Presidente do Senado deixará instalarem CPI golpista

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Cristiano Mariz/O Globo

Reeleito para chefiar o Poder Legislativo, parlamentar defende virar a página da polarização nas votações do Congresso e diz ser favorável à instalação da CPI dos atos golpistas

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, afirma que não há ambiente no Congresso para rever a autonomia do Banco Central, alvo de críticas do presidente Lula. Segundo ele, o foco da discussão deveria ser a causa da alta dos juros. Ao GLOBO, o chefe do Poder Legislativo diz que o ex-presidente Jair Bolsonaro cometeu um “grande erro”, avalia que o Brasil virou “um celeiro de desinformação” e defende a instalação da CPI dos atos golpistas que o Palácio do Planalto tenta barrar. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O senhor foi reeleito com 49 votos contra 32 do seu oponente, Rogério Marinho, oito a menos que em 2021. O Senado ficou mais polarizado?

São duas eleições completamente diferentes, mas ambas foram vitoriosas. A primeira foi uma conjuntura de apoio da situação e da oposição. Na segunda, eu tive um adversário que conseguiu agregar um lado da polarização política. Houve uma nacionalização da disputa, representada pelo ex-presidente e o atual. A partir de agora, somos todos o Senado Federal, que não pode trazer essa polarização para a discussão de matérias que interessem ao país. Ninguém pode polarizar entre Lula e Bolsonaro em uma discussão sobre reforma tributária, estabelecimento de um marco fiscal, Código Eleitoral e atualização do Código Civil. Temos a responsabilidade de decidir o que é melhor para o país. A forma de romper com a polarização é tratarmos os problemas nacionais como prioridade.

As críticas do presidente Lula ao governo Bolsonaro contribuem para essa polarização?

Lula acabou de vencer as eleições e iniciar seu governo. É natural que queira demonstrar convicções. Eu o vejo muito determinado em relação a alguns temas como o combate à fome e na defesa da estabilidade do país. É importante que se dê tempo para que possa passar essa fase ainda muito próxima da eleição. Não tenho dúvida de que em breve vamos entrar em um ciclo de prosperidade a partir de uma estabilização que o presidente Lula poderá capitanear. Temos uma ótima oportunidade de ter uma boa relação entre Executivo, Legislativo e Judiciário.

De que modo os ataques de Lula ao Banco Central prejudicam o andamento de pautas no Congresso?

Interpreto as afirmações do presidente Lula em relação ao Banco Central como um descontentamento com a taxa de juros do Brasil. É um descontentamento geral, que imagino que seja também do próprio presidente do BC, Roberto Campos Neto. A alta taxa de juros, que já vem desde o ano passado, é fruto de certa negligência em relação ao controle da inflação e do aumento de gastos públicos. Afirmações em relação às pessoas que compõem o Banco Central não contribuem. No final, o que temos que atacar são as causas da alta taxa de juros.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) — Foto: Cristiano Mariz/O Globo

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) — Foto: Cristiano Mariz/O Globo

Lula chamou de “bobagem” a autonomia do BC, aprovada pelo Congresso. O Poder Legislativo avalia rever essa decisão?

A autonomia do BC é um projeto aprovado pelo Senado e por ampla maioria na Câmara. Na sequência, houve uma discussão sobre a constitucionalidade do projeto no Supremo Tribunal Federal. Considero a mudança positiva. É muito mais importante identificarmos as causas do aumento da taxa de juros, e buscarmos atacá-las, do que a rediscussão da autonomia do BC. Não vejo ambiente para essa discussão. Para muitos, inclusive para mim, poderia representar um retrocesso no ordenamento jurídico brasileiro.

O governo tem como meta aprovar a reforma tributária em seis meses. Esse prazo é viável?

Considero que é possível, sim. O Parlamento já demonstrou que, quando quer, faz em até menos tempo. Embora seja complexa e a mais difícil, a reforma tributária já foi muito discutida ao longo de anos em diferentes comissões e audiências públicas. Considero a proposta bem debatida, muito proveitosa e absolutamente necessária. O mais importante agora é a decisão do Parlamento sobre qual reforma votar e como fazer.

Uma parte dos senadores defende pautas envolvendo mudanças no STF. Como o senhor pretende lidar com essas demandas?

O impeachment de ministros do STF não pode ser banalizado e não é solução para a boa relação entre os Poderes. A discussão sobre a limitação de decisões monocráticas (individuais) é um ponto que pode ser debatido, assim como o período de vistas nos processos, que o próprio STF está buscando disciplinar, e a competência da Corte. A discussão de mandato para ministros do STF, que existe em outros países, também pode haver no Parlamento. O ponto fundamental nisso é trazer para a discussão o próprio Supremo e as instâncias do Judiciário. Eu sei que estão todos muito abertos para esse debate.

Os discursos do ex-presidente Jair Bolsonaro contra as instituições estimularam os atos golpistas de 8 de janeiro?

O ex-presidente Bolsonaro não teve a capacidade de conter o radicalismo de seus adeptos. Ele é um grande líder político, teve grande adesão por parte da sociedade brasileira e podia ter aproveitado isso para a construção de soluções. Mas não houve a capacidade do ex-presidente da República de conter essa multidão raivosa. Isso virou um grande problema nacional. Foi um grande erro de Bolsonaro polemizar sobre temas que antes eram incontroversos e deixar de lado questões reais do país. Quando as famílias brasileiras passaram a divergir de maneira muito ríspida entre si sobre urna eletrônica e vacina, algo estava de fato muito errado no Brasil.

Como o senhor avalia a atuação do governo nos atos golpistas?

Houve uma reação muito efetiva do governo federal, do Ministério da Justiça, com uma posição contundente do presidente da República em relação a esses lamentáveis e criminosos acontecimentos. É evidente que houve uma falha enorme que permitiu todos os acontecimentos. O que se identifica muito prontamente é uma falha no sistema de segurança do Distrito Federal. Se houve outras falhas, inclusive do governo federal, de ter eventualmente subestimado o alcance dessas manifestações, isso deve ser apurado. É importante que possamos corrigir os erros para que daqui para frente algo parecido não aconteça. A democracia brasileira está de pé, inabalada e firme.

O presidente Lula disse que houve “conivência” de muita gente das Forças Armadas na invasão ao Planalto. O senhor concorda com essa avaliação?

É muito importante que essa conivência seja identificada na investigação para que não cometamos injustiças. As Forças Armadas são instituições de Estado muito respeitadas. Se houve por parte de alguém das Forças Armadas algum tipo de conivência, a investigação vai dizer. Mas isso não pode afetar a credibilidade da instituição como um todo. O trabalho agora é de valorização das Forças Armadas, que contribuíram também para a preservação da democracia no Brasil. Não se renderam a uma perspectiva de golpe.