Sem Bolsonaro, em vez de “golden shower” discutimos o que interessa
Lula criticou (mais uma vez) o Banco Central por conta da alta taxa de juros e avisou que as regras fiscais que vão substituir o teto de gastos só devem vir a público após ele voltar da China, em entrevista à TV Brasil 247, nesta terça (21). Para muita gente ligada ao mercado isso é o fim do mundo e motivo para aumento na dosagem do Lexotan. Mas a verdade é que quatro anos de governo disfuncional acostumaram muito mal o debate público.
Em março de 2019, Jair Bolsonaro mentia nos Estados Unidos que os comunistas estiveram próximos de conquistar o Brasil, reescrevia os livros de História dizendo que o país nunca tinha passado por uma ditadura militar e divulgava vídeos de homens urinando em outros homens no Carnaval.
Curiosamente, para muita gente considerada sensata não era o fim do mundo a arena pública estar tomada por esse tipo de esgoto até porque, naquele momento, a equipe econômica do então ministro da Economia Paulo Guedes aproveitava o barulho para dificultar o acesso de idosos pobres ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) e dos trabalhadores rurais pobres à sua aposentadoria especial em meio à Reforma da Previdência.
Depois, veio a pandemia de covid-19. Em março de 2021, debatíamos como o então presidente da República sabotava o combate ao coronavírus, mentindo que vacinas transformavam pessoas em jacaré, causavam Aids e matavam crianças, ajudando a construir uma montanha com 700 mil mortes. Uma parte do mercado se colocou ao lado de Jair, defendendo a volta ao trabalho enquanto a doença matava milhares por dia.
Vale lembrar que uma parcela dos operadores do mercado se importa mais com a sua taxa de retorno do que com democracia ou com dignidade da população. Não à toa, o próprio Guedes invejava a ditadura neoliberal do carniceiro e homicida Augusto Pinochet, no Chile.
A prova de que o nível do debate público melhorou para o grosso da sociedade é que, hoje, reclama-se ou celebra-se a cruzada do presidente pela redução dos juros, enquanto há quatro anos debatia-se a cruzada do presidente contra as instituições de monitoramento e controle, tal como Ibama e Funai – cruzada que causou um salto no desmatamento e uma tentativa de genocídio dos yanomamis.
Quem sai perdendo com essa melhora no debate público, portanto, são os que se beneficiavam das cortinas de fumaça impostas pelo bolsonarismo para fazer passar sua “boiada” ambiental, social, mas também econômica.
Claro que a economia brasileira está em um momento delicado, muito por conta das decisões eleitoreiras tomadas pelo governo de Jair Bolsonaro – que gastou o que não podia para comprar votos dos mais pobres, isentou combustíveis de impostos que iriam para a educação e a saúde, entre outras aberrações.
E é verdade que o petista não detalhou o que pretende para a economia. Mas deixou claro o que não pretende. E o projeto que saiu vitorioso das urnas, com 50,9% dos votos, prometeu mudar a regra que limitou por duas décadas o crescimento de gastos públicos à inflação. Pelo menos para fazer caber o combate à fome, além de garantir merenda decente e remédio para pobres.
Investidores e empresários sérios podem se acalmar, uma vez que o atual governo é mais previsível e estável que o de Bolsonaro – estabilidade que significa também responsabilidade com os mais pobres, pois o contrário criará uma turbulência incontrolável em um país em que 33 milhões passam fome.
Que o desenvolvimento da economia continue no foco do debate, com as diferentes posições sendo discutidas publicamente. Isso é saudável e democrático. Ou seja, uma dupla antítese dos últimos quatros anos.