Preso na operação da PF contra Bolsonaro é miliciano

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Foto: Reprodução

A Polícia Federal (PF) decidiu nesta quarta-feira (3) convocar o major da reserva Ailton Barros, um dos presos na Operação Venire, para depor sobre o caso Marielle Franco. Em mensagens interceptadas pela PF, Barros confidenciou a Mauro Cid, ajudante de ordens de Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto, conhecer o mandante do assassinato da vereadora carioca.

“Eu sei dessa história da Marielle toda, irmão. Sei quem mandou [matar]. Sei a p… toda. Entendeu?”, disse Barros em uma troca de mensagens com Cid.

A intenção da PF é averiguar se as alegações do ex-major do Exército têm amparo na realidade ou se não passaram de uma bravata. Barros, que tem diversas fotos com o ex-presidente em suas redes sociais, concorreu a deputado estadual pelo PL do Rio no ano passado como o mote “01 do Bolsonaro” e recebeu 6.545 votos, terminando como suplente.

Segundo os autos da investigação, a declaração sobre a morte de Marielle ocorreu durante uma conversa entre Barros e Cid a respeito de uma contrapartida ao ex-vereador do Rio Marcello Siciliano (PP). De acordo com a PF, o político foi o principal articulador da falsificação da carteira de vacinação da mulher do auxiliar de Bolsonaro, Gabriela Santiago Cid, no sistema do SUS no estado do Rio.

O ex-major do Exército argumentou junto a Cid que seria importante retribuir a ajuda de Siciliano, que à época estaria enfrentando dificuldades em conseguir um visto dos Estados Unidos após ter tido seu nome envolvido nas investigações da execução de Marielle ainda em 2018.

“Esse garoto que vem falar aqui agora… Eu, é… É assim, muito forte de resolver. Ele, ele é um político, né, vereador aqui do Rio de Janeiro. Sabe como resolve, né? E é. E foi para isso também que eu pedi para você para ver se a gente consegue botar ele de frente com… Com o cônsul americano aqui”, disse Barros em um áudio enviado para Mauro Cid. “Ele é a minha opção mais forte de resolver essa questão da, do, da, da nossa amiga, entendeu?”.

Marielle Franco, quarta vereadora mais votada do Rio nas eleições de 2016 e eleita pelo PSOL, foi morta a tiros no bairro do Estácio, no Centro do Rio, em 14 de março de 2018. Seu motorista, Anderson Gomes, também acabou morto no atentado. Dois matadores com vínculos milicianos apontados pelas investigações como os assassinos estão presos desde 2019, os ex-policiais Ronnie Lessa e Élcio Queiroz.

Siciliano, apontado por investigações da Polícia Civil fluminense como um político ligado a uma milícia que controla áreas na Zona Oeste do Rio, foi a primeira pessoa apontada como possível mandante do crime junto do ex-policial militar e miliciano Orlando Oliveira de Araújo, o Orlando Curicica.

A hipótese acabaria descartada pelo Ministério Público fluminense e pela polícia, que viram na denúncia, realizada por um policial militar também suspeito de envolvimento com grupos paramilitares, como uma tentativa de obstruir a Justiça com pistas falsas.

Ainda no diálogo com Mauro Cid, Ailton Barros dá a entender que não vê relação entre a citação de Siciliano no caso Marielle e os problemas consulares três anos após a denúncia infundada, mas se coloca à disposição para ajudar por considerá-lo um injustiçado.

“De repente nem precisa falar com o cônsul. Na neurose da cabeça dele [Siciliano], que ele já vem tentando resolver isso a bastante tempo, manda e-mail e ninguém responde, entendeu? Então, ele partiu para a direção do do cônsul, que ele entende que é quem dá a palavra final. Mas a gente sabe que nem sempre é assim, né?”, afirmou Barros no áudio interceptado pela PF.

“Então quem resolva, que resolva o problema do garoto, entendeu? Que tá nessa história de bucha [bode expiatório de um crime]. Se não tivesse de bucha, irmão, eu não pediria por ele”, completou.

Embora não diga quem teria mandado matar Marielle, em outro trecho do diálogo, ocorrido no dia 30 de novembro de 2021, o ex-major do Exército diz que a denúncia contra Marcello Siciliano “está na conta” da família Brazão, que disputava com o então vereador o mesmo curral eleitoral na Baixada de Jacarepaguá e também, segundo a Justiça, a grilagem de terrenos na região.

Principal expoente do clã político, Domingos Brazão, foi apontado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 2019 como o mandante da execução do crime. Em 2020, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) repassou o caso para o Tribunal de Justiça do Rio, que somente em março deste ano decidiu não acolher a denúncia contra Brazão no caso Marielle.

A citação da morte da vereadora nos diálogos entre Ailton Barros e Mauro Cid emergiu como uma consequência inesperada da operação Venire, que, como se sabe, se debruçou sobre um esquema de falsificação de comprovantes vacinais gestado dentro do Palácio do Planalto.

A PF aponta Barros como o elo direto com Siciliano, que viabilizou a inclusão de vacinas falsas no cadastro da mulher de Mauro Cid no ConecteSUS. A plataforma do Ministério da Saúde passou a indicar que Gabriela Santiago Cid recebeu duas doses da Pfizer em um posto de saúde em Duque de Caxias (RJ) em 2021. A quebra de sigilo telemático indicou que ela não estava no município da Baixada Fluminense nas datas indicadas no sistema.

Não se sabe se Cid chegou a viabilizar uma reunião entre Marcello Siciliano e o cônsul dos EUA no Rio, mas o então ajudante de ordens de Bolsonaro se colocou à disposição para ajudar o ex-vereador acusado de ligações com milícias cariocas. “Deixa comigo, coronel (sic). Vamos ver, vamos ver o que eu consigo aqui”.

O Globo