Ministro enrolado terá que se explicar a Lula hoje

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Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

Uma reunião no Palácio do Planalto é aguardada para esta segunda (6/3) com expectativa pelo potencial de deflagrar a primeira defecção no primeiro escalão do governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Na berlinda está o ministro das Comunicações, Juscelino Filho (UB-MA), enredado em denúncias que vão desde uso do orçamento secreto para beneficiar fazendas da própria família no município maranhense de Vitorino Freire até uso de avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para ir a São Paulo, onde misturou agendas públicas com a participação em um leilão de cavalos no interior do estado.

A situação do ministro é peculiar, mas a pressão para apeá-lo do cargo ilustra o choque de forças da ampla base montada pelo presidente Lula com objetivo de assegurar a governabilidade no Congresso Nacional. As disputas por espaço foram deflagradas ainda no governo de transição, quando partidos políticos se digladiaram para assegurar presença no grupo ministerial e em postos-chave de órgãos e empresas estatais.

Juscelino Filho aparece como um dos pivôs de uma relação ainda instável entre o governo e um de seus aliados de centro, o União Brasil, partido que avaliza três dos 37 ministros na Esplanada montada por Lula. A titular da pasta do Turismo, Daniela Carneiro (UB-RJ), e o ministro de Desenvolvimento Regional, Waldez Góes (UB-AP) também enfrentam fogo amigo da base aliada.

As disputas por espaço e protagonismo, porém, já contaminaram relações dentro do próprio PT, com o embate entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (SP) e a presidente da legenda, Gleisi Hoffmann (PR), em torno da reoneração do preço dos combustíveis, e com as críticas que o ministro da Defesa, José Mucio Monteiro, recebe até hoje por causa de sua postura “conciliadora” em relação ao Exército no caso dos acampamentos antidemocráticos que se espalharam pelo país na porta de quartéis para questionar o resultado das eleições presidenciais. Em Brasília, serviram de abrigo para os golpistas que atacaram as sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro.

Para acomodar todas as forças que se uniram ao petista na campanha eleitoral vitoriosa contra a tentativa de reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL-RJ), Lula ampliou o número de ministérios e, ao longo das últimas semanas, ainda se dedicava a preencher centenas de cargos estratégicos de primeiro e segundo escalões. Uma das consequências desse inchaço é a falta de protagonismo de alguns indicados, que sequer conseguiram marcar audiência individual com o presidente.

É o caso de Juscelino Filho, deputado federal do Centrão que integrava o chamado baixo clero – grupo de parlamentares com pouca expressão e baixa taxa de produtividade na Câmara dos Deputados. Alçado à condição de ministro, expôs um telhado de vidro prestes a se quebrar. A primeira audiência privada com Lula em mais de 60 dias será justamente a que pode definir sua saída do time. “Bem-vindo ao alto clero”, ironizou um político da oposição ao comentar a situação do ministro.

Após a vitória de Lula, em outubro do ano passado, o Ministério das Comunicações era pretendido pelo PT, que esperava comandar a política de universalização da internet no país, uma das metas mais ambiciosas do programa do novo governo. Além disso, a pasta é responsável pelas concessões de rádio e TV, uma área que os petistas gostariam de manter sob comando da legenda.

A pressão feita por Gleisi Hoffmann para que Juscelino Filho seja afastado mostra que o PT não desistiu de disputar a cadeira. O ex-ministro Paulo Bernardo (PT-PR), que integrou a equipe de Comunicações do governo de transição e não foi contemplado na montagem do primeiro escalão, volta a ser cotado para retornar ao cargo que ocupou no governo de Dilma Rousseff.

Gleisi, porém, foi confrontada pelo ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, que disse já ter visto “muita gente ser afastada por pré julgamentos injustos, inclusive companheiros do PT”, ao defender a permanência de Juscelino Filho até que todas as denúncias sejam esclarecidas.

Com 59 deputados e nove senadores, o União Brasil acompanha de perto a evolução da crise, mas já admite indicar outro nome para as Comunicações. O presidente da legenda, deputado Luciano Bivar (PE) ­– que defende a aliança com o governo –, disse que espera conversar com o presidente Lula após a definição sobre o futuro de Juscelino Filho.

Ele também está empenhado em defender a permanência de Daniele Carneiro à frente do Turismo. Ela entrou em modo silêncio desde que fotos e vídeos da campanha à deputada federal revelaram incômoda presença de pessoas ligadas às milícias da Baixada Fluminense em palanques eleitorais.

Para o cientista político Leonardo Barreto, da Vector Research, o caso Juscelino expõe a fragilidade do apoio do União Brasil ao projeto de governo de Lula, e a consequência, agora, deverá ser uma revisão dessa aliança por meio da primeira minirreforma ministerial, que pode incluir a ministra do Turismo. “O problema é que, como o União não entrega (apoio), essa vai acabar sendo a primeira minirreforma do governo”.

“Para fazer a agenda distributiva, é preciso ter dinheiro. Há uma necessidade de recomposição fiscal que o governo fará pelo lado da receita, não pela despesa”
Leonardo Barreto, cientista político da Vector Research

Barreto aponta que o Palácio do Planalto ainda não confia no Congresso, apesar da ampla base de sustentação que garantiu a aprovação da PEC da Transição, garantindo recursos orçamentários que permitem a travessia deste primeiro ano do mandato.

Como o governo tem pressa para cumprir promessas de campanha, que custam dinheiro, centra suas ações nas agendas positivas de caráter distributivo, como o novo Bolsa Família e o programa Minha Casa, Minha Vida, e deixa Fernando Haddad com o ônus de preparar o projeto da nova âncora fiscal e articular a reforma tributária, que podem acarretar medidas impopulares num primeiro momento.

“Para fazer a agenda distributiva, é preciso ter dinheiro. Há uma necessidade de recomposição fiscal que o governo fará pelo lado da receita, não pela despesa. A reforma tributária, por exemplo, acaba virando a bala de prata para esse processo de recomposição. E é nesse espaço que entram as brigas internas”, avalia Barreto. Para ele, a presidente do PT atrapalha o diálogo com as demais forças políticas.

Estado de Minas