Ministro bolsonarista do STF tentou salvar Collor
Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira o julgamento em que já há maioria para condenar o ex-presidente Fernando Collor por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em uma ação penal da Operação Lava-Jato. Cinco ministros já votaram para acompanhar o relator, Edson Fachin, neste ponto.
Votaram neste sentido, na última quinta, os ministros André Mendonça, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux e Cármen Lúcia. No dia anterior, Alexandre de Moraes também já havia acompanhado Fachin. Com exceção de Mendonça, os outros ministros também votaram para condenar Collor por organização criminosa.
Até agora, o único ministro a divergir foi Nunes Marques, que votou para absolver Collor e o outros réus de todas as acusações. A sessão foi interrompida e será retomada na próxima quarta-feira. Faltam os votos de Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Rosa Weber.
De acordo com denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR), Collor é suspeito de participar de um esquema de corrupção envolvendo a BR Distribuidora, antiga subsidiária da Petrobras. De acordo com Fachin, ele teria recebido R$ 20 milhões, entre 2010 e 2014, como contrapartida por ter facilitados contratos para a UTC Engenharia. A defesa nega as acusações.
‘Amargura cívica’
Em seu voto, Cármen Lúcia ressaltou ter sentido “amargura cívica” ao perceber que parte dos atos analisados ocorreu em 2012, quando o STF estava julgando a ação penal do mensalão, que envolvia o mesmo tipo de crimes.
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— Nada disso causou qualquer temor, parece, a uma parte de pessoas que estavam a praticar atos denunciados depois pelo Ministério Público e, pelo menos até agora, tidos como devidamente comprovados — declarou.
Parte das acusações é baseadas em acordos de delação premiada do doleiro Alberto Youssef, do ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e do empresário Ricardo Pessoa. Entretanto, Barroso afirmou que as provas vão além de delações e citou registros de entrada, mensagens de celular, comprovantes de depósito e uma avaliação interna dos contratos feita pela própria BR Distribuidora.
— Considero que existe prova em quantidade suficiente, e de diferentes procedências, que transcendem as meras colaborações premiadas, que por si sós não seriam suficiente.
Nunes Marques, por outro lado, considerou que esses elementos não são suficientes e que a denúncia ficou baseada apenas nas delações, e por isso deveria ser rejeitada.
— Não há como se considerar comprovada a tese acusatória de que teria havido, na espécie, a sustentada negociação de venda de apoio político para indicação e manutenção de dirigentes na BR Distribuidora. Tampouco, que a suposta negociação tivesse por finalidade viabilizar prática de desvio de dinheiro público.
Divergências
André Mendonça divergiu em parte de Fachin, ao considerar que não houve organização criminosa, mas sim associação criminosa — um crime considerado mais simples e, por isso, com pena menor. De acordo com ele, não ficou comprovado que atuação conjunta dos réus “se deu de forma estável e com a finalidade consciente, e não por um concurso eventual”.
Além disso, Mendonça e Barroso divergiu na análise do crime de lavagem de dinheiro. Os dois consideram que não houve uma repetição desse crime, mas uma continuidade. Luiz Fux também indicou concordar com essa tese. Essa diferença pode impactar no cálculo da pena.
Pena de 33 anos
Fachin propôs uma pena de 33 anos, 10 meses e 10 dias de prisão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, e uma multa de cerca de R$ 1,6 milhão. Os demais ministros irão determinar a pena no fim do julgamento, em caso de condenação.
Na semana passada, no início do julgamento, o advogado de Collor, Marcelo Bessa, afirmou que a ação merece “absoluta improcedência” e que a PGR não conseguiu comprovar a acusação.
— Minha convicção plena é de que efetivamente se trata de uma ação penal que merecer a mais absoluta improcedência. Porque não houve nenhum esforço probatório por parte do Ministério Público, e não poderia haver mesmo, porque os fatos apontados não ocorreram da forma como indicado na denúncia.
Também são réus Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos, que foi ministro de Collor quando ele era presidente da República e é apontado como operador dele, e Luis Amorim, diretor executivo da Organização Arnon de Mello, conglomerado de mídia do ex-senador. Também há maioria para condená-los.
