu?”, afirmou.

Estadão