Velho da Havan mostra rimou Bolsonaro agora é Lula

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Luciano Hang, o Véio da Havan. Créditos: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Não é que Luciano Hang esteja contra Bolsonaro. A questão é que ele agora está a favor de si mesmo. Percebeu que o Véio da Havan, símbolo caricato do bolsonarismo, precisava sair de cena. Condenado pela conjuntura a se tornar um traidor, teve que decidir se trairia seu político de estimação ou seu bolso. Preferiu trair o capitão.

Na língua inglesa, Hang é um verbo perigoso. Significa enforcar. Com a intuição de quem construiu uma das maiores redes de varejo do país, o dono da Havan pressentiu que, para não ficar pendurado, precisava cuidar da lojinha —ou dos 174 pontos de venda que espalhou pelo mapa do Brasil.

“Minha família e minhas empresas precisam de mim”, disse Hang a Dunes Sônego, que traçou o novo perfil do personagem em reportagem do TAB, uma das newsletters do UOL. “Não quero mais saber de política”. Do conservadorismo de outrora, conservou apenas o exibicionismo. Mas exibe um timbre diferente.

A cobrança.

“Depois da tempestade, vem a calmaria”, declarou num dos seus vídeos mais recentes. O perigo do uso da meia verdade é o de dizer exatamente a metade que é mentira. No caso de Hang, o que sobreveio depois da tempestade não foi a bonança, mas a cobrança.

Nos quatro anos da Presidência de Bolsonaro, Hang tornou-se um dos frequentadores mais entusiasmados da realidade paralela do “mito”. Durante a pandemia, a adesão ao negacionismo da “gripezinha” rendeu-lhe uma aparição constrangedora na CPI da Covid.

Na campanha presidencial, o flerte de Hang com o ódio às instituições arrastou-o para dentro do inquérito sobre atos antidemocráticos, relatado no Supremo Tribunal Federal pelo ministro Alexandre de Moraes. O quebra-quebra de 8 de janeiro fez acender na alma de Hang um sinal de alerta.

O ‘efeito Xandão’.

A remoção dos destroços que desfiguraram os prédios do Congresso, do Planalto e do Supremo ainda não havia começado quando Hang divulgou, em 9 de janeiro, uma nota para tentar se dissociar do braço criminoso do bolsonarismo. No texto, ele repudiou o vandalismo.

No dia seguinte, 10 de janeiro, Hang divulgou um vídeo. “Diante do que está acontecendo aí, alguém quer colocar a culpa em outro alguém”, disse ele na peça. “Nada fiz de errado, só trabalhei em prol de um candidato. Agora temos um presidente novo, um governo novo. Vamos torcer para o piloto, como sempre falo, que ele faça uma ótima viagem, pois estou dentro do mesmo avião. Vamos acabar com o discurso de ódio, mais paz, amor e felicidade”.

De repente, Hang migrou do bolsonarismo para o oportunismo. Deve-se a metamorfose retórica ao “efeito Xandão”. Quando Bolsonaro ainda estava exilado na Flórida, o empresário foi tomado de assalto pela mesma sensação que atormentava os bolsonaristas abandonados à própria sorte no presídio da Papuda.

O pragmatismo.

Hang passou a conviver com a síndrome do que está por vir. Seus receios não são infundados. Em agosto de 2022, Alexandre de Moraes havia determinado o bloqueio de suas contas bancárias. O dono da Havan teve que ralar para obter o desbloqueio, que só veio em setembro.

Hoje, rendido ao pragmatismo empresarial, Hang dedica-se a combater inimigos mais ameaçadores do que o comunismo. Pega em lanças contra o comércio virtual que permite a empresas asiáticas inundar o mercado brasileiro com produtos não tarifados. Chama os concorrentes orientais de “contrabandistas digitais.”

Por uma conspiração da sorte, as inquietações de Hang coincidem com as aflições de Fernando Haddad. Às voltas com uma proposta de nova regra fiscal cujo êxito depende do incremento da arrecadação de impostos, o ministro da Fazenda de Lula também levou à alça de mira a “concorrência desleal” do e-commerce. Não demora e Hang estará acendendo uma vela para Haddad.

A tormenta.

Olhando ao redor, Hang percebeu que sua Havan navega mares tormentosos. Leonardo Coelho Pereira, o executivo que assumiu em 16 de fevereiro o comando do grupo Americanas, imerso em dívidas de mais de R$ 40 bilhões, admitiu na semana passada que nem todos os 9.462 credores da empresa receberão a integralidade dos seus créditos.

Conhecido no mercado como Leo Coelho, o CEO da Americanas declarou: “Não lembro de uma recuperação judicial que tenha pago 100% de suas dívidas. Tem fornecedor que não vai gostar, mas é o máximo que a gente consegue fazer.”

O grupo Marisa, outro gigante do varejo, divulgou na sexta-feira suas demonstrações financeiras não auditadas. Exibem um prejuízo líquido de R$ 188,6 milhões. A cifra representa uma piora de 670% se comparada com o prejuízo de R$ 24,5 milhões registrado entre outubro e dezembro de 2021.

A rendição.

Contra esse pano de fundo tisnado pelas marcas da deterioração do comércio, não restou a Hang senão aderir ao coro de Lula contra os juros de 13,75%. Simultaneamente, o ex-Véio da Havan decidiu tratar o bolsonarismo como mercadoria de ponta de estoque, como são classificados os produtos encalhados.

Hang transferiu sua ideologia da vitrine para o fundo da loja. Fez isso num instante em que Bolsonaro, de volta ao Brasil, se prepara para depor à Polícia Federal na quarta-feira no inquérito sobre as joias sauditas e aguarda pelo julgamento no Tribunal Superior Eleitoral de uma das ações que podem torná-lo um político inelegível depois da Páscoa.

A vitória de Lula não eliminou o apreço de Luciano Hang pelo universo paralelo da Terra plana, o habitat que ele compartilhava com Bolsonaro. Mas a mudança dos ventos forçou a rendição do empresário ao óbvio. Embora continue detestando o mundo real, Hang se deu conta de que a realidade é o único lugar onde um empresário pode obter clientes para manter vivo o seu negócio.

UOL