Conservadorismo do novo Congresso paralisa trabalhos

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Congresso Nacional – Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Os primeiros meses do novo Congresso revelam um Legislativo menos produtivo e com mais propostas voltadas a pautas conservadoras do que em anos anteriores. Segundo levantamento do GLOBO, de fevereiro até a primeira quinzena de abril, o número de projetos e Propostas de Emendas Constitucionais (PECs) apresentados é 18% menor do que foi sugerido há quatro anos — foram 2.373 em 2019 e 1.946 agora. Outros indicadores também mostram o ritmo mais lento dos parlamentares neste início de mandato. Tanto Câmara quanto Senado registraram a menor quantidade de sessões, de audiências públicas, de reuniões em comissões e de votações desde 2011, na comparação com o mesmo período.

Para além dos números, a análise do que foi votado até agora evidencia ainda um Congresso pouco relevante, em que discussões de medidas prioritárias deram lugar a brigas internas e disputas de bastidores. Enquanto os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), travavam uma queda de braço sobre o rito de medidas provisórias — impedindo a votação de 24 delas —, por exemplo, os plenários das duas Casas se debruçavam sobre projetos menos urgentes, como o que muda cargos do Ministério Público e o que obriga órgãos públicos a divulgar informações sobre direitos de idosos.

Embora não seja possível medir a produtividade de parlamentares apenas pela apresentação ou aprovação de projetos, Câmara e Senado admitem a morosidade dos trabalhos. Procurados, contudo, Lira e Pacheco atribuem a lentidão à dificuldade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) consolidar sua base aliada.

Por meio de sua assessoria, Lira afirmou que “não quer testar a base do governo enquanto eles não se organizam na Casa”. Para o Senado, a menor relevância dos projetos analisados “é próprio de começo de governo, em que há necessidade de a base aliada e suas lideranças se organizarem”, diz nota enviada pela assessoria de Pacheco.

De armas a “todes”
Ao mesmo tempo em que reduziu a produção, o novo Congresso ampliou seu viés de direita. O levantamento do GLOBO mostra que desde fevereiro foram apresentadas 94 propostas relacionadas a temas como endurecimento de regras para aborto, armamento da população e questões de gênero, pautas afinadas ao aumento de parlamentares de perfil conservador que foram eleitos no ano passado ainda na esteira do bolsonarismo. Em 2019, no mesmo período, eram 53 projetos.

Um exemplo de discussão ideológica que tomou conta da pauta legislativa é o uso da linguagem neutra. Nos primeiros dias do atual governo, a construção linguística “todes”, que tem como objetivo representar pessoas que não se identificam com os gêneros feminino e masculino, foi citada em cerimônias de posse de ministros. Esses eventos serviram de pretexto para conservadores pedirem a proibição do uso da variação da norma gramatical. Foram seis projetos sobre o tema.

O deputado Eli Borges (PL-TO) é um dos que querem proibir o uso do termo:

— Confunde os surdos que se comunicam através da leitura labial e atrapalha os cegos que leem através de softwares, já que os aparelhos precisariam ser reconfigurados para abarcar o dialeto.

O autor do maior número de projetos até agora na Câmara é um deputado novato, o ex-secretário de habitação de São Paulo Fernando Marangoni (União-SP). A maior parte das sugestões está relacionada à sua experiência na área habitacional, como uma proposta prevendo “espaço pet” nos imóveis do Minha Casa Minha Vida.

No Senado, o recordista de projetos até agora foi o petista Paulo Paim (RS), que está na Casa há 20 anos. A maioria das 33 propostas é relacionada a questões trabalhistas, sua principal bandeira, mas na lista aparece também a inclusão de medicamentos à base de canabidiol no Sistema Único de Saúde (SUS).

Para o cientista político Bruno Carazza, professor da Fundação Dom Cabral, não há interesse nem do governo nem da oposição de aumentar a produtividade do Congresso neste momento.

— Com sua base instável, Lula tem optado por se concentrar em mudanças infralegais — disse ele. — Pelo lado da oposição, sua atuação está mais concentrada em discursos contra o governo.

O Globo