Comissão da Anisitia anulará atos de Bolsonaro em massa

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Ivan Valente durante sessão na Câmara dos Deputados – Antonio Augusto – 19.set.2016/Câmara dos Deputados

A primeira sessão da Comissão de Anistia do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi agendada para a manhã desta quinta-feira (30), às vésperas do aniversário do golpe militar de 1964. Na pauta do colegiado está a revisão de julgamentos realizados na gestão de Damares Alves no Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos.

Está prevista a análise de casos tidos como simbólicos por terem sido indeferidos, com diferentes justificativas, durante os governos Jair Bolsonaro (PL) e Michel Temer (MDB).

Além disso, a comissão também inicia seus trabalhos sob um novo regimento, que passa a prever a possibilidade de anistia para coletivos, além de aumentar as possibilidades de recurso.

Segundo a presidente da comissão, Eneá de Stutz e Almeida, a anistia a coletivos abre um novo leque de possibilidades para a atuação da comissão. Ela cita hipoteticamente casos como comunidades quilombolas ou povos indígenas que tenham sido perseguidos pelo regime militar.

Segundo Eneá, a revisão dos requerimentos de anistia julgados durante o governo Bolsonaro ainda está no início de um total que pode chegar a 8.000 processos —durante os últimos quatro anos, 95% dos pedidos foram negados.

Ela afirma que escolheu os casos que estão na pauta por sua importância simbólica. “Foram julgamentos feitos em desacordo com a lei”, afirma.

A ditadura militar no Brasil (1964-1985) teve uma estrutura dedicada a tortura, mortes e desaparecimento.

Os números da repressão são pouco precisos, uma vez que a ditadura nunca reconheceu esses episódios. Auditorias da Justiça Militar receberam 6.016 denúncias de tortura. Estimativas feitas depois apontaram para 20 mil casos.

Presos relataram terem sido pendurados em paus de arara, submetidos a choques elétricos, estrangulamento, tentativas de afogamento, golpes com palmatória, socos, pontapés e outras agressões. Em alguns casos, a sessão de tortura levava à morte.

Em 2014, a Comissão Nacional da Verdade listou 191 mortos e o desaparecimento de 210 pessoas. Outros 33 desaparecidos tiveram seus corpos localizados posteriormente, num total de 434 pessoas.

Um dos julgamentos a serem reavaliados agora pela comissão é o do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP), que foi militante da resistência à ditadura militar, dirigente do MEP (Movimento de Emancipação do Proletariado) e fundador do PT.

Valente foi perseguido pelo regime militar, preso duas vezes, passou pelos centros de detenção do DOI-Codi e do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) e foi torturado. Por isso, ele protocolou um pedido de indenização, que no ano passado foi negado pela Comissão de Anistia —ainda subordinada ao ministério de Damares.

No voto que indeferiu a anistia, a justificativa da gestão bolsonarista foi que o deputado teria sido enquadrado na Lei de Segurança Nacional, que não era exclusiva da ditadura; e que, portanto, o Estado não lhe devia nenhum pedido de desculpas pelo que houve durante o regime.

A comissão afirmou que era “exigível” que Valente fosse investigado e condenado para fornecer “informações necessárias ao Estado, responsável por garantir a lei e a ordem e impedir a implantação de uma guerra revolucionária para tomar o poder e implantar um regime totalitário de linha soviética, cubana ou chinesa”.

Outro caso que será reavaliado pela comissão é o de Cláudia Arruda Campos, militante do grupo Ação Popular —do qual também fizeram partes nomes como o senador José Serra (PSDB-SP)— que foi presa pelo Dops.

Em 2019, o relator do caso chegou a opinar a favor da concessão de anistia, mas o general Rocha Paiva, então membro da comissão, pediu indeferimento.

“Apesar de existirem provas de monitoramento do requerente, não foi possível identificar nos autos qualquer ação do Estado em desfavor do requerente [Cláudia Campos] que pudesse ensejar os direitos atinentes à anistia política”, afirmou Paiva.

Sua opinião foi seguida pelos demais membros da comissão, nomeados por Damares, e o pedido de indenização foi negado.

O terceiro caso é o de José Pedro da Silva, que integrou a Frente Nacional do Trabalho e o Sindicato dos Metalúrgicos na década de 1970, e chegou a ser preso quando organizava um protesto em frente a indústrias. Segundo o seu relato, ele foi demitido da companhia onde trabalhava em 1978 em razão de sua atuação.

Pediu indenização, como prevê a Lei da Anistia, por ter tido sua carreira comprometida pela perseguição política. Ainda em 2018, a comissão concedeu-lhe a anistia e um pagamento de R$ 2.000 mensais.

No entanto, o então ministro substituto da Justiça do governo Michel Temer, Gilson Libório, atropelou o entendimento do colegiado e, por meio de uma portaria, afirmou que não houve vínculo entre sua detenção e sua demissão. Dessa forma, indeferiu o pedido.

A prática foi posteriormente incorporada pela gestão Damares para negar indenização mesmo em casos avaliados como válidos pelo colegiado.

Finalmente, Romário Schettino consta nos relatórios de inteligência da ditadura como um ex-integrante de um grupo de estudos em Caratinga (MG), do qual também participou a jornalista Miriam Leitão.

Schettino era funcionário do Banco Central na década de 1970 quando foi sequestrado e preso pelas forças de segurança por suposta “infiltração subversiva” no movimento estudantil de Brasília, onde cursava história. Pediu dispensa do emprego e se exilou na Europa.

Seu pedido de anistia foi inicialmente negado ainda em 2008, mas, após recurso, foi deferido em 2018. No entanto, a portaria de sua anistia nunca foi publicada, seja pelo governo Temer ou pelo Bolsonaro. Portanto a indenização nunca começou a ser paga.

Folha de São Paulo