Extrema-direita planeja descartar Bolsonaro

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Foto: Cristiano Mariz/O Globo

O ex-presidente Jair Bolsonaro terá dificuldades em repetir o desempenho do presidente Luiz Inácio Lula da Silva como protagonista das eleições, mesmo tornado inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Corte examina atualmente uma ação apresentada pelo PDT que pode deixar Bolsonaro fora das urnas até 2030.

Em 2018, Lula estava preso e não concorreu, mas apresentou-se como candidato, esperou a candidatura ser indeferida e então impôs Fernando Haddad como o candidato do PT. A transferência de votos foi expressiva, ainda que não total: Lula liderava as pesquisas no momento em que sua candidatura foi negada, obtendo índices entre 30% e 39%, e Haddad conseguiu 29% dos votos válidos no primeiro turno.

Dos cinco especialistas ouvidos pelo Valor sobre o destino eleitoral do ex-presidente, nenhum aposta na repetição deste cenário. O entendimento é que o conservadorismo no Brasil segue muito forte, mas o herdeiro do bolsonarismo deve ser conhecido com mais antecedência e Bolsonaro terá menos margem para escolher a quem deve dar seu apoio do que Lula teve.

Duas razões são apontadas: a distância em relação à disputa presidencial, que só ocorrerá daqui a três anos, e a existência de herdeiros naturais no campo da direita, como os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), e do Paraná, Ratinho Junior (PSD).

Ninguém fica acendendo vela para santo que não faz mais milagre”
— Antonio Lavareda

São circunstâncias diferentes das de 2018. Lula foi tornado inelegível em janeiro daquele ano, quando a sua condenação em primeira instância por corrupção, posteriormente anulada, foi confirmada por órgão colegiado. Faltava também à esquerda o controle de governos estaduais e prefeituras de capitais fora do Nordeste.

As opções no campo da centro-esquerda fora do PT, como Ciro Gomes (PDT) e Marina Silva (Rede), estavam distanciadas de Lula e entre si. A prisão de Lula em abril, depois de uma tensa votação no Supremo Tribunal Federal e uma vigília de três dias no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, revestiu o quadro de dramaticidade.

“A esquerda dependia e depende muito mais de Lula do que a direita de Bolsonaro”, comentou o economista Mauricio Moura, do Instituto Ideia, que no fim de maio coordenou uma pesquisa sobre o destino da direita, em parceria com o Instituto Locomotivas e o Zeitgeist Public Affairs. O cientista político Carlos Melo, do Zeitgeist, destaca que 54% dos bolsonaristas entrevistados na última semana de maio se mostravam dispostos a votar em um candidato conservador independentemente de ter ou não apoio de Bolsonaro.

“O antipetismo não é necessariamente bolsonarista. Ele tende a se aglutinar em torno do polo que oferecer melhor alternativa”, acredita Melo. A pesquisa concluiu que a presidente do PL Mulher, Michele Bolsonaro, esposa do ex-presidente, é o nome que desponta com maior preferência entre os eleitores bolsonaristas, pelo “recall” de 2022, “mas a lógica de dois turnos torna Tarcísio de Freitas mais competitivo”, opinou.

Levantamento mais recente feito pela empresa Quaest em encomenda do Banco Genial, com entrevistas feitas entre 15 e 18 de junho, indicou que entre os eleitores bolsonaristas 64% mostram-se mais inclinados a escolher um candidato que tenha o apoio do ex-presidente, mas 33% opinam que Bolsonaro deveria apontar o governador de São Paulo como herdeiro, enquanto 24% sugerem Michelle.

Para Felipe Nunes, da Quaest, a inelegibilidade deve manter mobilizado o eleitor que já é bolsonarista, mas não aumentar sua força no eleitorado. Para ele, neste aspecto a situação de Bolsonaro é semelhante a de Lula em 2018. “O erro está em achar que Lula se fortaleceu depois de condenado e preso, ele já era muito forte”, comenta.

O pesquisador acredita que a inelegibilidade pode ter efeito na eleição dos maiores centros urbanos no próximo ano. “Em 2024 haverá dois tipos de eleição municipal: nas cidades pequenas e médias questões locais prevalecem. Nas grandes deve haver uma nacionalização do quadro e o apoio bolsonarista será relevante para qualquer conservador competitivo. O bolsonarista vai ficar mais motivado e engajado”, acredita.

Tanto a pesquisa da Quaest quanto a do Ideia indicam que o eleitorado pouco se moveu em relação ao ano passado, quando Lula obteve 51% dos votos no primeiro turno e Bolsonaro 49%. Na visão de Moura, a oscilação hoje seria da ordem de meio ponto percentual para cada lado. No levantamento da ideia, somente 5% dos bolsonaristas e 7% dos lulistas manifestaram arrependimento em relação ao voto dado no segundo turno. De acordo com a Quaest, 97% dos que votaram em Lula manteriam e voto e 93% dos que preferiram Bolsonaro. É um quadro “calcificado”, de acordo com Nunes.

A diferença está no que move a opção por um e por outro. Ao contrário do que acontece com o eleitor lulista, em que a identificação pessoal supera a questão ideológica, no caso do eleitor bolsonarista os marcadores conservadores estão claros.

“Bolsonaro como figura divide a própria base, pelo que representa de radicalismo e violência. Mas os valores que ele representa continuam muito ativos e dinâmicos”, comenta a cientista social Esther Solano, da Unifesp, que acompanhou pesquisas qualitativas com bolsonaristas. Ela enumera alguns destes valores:

“Temos a politização da religião, a lógica antissistema, a reação contra a pauta identitária, o antipetismo. Tudo isso vai subsistir e pode ser disputado por um representante do bolsonarismo 2.0, ou de um pós-bolsonarismo”, comentou. Para Solano, Tarcísio “surge como grande herdeiro”, mas correndo o risco de fraturar o campo, na hipótese de não conseguir o apoio dos mais radicalizados.

Para Antonio Lavareda, do Ipespe, Bolsonaro deve participar ativamente do processo da eleição municipal de 2024, se apresentando como uma vítima do sistema e retomando a retórica outsider. Mas deve esbarrar no pragmatismo do eleitor. “A perda de expectativa do poder deprecia o valor do apoio paulatinamente. Ninguém fica acendendo vela para santo que não faz mais milagre”, comentou.

Ele sustenta que este fenômeno aconteceu com o próprio Lula em 2018: a medida em que o eleitor tomou consciência de que o ex-presidente não poderia mais concorrer, paulatinamente desembarcou da adesão a ele. “O Lula perdeu adesão na pesquisa espontânea de forma abrupta naquele ano, referindo-se a um movimento registrado entre dezembro de 2017 e junho do ano seguinte.

Valor Econômico