Cotas na UnB completam 20 anos

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Foto: Hugo Barreto/Metrópoles

Nesta terça-feira (6/6), a política de cotas na Universidade de Brasília completa 20 anos – a primeira do país. A data é marcada pela aprovação do Plano de Metas para Integração Social, Étnica e Racial da UnB, que estabeleceu 20% das vagas do vestibular para candidatos negros, além de disponibilizar cadeiras para indígenas de acordo com demanda específica.

Conheça a história da primeira indígena a se formar por cotas no país.

Desde a aprovação, o cenário na instituição de ensino mudou. Dos 39.116 alunos matriculados, 13.354 são cotistas ativos na graduação, o que corresponde a 34% dos alunos pelo sistema. Aprovada em 2003, a medida entrou em vigor no ano seguinte. A servidora pública Bruna Rosa Barreto Fonseca, 40 anos, foi da primeira turma, ainda em 2004, a passar na UnB. Desde então, 6.874 alunos já se formaram pelo modelo de políticas públicas.

“Fazer filosofia era um sonho para mim e só consegui realizá-lo com as políticas de cotas”, disse Bruna. Formada em filosofia e direito, atualmente é servidora da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. Desde 2001, ela já participava de coletivos e movimentos negros em busca da inclusão no ensino superior. “Quando eu entrei e outros estudantes entraram, foi perceptível a mudança de cor dentro da universidade”, ressaltou.

Atualmente, mais da metade da Universidade de Brasília é formada por pessoas negras e pardas. De acordo com o Censo da Educação Superior 2021, naquele ano havia 41.983 estudantes, sendo 24.585 pardos e 2.864 negros. A UnB destaca que os números do censo representam o perfil de pessoas que se autodeclaram e não necessariamente são cotistas.

“Eu sou uma mulher negra retinta e nunca tive dúvidas quanto ao racismo e o quanto impactava também nos nossos acessos”, acrescentou Bruna. Ela contou que tinha tentado ingressar na UnB pelo vestibular e pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS), mas sem sucesso. “É um programa muito importante que se mantenha para que jovens negros possam realizar seus sonhos também.”

Também cotista, a doutoranda Maíra de Deus Brito, 36, destacou a importância da política das cotas em toda a sua formação. A pesquisa de mestrado dela, por exemplo, resultou no livro “Não. Ele não está”, sobre o genocídio da população negra, com mais de 600 cópias vendidas.

“Ou seja, uma política pública possibilitou que eu entrasse na universidade pública, fizesse minha pesquisa – que de tão importante se tornou livro. Uma ação desencadeou uma série de reações muito impactantes para mim e para toda comunidade negra acadêmica ou não”, frisou.

No doutorado pela Universidade de Brasília, Maíra investiga a conexão de mulheres negras de axé, do samba e do candomblé. “Esses temas já foram desenvolvidos no passado, mas há poucas pesquisas que unem esses três elementos. Mais uma vez, as cotas permitiram que eu fizesse algo relativamente inédito na área acadêmica.”

Além de fazer o doutorado, Maíra é professora no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), uma das instituições de ensino particulares mais renomadas do Distrito Federal.

“Acho importante frisar que, assim como eu, há outros e outras estudantes negras que foram cotistas e hoje produzem trabalhos incríveis. As cotas são importantes e devem continuar como política pública até quando for necessário. As desigualdades raciais ainda são persistentes no Brasil, mas é possível virar esse jogo.”

A professora da Faculdade de Comunicação Dione Moura foi a relatora do Processo de Implementação das Ações Afirmativas que incluiu negros e indígenas dentro da Universidade de Brasília há 20 anos. “Hoje, o projeto é um sucesso enquanto política pública”, defendeu a docente.

Para Dione, é preciso perceber que as cotas não se trata de um benefício para a comunidade negra. “Eu posso falar que é um privilégio que as pessoas possam conviver com a realidade dos alunos, é um ensinamento, uma mudança de ponto de vista de pessoas que talvez nunca tivessem esse contato com uma parte do Brasil.”

Ela lembrou que foi um desafio elaborar o protocolo que seria o primeiro edital com cotas. “Nós fizemos inúmeras reuniões e com todas as áreas possíveis. Fomos sabatinados no Congresso, participamos de audiências com procuradores. O plano era criar um modelo que tivesse todo o respaldo constitucional possível, porque dali sabíamos que viriam os outros para o país.” Em 2012, o modelo de cotas passou a ser obrigatório no território nacional, instituído pela Lei Federal nº 12.711.

“Para elaborar esse debate, tivemos representantes de conselhos de pesquisadores e professores, tivemos representantes do movimento estudantil”, frisou. De acordo com a professora, vários estudos foram feitos para embasar a pauta. “A gente analisava a nota do aluno que ficava em primeiro lugar no vestibular e o que ficava em último, por exemplo, depois a gente acompanhava o rendimento e percebia, mais de uma vez, que a nota do vestibular não significava um desempenho melhor.”

A docente ainda destacou que o resultado das ações de políticas públicas aparece com o decorrer dos anos. “Uma pessoa demora em média de quatro a sete anos para se formar, dependendo do curso, depois disso ela passa 30 anos exercendo a profissão e devolvendo à sociedade o que ela aprendeu. Pode parecer um tempo longo, 20 anos de políticas de cotas, mas, na verdade, agora estamos tendo os primeiros resultados”, concluiu.

“Ao longo das duas décadas, pudemos testemunhar inúmeros casos de sucesso que comprovam a eficácia e a importância das cotas raciais. Estudantes que antes enfrentavam barreiras e obstáculos intransponíveis agora têm a oportunidade de ingressar e se destacar em cursos de graduação, mestrado e doutorado na UnB”, salientou a reitora da Universidade de Brasília, Márcia Abrahão.

A responsável pela instituição de ensino destacou que, mais do que uma política de acesso, é um instrumento de transformação social. “Além de garantir representatividade étnico-racial em nossos espaços acadêmicos, as cotas têm contribuído para a diversificação do conhecimento produzido em nossa Universidade”, destacou Abrahão. A reitora defende o modelo para “ampliar a pluralidade de vozes e perspectivas”. “Criamos um ambiente mais propício para o diálogo intercultural e a compreensão mútua. Essa diversidade enriquece o ensino, a pesquisa e a extensão, impulsionando a produção de conhecimento crítico e inovador”, acrescentou.

Em 2021, 11.547 estudantes entraram nos cursos de graduação da Universidade por meio desse sistema. Em 2020, o modelo de cotas foi aprovado para os cursos de pós-graduação. “Neste ano, encaminhamos para discussão na nossa comunidade proposta que busca ampliar o percentual de docentes negras e negros na UnB. Esperamos aprová-la em breve”, defendeu a reitora.

Metrópoles