Assassinos de cinegrafista em 2013 seguem impunes

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Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal G1

No dia 6 de fevereiro de 2014, o repórter cinematográfico Santiago Ilídio Andrade saiu do endereço onde morava durante a semana, na travessa do Leme, para fazer trabalhar. Ele fazia a cobertura de uma manifestação no Rio — era mais uma de uma série iniciada em junho de 2013 em várias capitais brasileiras.

Inicialmente, o movimento começou em São Paulo com manifestações de rua contra o reajuste da tarifa do ônibus, que à época, aumentaria 20 centavos. Rapidamente os protestos se espalharam por outras cidades do país, dando vazão a uma ampla insatisfação popular com outras demandas, como a revolta pela realização da Copa do Mundo em 2014, as denúncias de corrupção na política e o governo de Dilma Rousseff (PT). Depois dos atos de junho de 2013, que expuseram um descontentamento generalizado com a classe política, vieram a Operação Lava Jato, o impeachment de Dilma, a popularização de Bolsonaro e o fortalecimento da extrema-direita no país.

Naquele dia, Santiago não se despediu da esposa, Arlita, com quem vivia havia 30 anos. Horas depois, foi atingido por um rojão na cabeça na Central do Brasil. Morreu três dias depois, aos 49 anos.

Quase 10 anos após sua morte, a família ainda espera por um júri popular. O julgamento estava previsto para acontecer em 2019, mas foi suspenso após um habeas corpus das defesas de Caio Silva de Souza e Fábio Raposo.

“A gente não fecha um ciclo. Ainda que a vida continue, essa página nunca vai ser virada. Enquanto isso não se resolver, ela não vira”, diz Vanessa.
Os advogados dos réus pediram que o júri não fosse marcado enquanto o juiz responsável pelo caso não tivesse acesso à íntegra das imagens da câmera de Santiago Andrade no dia do crime. O pedido foi aceito pelo desembargador Gilmar Teixeira, da 8ª Câmara Criminal, que concedeu o habeas corpus.

Raposo é acusado de entregar o rojão para Caio, que acendeu e deixou o artefato no chão. Atingido pelo explosivo, Santiago morreu no dia 9 de fevereiro.

O júri popular foi definido após uma decisão do Superior Tribunal de Justiça em 2016.

Caio e Fábio Raposo Barbosa respondem pelos crimes de homicídio doloso qualificado e explosão cometidos contra o repórter cinematográfico da TV Bandeirantes.

A defesa de Fábio Raposo, a única que quis se manifestar, afirma que o delito não foi doloso, e sim culposo — quando não há intenção de matar

No dia de mais uma manifestação contra o aumento do preço dos transportes, Arlita estava na creche que administra, na Ladeira do Leme.

Vanessa, que era assessora de imprensa da Polícia Militar, acompanhava câmeras que filmavam o protesto na Central do Brasil.

Os grandes protestos que começaram em junho de 2013 tiveram, com o passar dos meses, uma diminuição de público. A tensão, no entanto, só aumentava, com conflitos entre manifestantes e policiais.

Segundo Vanessa, com o clima hostil, aumentava também a preocupação com a segurança de quem trabalhava nos protestos.

“Desde 2013 quando isso se acentuou até a morte dele foi só acentuando a nossa preocupação com essas manifestações. Ele me passava muito essa questão de equipamento de segurança, que havia uma deficiência das emissoras em geral”, contou.
Arlita, por sua vez, disse que Santiago não perguntou o que ela faria para o jantar nem se despediu, como fazia todos os dias. Já por volta das 20h, percebeu que o marido tinha se atrasado. Mesmo preocupada, ligou para Santiago e disse, com bom humor:

“Eu falei: ‘Amor, perdeu o caminho de casa?’. Aí o rapaz que atendeu falou: ‘Não, eu sou o colega dele. Ele sofreu um acidente muito grave’.”, contou.

Àquela altura, Vanessa já estava no Hospital Souza Aguiar, no Centro, ainda sem saber da gravidade do caso.

“Começaram a chegar pessoas que eu nunca vi, me dando coisas. ‘Toma aqui: camisa, aliança’, e eu ficava: mas o que está acontecendo?”, relembra.

Vanessa acompanhou toda a luta do pai para continuar vivendo, até receber uma ligação no dia 9 de fevereiro: era o início do procedimento para decretar a morte encefálica de Santiago. Naquele dia, ela se despediu do pai, que teve a morte confirmada no dia seguinte.

“Eu deitei com ele na cama, ele estava bem quentinho, respirando pelo aparelho. Ter essa lembrança como se fossem os últimos suspiros dele, mesmo que fossem mecânicos…Eu consegui vivenciar aquele momento” contou.

Fábio Raposo foi preso no mesmo dia em que Santiago teve o protocolo de morte encefálica iniciado. Caio Silva de Souza só foi encontrado na Bahia no dia 12 de fevereiro, após ter viajado de ônibus para fugir da polícia do Rio. Vanessa disse que só depois disso conseguiu vivenciar o luto pela morte do pai.

E desabafou sobre as acusações contra a dupla que acendeu e disparou o rojão.

“A partir do momento que você sai de onde você está, da sua casa, preparado para ir para uma manifestação, de forma violenta, levando um rojão para jogar, eles aceitam o risco. Foi o meu pai, mas poderia ter sido qualquer pessoa”, afirmou.

Caio e Fábio ficaram presos até 2015, quando foram soltos por conta de um habeas corpus. Na época, a viúva de Santiago ficou revoltada com a soltura de ambos.

“Até hoje eu fico pensando: o que que deu na cabeça deles?”, lamentou Arlita.

Em 2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o caso iria a júri popular, que ainda não ocorreu.

“10 anos depois, estou lutando por justiça. Ainda que eu entenda que eles vão ser condenados, aguardo ansiosamente por um júri que defina isso”, comentou Vanessa.

O advogado Wallace Martins, que representa Fábio Raposo, diz que não houve dolo por parte de seu cliente.

“Não vamos manejar recursos. Fábio e Caio estão comparecendo regularmente em juízo, de forma mensal. Falta uma prova para a realização do Júri. Nossa tese sempre foi a absoluta inexistência de dolo eventual. O delito na espécie é o culposo, não o doloso”, afirmou.

Já a defesa de Caio Silva de Souza não quis se manifestar sobre o andamento do processo.

G1