Conheça as provas
A ação penal que pode levar o ex-presidente Fernando Collor à prisão — já há maioria no Supremo Tribunal Federal (STF) para condená-lo por corrupção passiva e lavagem de dinheiro — vai além das acusações feitas por delatores ao réu. O processo contém uma série de documentos, como registros de entrada em empresas e mensagens trocadas entre os suspeitos, que deverão sustentar a provável condenação do político.
As alegações finais da Procuradoria-Geral da República (PGR) e o voto do relator, Edson Fachin, citam relatos de três delatores da Operação Lava-Jato: o doleiro Alberto Youssef, o ex-diretor da Petrobras Nestor Cerveró e o empresário Ricardo Pessoa, da UTC. Ressaltam, porém, que as afirmações são comprovadas por outros elementos.
O ponto de partida da denúncia é a influência de Collor na BR Distribuidora. O então senador era o padrinho político de diretores da subsidiária, de acordo com Cerveró e Pessoa.
Uma dos itens citados é uma matéria do GLOBO de 2010, que revelava as indicações de Collor. Na época, o então ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, e o líder do PTB (partido de Collor), Gim Argello, confirmaram a informações.
As indicações também foram relatadas em um diálogo de Léo Pinheiro, ex-dono da OAS e também delator da Lava-Jato, em mensagens que foram apreendidas. Em 2013, um interlocutor diz a ele que foram pedidos “os dois cargos que eram do Collor” da empresa.
Além disso, a Polícia Federal apreendeu na casa de Collor documentos relacionados à BR Distribuidora, como comunicações de empresas destinadas à subsidiária. “Tal documentação demonstra a proximidade com a qual exercia a ingerência sobre a BR Distribuidora em decorrência do cargo ocupado e da influência política”, afirmou Fachin no voto.
A questão central da denúncia, por sua vez, é um benefício que teria sido realizado em favor da UTC Engenharia. A empresa ganhou quatro contratos em seis meses, e por isso teria pago R$ 20 milhões de propina a Collor, por meio de seus operadores.
A vitória da UTC teria sido possibilitada de duas formas. Primeiro, a empreiteira teve acesso aos orçamentos prévios da BR Distribuidora, o que lhe permitiu apresentar uma proposta melhor. Ao mesmo tempo, empresas menor porte foram excluídas propositalmente da licitação, para evitar que apresentassem propostas mais baratas. O relato foi feito por Pessoa.
Para comprovar esse favorecimento, a PGR usou principalmente um relatório feito por um grupo de trabalho instituído pela própria BR no início da Lava-Jato. A equipe identificou que as propostas apresentadas pela UTC tinham, em diversos itens, a mesma variação percentual em relação à planilha de preços da BR Distribuidora. Isso seria “estatisticamente inviável” e demonstraria acesso privilegiado.
O grupo também analisou documentos internos e e-mails que demonstram a exclusão de algumas empresas do processo. As informações coincidem com a delação de Pessoa.
Por fim, também há registros de entrada de Pessoa na BR Distribuidora em cinco oportunidades, “em datas consideradas chaves”, em meio às negociações, ainda segundo o relatório. Como contrapartida ao benefício, a UTC combinou o pagamento de R$ 20 milhões, dividido da seguinte forma: uma “entrada” de R$ 2 milhões e 20 parcelas de R$ 900 mil.
Pessoa apresentou uma planilha com um cronograma de pagamento, que seria relacionado ao andamento das obras. A defesa dos réus contestou a veracidade desse documento, mas tanto a PGR quanto Fachin consideraram que há outros elementos que corroboram o relato.
Há registros de entrada de dois funcionários de Youssef — Rafael Angulo Lopez, que também virou delator, e Adarico Negromonte Filho — na sede da UTC, em datas que coincidem com o cronograma de pagamentos. Além disso, foram apreendidos no escritório do doleiro oito comprovantes de depósitos a Collor e uma transferência realizada para uma empresa da qual ele é sócio.
Os dois outros réus, acusados de serem operadores de Collor, Pedro Paulo Bergamaschi de Leoni Ramos e Luis Amorim, também estiveram diversas vezes no escritório de Youssef.
A defesa de Collor nega as acusações e diz que ele é inocente.