MST sofre perseguição legislativa no país

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Foto: Adriano Alves – 22.abr.23/Folhapress

A ofensiva contra o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em curso na Câmara dos Deputados neste início de governo Lula (PT) se replica nas Assembleias Legislativas com projetos de lei e requerimentos de investigação que miram o grupo.

Desde o início da legislatura, em fevereiro, foram apresentados ao menos 24 projetos de lei em 15 estados e no Distrito Federal que criam punições para aqueles que participarem de invasões de terras. Também há propostas de multas e um projeto que busca acelerar possíveis reintegrações de posse.

Além disso, deputados estaduais propuseram a criação de CPI para investigar invasões de terras nos estados de São Paulo, Bahia e Pará —em Brasília, uma CPI para investigar o movimento já foi criada pelos deputados federais, restando agora a indicação de membros para instalação e funcionamento.

Com teor semelhante, a maior parte dos projetos de lei proíbe que invasores de propriedades rurais recebam benefícios de programas sociais, participem de concursos públicos, sejam nomeados para cargos comissionados ou firmem contratos com o poder público em âmbito estadual.

Também foram propostos um projeto que prevê a reintegração de posse de terras invadidas mesmo sem autorização judicial e outro que institui aplicação de multas em pessoas e entidades que invadirem terras.

Os projetos de lei, em sua maioria, partiram de apoiadores do ex-presidente Jair Jair Bolsonaro (PL). São deputados filiados a partidos como PL, PSDB, PTB e Podemos, embora também de algumas legendas alinhadas a Lula, como o Avante e o PSD.

As propostas ainda não foram apreciadas pelas Assembleias. Mas a tendência é que estas sejam alvo de questionamentos, conforme aponta o advogado Pedro Serrano, professor da PUC-SP e especialista em direito constitucional.

Ele defende que possíveis sanções não podem restringir o acesso a programas sociais, medida que aprofundaria a situação de vulnerabilidade de famílias já carentes, ampliando o fosso da desigualdade.

Também destaca que não é possível a permissão para reintegrações de posse sem autorização judicial. “Isso é absolutamente inconstitucional. Só o Judiciário pode determinar a desocupação com uso de poder de polícia. Qualquer ação fora disso é barbárie, é querer justiça com as próprias mãos.”

Na Bahia, além de propor um projeto que cria sanções para pessoas que invadirem terras, o deputado estadual bolsonarista Leandro de Jesus (PL) pediu a criação da CPI do MST, para investigar as invasões de terra realizadas pela entidade no estado.

“Não sou contra a reforma agrária, desde que feita da forma legal e respeitando o direito de propriedade dos produtores rurais. Queremos investigar as invasões e descobrir quem são seus executores, financiadores e autores intelectuais”, afirma Leandro de Jesus.

Desde o início do ano, foram sete áreas invadidas pelo MST na Bahia. Em fevereiro, foram invadidas 4 fazendas, incluindo 3 pertencentes à Suzano Papel e Celulose, empresa que possui grandes áreas de plantação de eucalipto. Em abril, em meio à jornada de lutas pela reforma agrária, foram três novas áreas ocupadas no estado.

Ao todo, o MST realizou 18 ocupações de terra no país entre janeiro e abril deste ano. Nos quatro anos do governo Bolsonaro, foram 159 invasões, sendo 37 delas no ano passado.

O objeto da CPI foi questionado pela Procuradoria da Assembleia Legislativa, que considerou que a reforma agrária é um tema fora da alçada dos deputados estaduais.

O deputado Leandro de Jesus acionou a Justiça e na quinta-feira (4) obteve uma liminar favorável à instalação da CPI. A Assembleia Legislativa indicou que vai recorrer da decisão.

A tramitação da CPI do MST na Bahia ganhou impulso em meio a insatisfações de deputados com o governador Jerônimo Rodrigues (PT). A proposta foi referendada por 29 parlamentares, sendo 7 de partidos da base aliada e 4 da bancada independente, mas que votam com o governo.

Assinaram o pedido de CPI aliados próximos ao PT da Bahia, incluindo o presidente da Assembleia Legislativa, Adolfo Menezes (PSD), e o deputado Angelo Coronel Filho, que é filho o senador Angelo Coronel (PSD-BA). O PT baiano, por sua vez, emitiu uma nota defendendo o MST.

Também houve pressão do agronegócio em favor da CPI. Há dez dias, produtores rurais de 200 cidades participaram na Assembleia Legislativa de uma audiência pública denominada “Invasão Zero” para discutir formas de impedir invasões de terras.

Em São Paulo, a CPI do MST foi proposta pelo deputado estadual Danilo Balas (PL) e protocolada em 28 de março após conseguir 37 assinaturas, mas ainda não foi instalada. O cenário é o mesmo no Pará, onde o pedido de investigação foi uma iniciativa do deputado Delegado Toni Cunha (PSC).

Dentro do MST, a ofensiva nas Assembleias Legislativas é vista como uma tentativa de criminalização dos movimentos sociais de luta pela terra.

“A direita vai usar o Parlamento federal e as Assembleias Legislativas do país inteiro para enfrentar o MST”, afirmou João Paulo Rodrigues, coordenador nacional do MST em recente entrevista à Folha.

Ele ainda defende que a CPI para investigar o MST criada na Câmara dos Deputados é inconstitucional por não se basear em fato determinado.

Ao longo de sua história, o MST já foi objeto direto de ao menos duas CPIs no Congresso Nacional, que foram palco de disputas ideológicas e tiveram pouco efeito prático.

A CPI da Terra foi instaurada em 2003 e tinha como objetivo apurar ações ilícitas, “com sucessivas e violentas invasões de terras”. A investigação quebrou 21 sigilos bancários, fiscais e telefônicos de pessoas ou entidades, incluindo a UDR (União Democrática Ruralista) e duas cooperativas ligadas ao MST.

A segunda vez em que o movimento esteve na mira do Congresso foi em 2009, no segundo governo Lula, em CPI proposta pelo então deputado Onyx Lorenzoni, na época no DEM. A investigação durou um ano e foi relatada pelo deputado Jilmar Tatto (PT-SP), que disse que a comissão foi desnecessária.

Outras duas CPIs miraram o MST de forma indireta: a CPI das ONGs, realizada no segundo governo Lula em 2007, e a CPI da Funai e do Incra, iniciada em 2017 na gestão Michel Temer (MDB).

Folha