Petrobras doou gás de cozinha e cestas básicas em ano eleitoral

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Foto: TV Globo/Reprodução

O Tribunal de Contas da União (TCU) investiga suspeita de irregularidades em um programa social da Petrobras que destinou R$ 300 milhões para a doação de botijões de gás de cozinha e cestas básicas para famílias em situação de vulnerabilidade, mantidas em 2022, ano eleitoral.

Uma auditoria da Corte apontou diversas irregularidades sem a abertura de licitação, como “extrapolação dos limites de dispêndio financeiro em ações que geram a divulgação de imagem da estatal em ano eleitoral” e “execução orçamentária de doações iniciada em ano eleitoral”.

Dos R$ 300 milhões gastos no período de 15 meses no programa, R$ 30 milhões foram repassados no fim de 2021 e os R$ 270 milhões em 2022. Ou seja, nove vezes mais ou 90% do valor foram aplicados ano de eleições presidenciais no Brasil.

O próprio site da empresa detalha os repasses, onde a estatal justifica o programa para mitigar o “crescimento significativo nos índices de desemprego no país, agravado pelo cenário de pandemia de COVID-19, declarada, em 11/03/2020, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que levou a um aumento do número de famílias em situação de vulnerabilidade social, atingindo mais de 14,7 milhões de famílias em extrema pobreza que enfrentam dificuldades para adquirir itens de primeira necessidade, como o GLP”.

A publicação segue dizendo que essas famílias vulneráveis estavam usando fontes de energia inadequadas para cozinhar, “ficando expostas a riscos para a saúde e segurança e comprometendo o seu bem-estar”.

Segundo relatório de fiscalização do TCU, ao qual o blog teve acesso, a estatal não tinha competência legal para autorizar doações em abrangência nacional e não foi encontrado alinhamento do programa com a Política de Responsabilidade Social da Petrobras para a liberação dos recursos, pois a doação de gás não é uma ação alinhada à Política de Responsabilidade Social da empresa.

O TCU aponta que as doações financeiras feitas pela Petrobras em 2022 contrariam a Lei das Eleições, porque as iniciativas geraram a “divulgação da imagem da empresa perante ao público em ano eleitoral, tendo o potencial de impactar na igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais de 2022” e cita o artigo 73 da lei, que define que “são proibidas aos agentes públicos, servidores ou não, as seguintes condutas tendentes a afetar a igualdade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais”.

O Tribunal de Contas ainda levou em consideração que a lei prevê apenas duas hipóteses excepcionais de distribuição gratuita de bens (doações) em ano eleitoral pela Administração Pública: calamidade pública ou estado de emergência e programas sociais autorizados em lei já em execução orçamentária no exercício anterior. Em 2022, ano eleitoral, a Corte afirmou que não havia decreto federal de calamidade pública ou emergência em vigência que fossem aplicáveis ao programa social.

No processo, a estatal alegou que o programa entrou em vigor no ano anterior e já em execução orçamentária. Mas para o TCU, mesmo que a autorização para os repasses pela Diretoria Executiva da Petrobras tenha ocorrido em 2021, cerca de 90% (R$ 270 milhões) dos recursos das doações do programa social tiveram a sua execução orçamentária iniciada em ano eleitoral.

O procedimento foi aberto em novembro de 2021 para acompanhamento do TCU. Além da auditoria e das fiscalizações feitas pela Corte, a Petrobras também se manifestou diversas vezes nos autos. A última movimentação no processo foi registrada em 3 de janeiro de 2023. O caso, no entanto, precisa ser pautado para votação no plenário do TCU e, por isso, ainda não há decisão sobre o processo, de relatoria do ministro Augusto Nardes.

O relatório da auditoria também sugere que a investigação seja encaminhada Ministério Público Eleitoral, responsável por decidir sobre o acompanhamento do programa em ano eleitoral e remeter o caso para a Justiça Eleitoral.

O ex-presidente da estatal Caio Paes de Andrade é citado como o responsável pela empresa no processo. Ele esteve à frente da estatal de junho a dezembro do ano passado, período da campanha eleitoral, após ter sido indicado por Jair Bolsonaro. A Petrobras está vinculada ao Ministério de Minas e Energia e é uma empresa pública de capital aberto, com participação de outras empresas privadas e do Estado, o Estado o titular da maior parte das ações.

A estatal foi procurada para comentar a investigação do TCU, mas até o momento não se manifestou sobre o assunto.

Um comunicado publicado no site da estatal em dezembro de 2021 informava que o Conselho de Administração da Petrobras havia aprovado “a destinação dos R$ 270 milhões que serão utilizados ao longo de 2022 no programa social de acesso a botijões de gás de cozinha (gás liquefeito de petróleo – GLP) a famílias em situação de vulnerabilidade”.

A nota dizia ainda que valor era complementar aos R$ 30 milhões destinados em 2021, “totalizando R$ 300 milhões até o fim de 2022”, e que a Petrobras previa atuar em três linhas de ação para beneficiar até três milhões de pessoas, com doações de vale-gás, cestas básicas e até mesmo repasses em dinheiro para ONGs selecionadas sem a abertura de licitação.

Segundo o TCU, o programa foi criado “dentro de um contexto, no qual notícias divulgadas na imprensa demonstravam uma insatisfação social com os aumentos nos preços de venda de derivados de petróleo praticados pela Petrobras, em consonância com sua política de preços de paridade de importação.”

“O tema possui elevado interesse social, na medida em que visa à doação de gás de cozinha a famílias em situação de vulnerabilidade social em ano eleitoral. Ademais, a Petrobras deve se orientar, entre outras, pela Lei do Petróleo, Lei das Estatais, Lei das Sociedades Anônimas e Lei das Eleições, não lhe sendo permitida a realização de atos que não atendam a esses normativos e às condições neles estabelecidas.”, afirma o relatório de fiscalização do 1º ciclo de acompanhamento do programa social.

O documento confirma que “apesar do relevante problema público”, foram encontradas oito falhas na formulação e no desenho do programa, tais como:

ausência de competência legal para a estatal autorizar doações em abrangência nacional e não delimitada em sua área de influência
não alinhamento do programa com a Política de Responsabilidade Social da Petrobras e com as boas práticas atuais de responsabilidade social organizacional;
ausência de demonstração de vantajosidade socioeconômica de operacionalização do programa por meio de doação financeira a determinadas instituições sem histórico de parceria com a estatal;
extrapolação dos limites de dispêndio financeiro em ações que geram a divulgação de imagem da estatal em ano eleitoral;
execução orçamentária de doações iniciada em ano eleitoral;
ausência de motivação para incorporação de cestas básicas nas doações no programa social;
ausência de ampla publicidade dos termos de doação do programa; não divulgação de vínculo do programa com outra ação governamental;
risco de sobreposição dos beneficiários do programa social ou de duplicidade de benefícios e de não atingimento do público-alvo em termos quantitativo e qualitativo.

Em relação ao item 7, a Corte afirma que houve falta de transparência por parte da estatal ao não deixar claro que havia um vínculo do programa social com outro programa governamental, o projeto Brasileiros pelo Brasil da Fundação Banco do Brasil.

A fiscalização do TCU destacou que a Petrobras informou, na página do programa em seu site institucional, que o programa social não guardava relação com nenhum programa governamental, o que contraria a Lei de Acesso à Informação, que determina que as entidades do poder público devem assegurar a gestão transparente da informação.

G1