TV Cultura enfrenta bolsonarismo e republica documentário

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Foto: TV Cultura/Reprodução

A TV Cultura, vinculada ao governo de São Paulo, republicou o mesmo documentário crítico à extrema direita que havia retirado do YouTube dias atrás por pressão de bolsonaristas. O GLOBO mostrou na última terça-feira que pressões do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e seus aliados sobre o governo Tarcísio precederam a retirada do programa, classificada por “censura” pelos funcionários da emissora.

A Fundação Padre Anchieta, que controla a emissora, afirmou que retirou o vídeo para “ajuste técnico”, e ainda não respondeu se removeu cenas. Pessoas que trabalham na empresa dizem que esse tipo de prática é incomum.

“O vídeo não foi removido do Youtube. O conteúdo foi (tornado) privado, passou por ajuste técnico e, conforme previsto, voltou ao ar no mesmo link. A Cultura, que em 2023 completa 54 anos, é uma TV pública e educativa, e não uma televisão estatal, o que lhe proporciona autonomia. Embora receba parcialmente recursos públicos, a emissora gera receita própria e busca depender cada vez menos de verbas governamentais”, informou a TV Cultura em nota.

Questionada, a emissora afirma também que “nenhuma cena foi removida” e que se trata do “mesmo documentário que foi ao ar na TV”.

Intitulado “O Autoritarismo está no ar — 3 anos depois”, o programa produzido pela emissora — retirado do ar e republicado nesta quarta-feira — é uma atualização de um documentário sobre os riscos democráticos com o avanço da extrema direita no Brasil e no mundo, veiculado em 2020.

A nova versão inclui o levante golpista de 8 de janeiro, quando apoiadores radicais do ex-presidente Jair Bolsonaro depredaram prédios dos Três Poderes.

A transmissão do programa, em 23 de março, irritou bolsonaristas. Eduardo levou a queixa ao governo paulista, chefiado por Tarcísio de Freitas — ex-ministro da Infraestrutura de seu pai —, segundo relataram dois aliados do deputado.

Paralelamente, Eduardo atacou publicamente a exibição do documentário e foi endossado por dois ex-secretários de Cultura de Bolsonaro, o deputado federal Mario Frias (PL-RJ) e André Porciuncula. Já o deputado estadual Gil Diniz (PL), braço direito de Eduardo na Assembleia Legislativa de São Paulo, disse que “não vai descansar até acabar com essa palhaçada e responsabilizar os militantes travestidos de jornalistas”.

Após a reportagem do GLOBO mostrando que o documentário havia sido retirado do ar, Frias comemorou a retirada do documentário, chamou o episódio de “missão cumprida” e o associou a uma suposta decisão do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), ex-ministro do governo Bolsonaro.

“O documentário foi acertadamente removido. Parabenizo a decisão escorreita do governador Tarcísio! É simplesmente inaceitável que narrativas mentirosas da extrema esquerda ganhem lugar na TV Cultura, que é sustentada com verba do governo paulista. Essa é a importância de estarmos sempre atentos e vigilantes!”, escreveu em seu Instagram.

Depois que o documentário foi tornado público novamente, Frias apagou as publicações. Para bolsonaristas ligados ao governo de São Paulo, a ofensiva do grupo de Eduardo deve continuar. Eles relacionam as críticas abertas à secretária de Cultura, Marília Marton, a uma tentativa de Frias derrubá-la para indicar o sucessor.

Em entrevista ao GLOBO, a secretária criticou o documentário por associar erroneamente, segundo sua visão, os atos golpistas de 8 de janeiro à ideologia de direita, e disse que “se (o documentário) fosse bom, estaria no Netflix”. A postura da secretária foi vista por funcionários da TV Cultura como uma tentativa de acenar aos bolsonaristas e se manter no cargo.

O deputado estadual Emídio de Souza (PT) criticou o que chamou de “censura” imposta pelo governo Tarcísio. Outros políticos de esquerda repercutiram o caso, como o deputado federal Ivan Valente (PT-SP).

“Governador @tarcisiogdf, o senhor vai continuar obedecendo a família Bolsonaro até quando? Absurda a censura imposta ao documentário da TV Cultura que trata dos atos antidemocráticos de 8 janeiro por pressão do deputado @BolsonaroSP”, escreveu Emídio em seu Twitter.

O Globo