Congresso segue em campanha eleitoral

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Foto: Reprodução

Os primeiros dois meses de trabalhos no Congresso têm sido marcados por troca de ofensas entre bolsonaristas e integrantes da base de Lula, rebaixando o nível do debate legislativo. Nos últimos dois dias, tanto senadores quanto deputados travaram bate-bocas, com direito a menção a arma de fogo e registro de ocorrência na delegacia. O próprio presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já reprovou publicamente manifestações agressivas e classificou como “deprimente” uma sessão da Casa. Especialistas afirmam que parlamentares estão reproduzindo no Congresso a lógica das redes sociais.

Congressistas recorrem a expedientes como discursos polêmicos e xingamentos de olho na repercussão na internet. Isso ocorre sobretudo no vácuo de discussões de propostas mais relevantes na Câmara e no Senado, como agora. Com essa estratégia, além de “bombarem” seus próprios canais, atiçam a militância mais radical, que costuma se abastecer e compartilhar esse tipo de conteúdo.

Um dos casos de maior repercussão envolveu o deputado Alberto Fraga (PL-DF), representante da bancada da bala, , e dois mineiros de primeiro mandato: o governista André Janones (Avante) e o bolsonarista Nikolas Ferreira (PL), deputado federal mais votado do país —ambos reúnem milhões de seguidores nas plataformas. Ontem, ao citar uma ofensa que Janones havia dirigido a Ferreira, Fraga fez referência à sua arma.

— Não uso chupeta, uso revólver, pistola — disse, em sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).

Janones afirmou que estava sendo ameaçado de morte e registrou boletim de ocorrência em uma delegacia.

A rixa entre eles havia começado na terça-feira, na mesma CCJ, durante uma audiência com o ministro da Justiça, Flávio Dino, notabilizada por troca de ofensas e acusações. Na ocasião, Janones chamou o colega de “chupetinha”, termo homofóbico usado por adversários contra Ferreira:

— Chupeta falou, presidente. Chupetinha.

O deputado PL chegou a levantar para ir em direção ao adversário. A cena foi interrompida por um grito da Laura Carneiro (PSD-RJ):

— Acabou a palhaçada, volta todo mundo para o seu lugar!

Ferreira já havia se envolvido em uma controvérsia em 8 de março, Dia da Mulher. Na ocasião ele subiu à tribuna usando uma peruca e, em tom irônico, se apresentou como Nicole para fazer discurso transfóbico:

— As mulheres estão perdendo espaço para homens que se sentem mulheres.

Em reação, o presidente da Câmara anunciou, nas redes sociais, que “o plenário não é palco para exibicionismo e muito menos discursos preconceituosos”.

Pesquisador e professor da Universidade Federal Fluminense, Viktor Chagas diz que o uso do espaço do Congresso com o objetivo de mobilizar bases eleitorais sempre existiu. Porém, ganhou impulso com as mídias sociais.

— É o que alguns pesquisadores chamam de midiatização da política, isto é, um estágio em que os políticos incorporam a lógica da mídia e passam a fazê-la refém de seus interesses. É o que fazia Bolsonaro com suas entrevistas no cercadinho. E o que fazem políticos bolsonaristas como Nikolas Ferreira com suas intervenções em plenário com a intenção de polemizar — analisa Chagas.

Assim como na Câmara, a CCJ do Senadose tornou uma arena de ataques nesta semana. Ontem, Sergio Moro (União-PR) e Fabiano Contarato (PT-ES) trocaram insultos. Ao comentar um projeto que proíbe a contratação de condenados por crimes hediondos, o petista aproveitou para criticar a atuação de Moro quando era juiz da Lava-Jato:

— Não soube se portar como juiz, violou o princípio da paridade de armas, do contraditório e ampla defesa, violou o que é mais sagrado no processo penal. Os fins não justificam os meios.

Moro rebateu, mirando o presidente Lula e outros correligionários de Contarato:

— Não vou falar aqui do roubo da Petrobras de R$ 6 bilhões nos governos do PT. Não vou falar que a condenação do presidente da República foi feita não só por mim, mas por três juízes em Porto Alegre, por cinco juízes no STJ e a anulação depois foi por motivos formais. Ninguém declarou o presidente inocente.

O tema já havia gerado embate entre Moro e outro petista, o senador Rogério Carvalho (SE), no último dia 15. Carvalho disse que Moro teve “uma atuação criminosa” na Lava-Jato, e o ex-juiz lembrou os casos de corrupção do PT.

No início do mês, as ofensas partiram do deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP). Ao criticar deputados da base contrários a uma CPI sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, ele se referiu a deputados da esquerda como “larápios”.

— O que nós queremos é a verdade, para não permitir que esses larápios aqui da esquerda, que me olham agora, venham fazer narrativa para enganar você do povo que não sabe como a banda toca aqui.

Episódios de baixo nível têm sido recorrentes. Na primeira semana de trabalhos, o deputado Sargento Fahur (PSD-PR), quadro da PM que ganhou projeção nas redes por conta de comentários agressivos sobre operações policiais, ameaçou e xingou o ministro Flávio Dino. Ele discursou para condenar a política antiarmamentista do atual governo.

— Eu trabalhei 35 anos na Polícia Militar dando coronhada e tiro em cabeça de vagabundo (…) Flávio Dino, vem buscar minha arma aqui, seu merda.

Para Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Fedreal do Rio de Janeiro (UFRJ), as redes sociais promoveram uma pulverização do conteúdo do debate público. Pequenos trechos de vídeos viralizam e são estratégicos pra os políticos se promoverem.

— Direita e esquerda vão precisar ocupar esses espaços de formação e atuação da opinião pública — diz Mayra Goulart.

O Globo