Com economia reagindo, Lula volta a ter “sorte”

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Foto: Paulo Lopes/Futura Press/Estadão Conteúdo

Aqui e ali se vai recuperando a tese esfarrapada da “sorte de Lula”. A conversa é mais frequente nos comentários de analistas — e o que produzem deveria estar em latinhas em laboratório de análises… clínicas! — que previam até há coisa de dois meses o desastre a que o Brasil estaria condenado sob a condução do petista. Se procurarem, acharão textos de irresponsáveis a especular até mesmo sobre o impeachment… Nem o presidente recusou tal condição, o que é compreensível, não é? Quem é que gosta de ser considerado aquele que está sempre sombreado por uma nuvem de desditas? Dedico coisa de 16 horas do meu dia ao trabalho — incluindo o tempo de leitura. E prefiro que digam “Reinaldo tem sorte”… O tema é caro à literatura política. O príncipe, escreveu Maquiavel, pode conquistar o reino por Fortuna — o conjunto de circunstâncias que não são de sua escolha (herança, por exemplo.) ou por “virtù”. Sim, é a nossa “virtude”. Em “O Príncipe”, no entanto, não se deve entender o termo como a inclinação para o bem, mas como a propriedade de adequar as ações às circunstâncias. E havia ainda aqueles, lembrou o autor, que chegavam ao poder por meio do crime. Até estes poderiam se dar bem se soubessem ajustar as suas ações à realidade.

Lula soube ler essas circunstâncias com mais sabedoria do que seus adversários e do que seus críticos. E se entregou, convenham, a uma luta verdadeiramente épica. Ainda hoje vejo os enfezados a fazer pouco caso de um ex-presidente que foi condenado sem provas no âmbito de uma operação eivada de atos criminosos; que passou 580 dias encarcerados e que, no cumprimento estrito, ainda que tardio, da lei, se livrou dos processos e venceu uma disputa eleitoral que, até 2019, não estava no radar nem de aliados nem de adversários. Conseguiu, em suma, adequar com mais acerto as ações de sua escolha às circunstâncias que outros haviam escolhido. Uma vez eleito, coube-lhe afastar um entendimento desastrado de “corte de despesas e controle da dívida” — aquele que ajudou a fazer mais de 30 milhões de esfomeados e que destruiu programas sociais essenciais — e liderar a aprovação da PEC da Transição. Sempre debaixo da pancadaria promovida pelos “analistas das latinhas”. Veio depois a jornada do novo arcabouço fiscal. E, mais uma vez, ouviu-se um alarido arruaceiro contra a proposta porque, dizia-se, ela poria a dívida numa trajetória que empurraria o país para o insustentável. Santo Deus! Eu não estou falando de uma conversa da década passada ou, sei lá, de dois anos atrás… Não! Se voltarem aos arquivos de há dois meses, lá estão as Cassandras às avessas a fazer previsões que não se cumpriram nem se cumprirão. Bem, já se sabe que o Brasil vai crescer mais do que se previa. A Balança Comercial caminha para mais um recorde em razão da demanda internacional — especialmente China —, o que também não se fez da noite para o dia. A verdade é que o preconceito ideológico e o “extremismo de centro” se negou a reconhecer o que a mim e alguns outros, bem poucos, parecia claro, óbvio até: Lula fazia escolhas certas, dadas as circunstâncias, inclusive ou muito especialmente as más. O nome da “sorte” de Lula é a capacidade de fazer uma leitura da realidade mais competente do que a de seus críticos e adversários. Aquele que deveria estar liderando a oposição está por aí a anunciar que leu a bula de vacinas e descobriu que elas trariam grafeno, que se acumularia nos testículos e nos ovários. Depois se desculpou. O TSE vai declarar em breve a sua inelegibilidade. Já a perspectiva da economia do Brasil — que Lula destruiria — saiu da condição de “estável” para “positiva” na avaliação da Standard & Poor’s, a mais importante agência de classificação de risco do mundo. E o arcabouço teve peso definitivo nesse juízo. Essa economia, segundo um analista da Bloomberg, “está ainda melhor do que parece”. Evocar agora a “sorte” de Lula corresponde a tentar se esconder na moita dos próprios erros, ou o presidente seria o homem mais poderoso da Terra. Bafejado pelo destino e pela aleatoriedade do destino — que, no seu caso, atuaria só para o bem —, teria o condão de mudar a realidade, inclusive a internacional. Não dá! Em casos assim, só resta dizer: “Estávamos errados; fomos tragados por nosso próprio preconceito. Assim como Lula não deve à sorte as boas notícias na economia, não devemos as nossas análises erradas ao infortúnio. Não é por falta de sorte que escrevemos aquelas coisas, mas por falta de objetividade e de apreço pelos fatos. Acusamos Lula de viés ideológico e de compromisso com o atraso, e a verdade é que atrasados estávamos nós, porque deixamos de considerar todos os fatores que contradiziam as nossas sentenças”. Lula embarca nesta segunda à noite Itália, Vaticano e França. Encontra-se com o papa Francisco na quarta. Antes, tem agenda com o presidente italiano, Sergio Matarella, e com o prefeito de Roma, Roberto Gualtieri. Segue depois para a Cúpula sobre o Novo Pacto Financeiro Global, que se realiza nos dias 21 e 22, em Paris. O encontro terá como temas principais a reforma dos bancos multilaterais de desenvolvimento — só de ouvir falar em BNDES, por aqui, a turma das latinhas vira o nariz — e o financiamento de tecnologias de baixo carbono. Lula discursa na quinta e encontra Emmanuel Macron na sexta. O entendimento com a França é vital para o acordo Mercosul-União Europeia. O brasileiro já disse aqui, em solo pátrio, em evento com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que não aceita que a ameaça de punição ao agro brasileiro seja precondição para o entendimento. Seu antecessor preferia dar pistolas a agrotrogloditas… Ah, sim: na quinta, enquanto o presidente discursa na Cúpula sobre o Novo Pacto Financeiro Global, o TSE começa a o julgamento que tornará Bolsonaro inelegível. Não por má sorte, mas por escolhas que fez.

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