Quase falida, Jovem Pan volta ao bolsonarismo

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Tiago Pavinatto, de Os Pingos nos Is, está entre os bolsonaristas da nova fase da Jovem Pan

A derrota de Bolsonaro nas eleições foi um choque para a Jovem Pan. Após apostar tudo na vitória do candidato e dar espaço a jornalistas e comentaristas que fizeram campanha abertamente para o “mito” e atacaram Lula, ficou impossível dissociar o canal do bolsonarismo.

Com a credibilidade questionada e a imagem arranhada, a Jovem Pan lida com o saldo da derrota: fuga de anunciantes e uma custosa punição do Google, que suspendeu a monetização dos perfis do grupo no YouTube por divulgação de fake news. A plataforma de vídeos era uma das principais fontes de receita.

Logo após o anúncio da vitória de Lula, uma onda de demissões tomou conta da Jovem Pan. Alguns dos bolsonaristas mais ferrenhos (e melhor remunerados) foram os primeiros a deixar o canal. Também foi uma maneira rápida de cortar custos para os dias difíceis que viriam sem publicidade do governo, empresas privadas e até do YouTube.

Mas, com a saída de diversos astros da direita da Jovem Pan, também veio uma dura queda de audiência, com a CNN assumindo o segundo lugar entre os canais de notícias. Para muitos, era a prova de que o bolsonarismo estava com os dias contados.

Sem dinheiro, sem amigos e nada a perder

Em um período de dez horas avaliado, a Jovem Pan teve somente três anúncios, enquanto a CNN teve 11, e a GloboNews, 13 (tabela ao final do texto).

Sem anunciantes e perdendo audiência, a Jovem Pan até tentou uma aproximação com o centro fazendo um jornalismo mais neutro. Foi um fiasco. O território já está ocupado por concorrentes como GloboNews e CNN. Além disso, após tanto tempo de apoio ao bolsonarismo e com sua imagem desgastada, ninguém além dos eleitores de Bolsonaro tinha razões para assistir à Jovem Pan.

A queda foi tão grande que a Jovem Pan saiu do radar até mesmo do novo governo. O PT ignorou o ditado que recomenda manter os amigos perto e os inimigos ainda mais perto.

A Jovem Pan ficou em um beco sem saída. Sem dinheiro e sem audiência, não tinha nada a perder. Reembarcar no bolsonarismo e redobrar a aposta na direita foi um resultado natural.

O volta dos que não foram

Novas contratações foram realizadas, e jornalistas e apresentadores bolsonaristas voltaram a ganhar destaque. Dessa vez, com o cuidado de parecerem menos raivosos e histriônicos, mantendo o limite da civilidade.

O fato de Lula agora estar no poder facilita as críticas. Durante as eleições, os ataques eram realizados com pouco ou nenhum elemento concreto. Com o PT no poder, os conflitos políticos e o bate-cabeça do governo facilitam o trabalho dos críticos.

À medida que começa a ficar mais claro que Lula está longe de ser uma unanimidade e os erros de comunicação do novo governo se acumulam, novas oportunidades surgem para a Jovem Pan.

Para sorte da Jovem Pan, Bolsonaro também voltou fortemente ao noticiário. Como no caso de Donald Trump nos Estados Unidos, as acusações de crimes viraram combustível para a teoria de uma suposta conspiração de adversários políticos. A narrativa cativa o público.

O retorno de Bolsonaro é um exemplo. A volta triunfal do “mito” vem trazendo novos picos de audiência para o canal. Na quinta-feira (30), a Jovem Pan ficou na frente da GloboNews durante quatro horas, segundo dados prévios da Kantar Ibope Media. O Jornal da Manhã 1ª Edição bateu a GloboNews entre 6h e 10h na Grande São Paulo.

Com a cobertura favorável da Jovem Pan, o resultado foi que os apoiadores de Bolsonaro, carentes de confirmação, novamente se sentiram validados e encontraram um abrigo na grande mídia. Nas últimas semanas, a audiência voltou a subir, e a CNN retornou para a terceira posição entre os canais de notícias no cabo.

Estratégia é a mesma da Fox News e Trump A Jovem Pan segue no Brasil a mesma cartilha da Fox News nos Estados Unidos após a derrota de Trump.

Quando Biden venceu as eleições presidenciais americanas, a Fox News rapidamente reconheceu a derrota de Trump. Mas isso causou revolta entre os espectadores, e a audiência do canal de notícias americano começou a despencar nas semanas seguintes.

Como os documentos de um processo de difamação movido pela fabricante de urnas Dominion Voting Systems mostraram, executivos e estrelas da Fox News ficaram desesperados com a fuga de audiência, e mesmo sabendo que Trump havia sido derrotado, preferiram mentir para não perder espectadores de direita que acreditavam nas falas de Trump.

