Órgão para fiscalizar fake news é objeto de disputa

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Foto: Cristiano Mariz

A retirada da previsão de um órgão regulador de supervisão das plataformas digitais do PL das Fake News, no mês passado, acirrou a discussão — e a disputa — de diferentes modelos como alternativas para garantir a aplicação da nova legislação em tramitação na Câmara. O tema ainda é avaliado pelo relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), e não há consenso na Casa.

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) busca se viabilizar. Já a comissão especial de Direito Digital da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentou ao relator, no sábado, proposta de criação de um sistema regulatório tripartite que reúne diferentes órgãos e instituições (veja no infográfico).

Em outra frente, o deputado Lafayette de Andrada (Republicanos-MG), presidente da Frente Parlamentar Digital, ligada às big techs, protocolou texto substitutivo ao PL que prevê a atuação de uma entidade privada de autorregulação com o papel de impor multas e punições às plataformas, além do Judiciário. Modelo semelhante já havia sido defendido pelo deputado Mendonça Filho (União-PE).

Pesquisadores ouvidos pelo GLOBO avaliam que a criação de obrigações no formato atual da proposta, com a cobrança de moderação mais efetiva das empresas contra conteúdos ilegais, demanda um fiscalizador. O próprio relator do PL tem defendido que é preciso ter quem possa aplicar, por exemplo, as punições previstas no texto.

— O fiscalizador precisa ter ou se projetar a ter expertise na moderação nas plataformas, capacidade para lidar com temas de direitos humanos e tecnologia, autonomia e independência sobre poder econômico e político, contemplar mecanismos de participação social e ter alguma coordenação com as agências existentes — resume o diretor do InternetLab, Francisco Brito Cruz.

Um modelo visto como problemático por especialistas e organizações da sociedade civil é o de estabelecer apenas o Judiciário como responsável. O risco é o de que a lei seja interpretada de forma distinta por cada juiz e de que a análise de sua aplicação fique restrita a casos pontuais e seja lenta. Já a proposta de estabelecer somente entidade privada de autorregulação, além do próprio Judiciário, com essa função tende a não gerar mudanças efetivas no funcionamento das plataformas.

O presidente da Anatel, Carlos Manuel Baigorri, defende que a agência é o órgão mais eficaz. Ele cita que tem estrutura, presença em todo o país, experiência na aplicação de advertências e multas, conhecimento e que não haveria necessidade de aumentar orçamento ou quadro de pessoal:

— A lei sendo aprovada, em pouco tempo, a Anatel consegue operacionalizar cumprimento, cobrança, fiscalização e sancionamento pelo eventual não cumprimento da lei.

A Coalizão Direito na Rede, que reúne organizações acadêmicas e da sociedade civil, contesta a expertise de moderação da Anatel, hoje voltada para a infraestrutura de telecomunicações. Já Baigorri diz que a agência tem um quadro de servidores multidisciplinar e propõe que seu conselho consultivo passe a ter nível de supervisão para melhorar sua participação social.

A presidente da comissão de direito digital da OAB Nacional, Laura Schertel Mendes, avalia que não há único órgão existente que abranja as competências necessárias para fiscalizar as big techs e aponta que o modelo proposto pelo colegiado garante pluralidade. Os desafios serão a realocação de pessoal e recursos e a atuação coordenada entre esses diferentes atores, afirmam especialistas.

— Precisamos separar competências, em especial quem vai sancionar daqueles que podem ter que decidir em uma análise individual de conteúdo — diz Mendes. — Propomos que uma entidade privada auxilie empresas que tiverem dúvidas para saber se determinado conteúdo é ilícito.

Modelos em debate

APENAS O JUDICIÁRIO

Vantagens: O modelo acompanha a lógica do Marco Civil da Internet e o Judiciário já cumpre papel de julgar
Desvantagens: Cada juiz pode interpretar a lei de forma distinta e consensos demandam tempo. Há risco de análise de aplicação da legislação ser pontual, sem perspectiva coletiva e sistêmica.

SISTEMA TRIPARTITE

O Judiciário é a última instância de decisão.

Conselho de Políticas Digitais com papel de aplicar sanções – membros indicados pelo Executivo, Legislativo e Judiciário, e representantes da Anatel, Cade, ANPD e OAB
Entidade privada com representação das plataformas com papel de ajudar a decidir sobre moderação de conteúdo
Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) com papel de realizar estudos e divulgar diretrizes
Vantagens: Garante pluralidade de instituições na fiscalização e distribui competências ao conferir poder de sanção a um conselho diverso e prever atuação de entidade privada de autorregulação para auxiliar na moderação sem ação do poder público
Desvantagens: Remanejamento de recursos e coordenação entre os diferentes órgãos envolvidos serão desafios

ANATEL

O Judiciário é a última instância de decisão.

Vantagens: Tem independência, maior estrutura, capilaridade e poderia iniciar com maior rapidez a fiscalização
Desvantagens: Não é o único ator envolvido no tema, especialistas contestam seu conhecimento em moderação de plataformas e tem pouca participação da sociedade civil

ENTIDADE DE AUTORREGULAÇÃO

O Judiciário é a última instância de decisão

Vantagens: Pode levar a uma coordenação das plataformas e à padronização de boas práticas no setor. Assegura que o Estado não terá participação em decisões sobre conteúdo
Desvantagens: Seu impacto é limitado e tende a não gerar mudanças significativas e pressão no funcionamento das plataformas

O Globo