Lula vai desaparelhar Defensoria Pública da União

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Foto: Cristiano Mariz/ Agência O Globo

A derrota de Jair Bolsonaro nas urnas provocou uma reviravolta na disputa pela chefia da Defensoria Pública da União (DPU), órgão do sistema de Justiça responsável pela defesa de grupos vulneráveis, como populações pobres, povos indígenas e mulheres vítimas de violência.

Em novembro do ano passado, um mês após as eleições, Bolsonaro indicou o evangélico Daniel de Macedo para ser reconduzido ao cargo de defensor público-geral federal por mais dois anos.

Antes mesmo de assumir, o presidente Lula conseguiu travar o processo e “segurar” a nomeação. A manobra petista foi contestada no Supremo Tribunal Federal (STF) por um defensor público que não pleiteava o cargo, em uma ação que deve ser arquivada pelo ministro Kassio Nunes Marques.

Macedo presidiu a DPU durante o governo Bolsonaro. Chegou ao cargo com o apoio da influente Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure), entidade que reúne mais de 800 membros em todo o país.

Membro da Igreja Presbiteriana, ele foi escolhido no final do ano passado após figurar em primeiro lugar na lista tríplice, com 507 votos, formada a partir de uma votação interna da DPU. O chefe do Executivo é obrigado por lei a escolher um dos três nomes endossados pela categoria.

Mas, a pedido do PT, a sabatina jamais foi marcada pelo Senado, o que abriu caminho para Lula reverter a indicação do antecessor.

O PT até hoje não engoliu o comportamento da DPU durante o governo Bolsonaro, especialmente ao longo das últimas eleições.

Em outubro, na véspera do segundo turno, a DPU acionou o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para impedir a realização, em Brasília, de um ato de repúdio às declarações de Bolsonaro no episódio do “pintou um clima” com meninas venezuelanas de 14 e 15 anos.

A ofensiva da DPU, revelada pela coluna, espantou especialistas em direito eleitoral e integrantes da própria Defensoria, já que o protesto não tinha vinculação partidária.

Além disso, o caminho jurídico apropriado seria a DPU acionar a Justiça Federal, e não o TSE, porque a Defensoria não teria competência para acionar o tribunal nesse caso.

Também pesa contra Macedo a posição da defensoria contra o uso da tele-medicina (atendimento médico a distância) para casos de aborto legal, em um momento em que os hospitais estavam lotados de pessoas infectadas por covid-19.

Nenhuma das duas ações foi assinada por ele mesmo, mas por auxiliares nomeados por ele.

O ex-chefe da DPU também autorizou o uso do auditório da instituição para um congresso sobre liberdade religiosa promovido pela Anajure, o que irritou integrantes da instituição que preferem manter o órgão afastado de questões ligadas a qualquer crença.

“Não sou bolsonarista”, disse Macedo, que ainda tem esperança de ser reconduzido. “Um pequeno grupo de opositores tenta usar isso para inviabilizar minha candidatura. Só quero que a escolha de Lula seja feita com base em fatos verdadeiros, e não factoides”.

De acordo com dois ministros do governo Lula ouvidos reservadamente pela equipe da coluna, Macedo não tem nenhuma chance. A disputa agora está entre os outros dois nomes que restam da lista: os defensores Igor Roque (segundo colocado da lista, com 290 votos na votação feita entre os membros da DPU) e Leonardo Magalhães (terceiro, com 277 votos).

Nenhum dos dois é evangélico. Roque é espírita; Leonardo, católico.

Roque tem o apoio do ex-deputado federal João Paulo Cunha e do coordenador do grupo Prerrogativas, Marco Aurélio de Carvalho.

Atualmente, ele atua em processos criminais na Justiça Federal do DF e na assistência jurídica de Danilo Marques, um dos réus por ataques hackers às contas de autoridades no Telegram no episódio conhecido como “Vaza Jato”.

A divulgação de mensagens privadas do ex-juiz federal Sergio Moro e do ex-procurador Deltan Dallagnol levaram à derrocada da operação, culminando com a anulação das condenações de Lula e a declaração da suspeição (parcialidade) de Moro.

Já Magalhães é defendido pelo deputado Reginaldo Lopes (PT-MG) e tem histórico na defesa de questões ambientais e raciais.

Foi ele quem denunciou o governo Bolsonaro à Corte Interamericana de Direitos Humanos pela ação de três agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no episódio em que Genivaldo de Jesus dos Santos, trancado em uma viatura da corporação, morreu asfixiado.

A disputa entre os dois últimos também está acirrada nos bastidores. De um lado, Roque é criticado por ter menos experiência fora da área criminal.

Contra Magalhães, vem circulando uma foto em que ele aparece ao lado de Eduardo Bolsonaro (PL-SP), durante visita do deputado ao órgão, para conhecer a atuação contra o tráfico e exploração de crianças.

O Globo