Assim como a Jovem Pan, a Fox News também deu uma guinada e voltou a apoiar um ex-presidente derrotado e atacar um governo visto como de esquerda.

Questionada, a Jovem Pan afirmou que “é independente e cobriu o fato: a chegada do ex-presidente ao Brasil”. A empresa negou que apoie o bolsonarismo.

Erros do PT e vantagem da Jovem Pan

Quando até o escritor Paulo Coelho, ex-apoiador de Lula, reclama do governo e Bolsonaro retorna ao país nos braços de apoiadores, é impossível negar a oportunidade de audiência.

Em uma sociedade cada vez mais fragmentada e pautada pelas redes sociais, três meses de governo é tempo suficiente para muita gente se dizer decepcionada. Muitos imaginavam que o país melhoraria em poucos dias e até o centrão perderia espaço no governo do PT.

Seja como for, o drama rende audiência. Bolsonaristas se veem vingados a cada notícia negativa ou deserção de apoiadores de Lula. O ciclo joga a favor da Jovem Pan, já que erros são inevitáveis e notícia “boa” ninguém tem interesse.

Até quem discorda da Jovem Pan acaba assistindo para rebater os bolsonaristas, principalmente no YouTube, em que, mesmo desmonetizada, a Jovem Pan segue líder em visualizações no segmento de notícias.

YouTube é prioridade da Jovem Pan

Obviamente, a Jovem Pan ainda tem um grande problema nas mãos: como fechar as contas. O retorno ao bolsonarismo dificilmente trará anunciantes tradicionais. Governos à direita, como no Estado de São Paulo, podem ser uma fonte de publicidade, mas grandes anunciantes privados e o governo federal não parecem dispostos a retornar ao canal.

Mas isso não significa que a Jovem Pan não tenha alternativas. O rádio é uma fortaleza do grupo, que é líder em diversas regiões do país, incluindo São Paulo, onde alcança 260 mil pessoas sintonizadas por minuto e tem 3,5 milhões de ouvintes por mês.

Por sua natureza fragmentada e sem tanta atenção da mídia nacional, o rádio atrai anunciantes locais pouco preocupados com boicotes e interessados na grande e fiel audiência da Jovem Pan. Aliás, muitos desses anunciantes são ferrenhos bolsonaristas.

Mas o Google é a verdadeira resposta para a Jovem Pan voltar a faturar alto. Se o YouTube reativar a monetização da Jovem Pan em suas plataformas, o canal passará a receber milhões de reais em publicidade todos os meses. Quanto maior a audiência, maior a receita no digital.

A Jovem Pan também está revendo a estratégia de seus sites, outra fonte de dinheiro com grande potencial de aumentar. Quando a publicidade entra nas plataformas da Jovem Pan por meio de mídia programática, em boa parte das vezes, os anunciantes nem imaginam que estão na Jovem Pan, já que todo o processo é realizado por máquinas que apenas buscam vender mais por menos.

Influência política e erro de estratégia

Dentro desta lógica, não surpreende que a Jovem Pan tenha intensificado seus esforços políticos em Brasília. Como todas as TVs, o canal também tem tentado um encontro com o ministro Alexandre de Moraes, do STF (Superior Tribunal Federal), por exemplo. O ministro recusa todos os pedidos de todos os grupos, de Globo a SBT, e também da Jovem Pan.

Mas, neste momento, as big techs são alvo do governo e da Justiça, que fazem planos para aumentar a regulação sobre as empresas de tecnologia. Uma das ideias do projeto de combate às fake news é que gigantes como Google e Facebook passem a remunerar veículos de notícias. A Jovem Pan tem peso para influenciar o debate, principalmente no campo da direita, e o Google sabe disso.

A campanha do Sleeping Giants para desmonetizar a Jovem Pan foi efetiva e necessária. O mesmo se pode dizer da retirada de campanhas do governo federal e da desmonetização realizada pelo Google. O problema dessa lógica é que deixa o canal sem opções e nada a perder. É melhor cair lutando do que fechar as portas.

Sleeping Giants, YouTube e o próprio governo e Justiça ganhariam mais se tratassem a Jovem Pan com mais cabeça e menos estômago. Por exemplo, impedir o canal de remover vídeos de fake news não faz sentido. A esta altura, um acordo seria o melhor caminho para todos, inclusive no caso do processo que a Jovem Pan move contra o Sleeping Giants.

Impedir que um veículo de imprensa monetize seu conteúdo, desde que ele siga regras jornalísticas, é ruim porque leva ao radicalismo dos desesperados, Também abre espaço para a acusação de censura e perseguição política.

Para a Jovem Pan e Fox News, voltar a apoiar os políticos da direita não é uma questão de ideologia, é apenas uma questão de audiência e dinheiro. Enquanto os adversários desses canais não entenderem isso, vão dar mais munição para que o público radical encontre a confirmação de suas fantasias.

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