Ex-ministros de Bolsonaro o acusaram secretamente

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Foto: MAURO PIMENTEL/AFP

Depoimentos de ex-ministros de Jair Bolsonaro ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) reforçam os principais argumentos do relator, ministro Benedito Gonçalves, em seu voto pela inelegibilidade do ex-presidente por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação no julgamento em curso na Corte. O ex-chanceler Carlos França afirmou que a reunião com embaixadores, na qual Bolsonaro atacou, sem provas, o sistema eleitoral, e que se tornou o cerne do principal processo contra ele, foi um pedido da Presidência. Já Anderson Torres, ex-titular da Justiça, disse que, apesar de ter participado de uma live em que o então presidente fez acusações sobre fraudes nas eleições, nunca teve acesso a qualquer informação da Polícia Federal sobre manipulação de resultados eleitorais.

Os depoimentos ocorreram em caráter sigiloso e foram obtidos pelo GLOBO. França estava à frente do Ministério das Relações Exteriores na ocasião do encontro com os diplomatas, em julho de 2022, no Palácio da Alvorada. Em diversos momentos ele afirmou que a reunião foi realizada “por iniciativa” da Presidência e que ocorreu porque “julgou-se que era papel da Presidência da República se manifestar diretamente aos chefes de missão” de outros países no Brasil.

Em outro trecho do depoimento, prestado em 19 de dezembro de 2022, França argumentou que a intenção de Bolsonaro com a reunião era “manifestar a posição do Executivo em relação à busca de critérios de transparência”.

Perguntado pelo então juiz auxiliar da presidência do TSE, Marco Antônio Martim Vargas, sobre quem decidiu organizar a reunião, o ex-ministro negou que a ideia tenha partido do Itamaraty:

— Foi uma decisão da Presidência da República.

Ao tratar dos questionamentos da defesa de Bolsonaro, o ex-ministro reconheceu que a opção pelo Alvorada — residência oficial da Presidência — “despertou preocupação” para “evitar um caráter oficial ou de promoção do presidente que também era candidato”.

A jurisprudência do TSE afirma, a partir de diversos precedentes, que “a caracterização do abuso de autoridade (…) exige que haja ruptura do princípio da impessoalidade com a menção na publicidade institucional a nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos”.

A transmissão ao vivo do encontro pela TV Brasil e plataformas oficiais do governo nas redes sociais também foi citada pelo Ministério Público Eleitoral, ao defender a condenação de Bolsonaro, como uma prova de que houve abuso de poder político.

No julgamento que será retomado hoje, o TSE analisa ação do PDT que pede a inelegibilidade de Bolsonaro e do vice em sua chapa, Braga Netto. Na terça-feira, ao votar pela condenação do ex-presidente e pela absolvição do general, Gonçalves apontou elementos que, na sua avaliação, mostram que Bolsonaro foi responsável direto pelo encontro com os embaixadores.

A sessão hoje começa com o voto do ministro Raul Araújo, visto por aliados do ex-presidente como a principal esperança para adiar o resultado. Mas, ao tomar a palavra na terça-feira, ele pediu apenas que o julgamento fosse suspenso e reiniciado hoje pelo “adiantado da hora”. Para integrantes do TSE, o comportamento do ministro sinaliza que ele não deve pedir vista — caso pretendesse fazê-lo, não solicitaria o prosseguimento da análise na sessão seguinte.

No primeiro dia de julgamento, há uma semana, o advogado de Bolsonaro, Tarcisio Vieira, sustentou que a reunião com os embaixadores foi um ato de governo e que o caso deveria resultar apenas em multa ao ex-presidente.

Em outro complicador para Bolsonaro, Anderson Torres afirmou, em seu depoimento ao TSE, que nunca teve acesso a qualquer informação sobre a manipulação de resultados eleitorais. Em seu voto, Gonçalves sustentou que Bolsonaro foi “pessoalmente responsável” pela campanha de descrédito da Justiça Eleitoral.

— A Polícia Federal nunca apresentou, pelo menos para mim, o resultado de alguma investigação que concluísse, que pudesse garantir que existia fraude na eleição — disse Torres.

O ex-ministro passou a maior parte do depoimento respondendo sobre sua participação em uma live em 2021. Nela, Bolsonaro fez diversas acusações infundadas de fraudes às urnas.

Segundo a colunista do GLOBO Bela Megale, Torres mudou de estratégia e decidiu comparecer na CPI dos Ataques Golpistas. Ele planejava apresentar um atestado médico. A data ainda não foi marcada.

O Globo