Igreja Universal forma exército de PMs

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Foto: Reprodução

O templo da Igreja Universal do Reino de Deus localizado na avenida Brigadeiro Luís Antônio, zona oeste de São Paulo, recebeu na manhã de ontem um público diferente do costumeiro. Cerca de 700 integrantes do 11º Batalhão da Polícia Militar de São Paulo ocuparam praticamente todos os assentos. O estacionamento ficou lotado de viaturas. Além da solenidade de promoção e homenagens aos militares que se destacaram em suas funções, com entrega de medalhas, foi oferecida “assistência espiritual e valorativa” aos policiais, segundo a Universal informou no seu perfil do Instagram. Isso foi feito “através do momento de reflexão ministrado pelo pastor Roni Negreiros, que abordou temas atuais tendo como base na Palavra de Deus”.

A ação faz parte do programa Universal nas Forças Policiais (UFP), que tem como objetivo “prestar assistência espiritual, social e valorização humana aos integrantes das Forças de Segurança”. A controversa ligação entre a denominação religiosa e os PMs de várias regiões do país foi revelada pelos jornalistas Gilberto Nascimento e Tatiana Dias, em matéria publicada em maio, no site The Intercept. Segundo a assessoria de imprensa da corporação, o evento de ontem “foi realizado num espaço pertencente à Igreja Universal, que voluntariamente cedeu o local para a ocasião”, mas “não existe qualquer convênio da instituição com a igreja ou qualquer outra entidade religiosa, esportiva ou municipal que eventualmente ofertam espaços para eventos”. A PM alegou que esse tipo de utilização acontece quando é necessário “passar instruções a grupos maiores de policiais, que não são comportados em espaços pequenos, como foi o caso relatado”. O texto enviado à coluna não cita a participação de um pastor para prestar “assistência espiritual” aos integrantes da tropa. O próprio canal de YouTube da UFP tem o depoimento em vídeo do coronel Robson Cabanas, identificado como responsável pelo Centro de Comunicação Social da PM. Na peça, ele fala da parceria do programa da Universal com a PM de São Paulo: “A UFP está sempre junto da Polícia Militar, seja nos momentos de alegria como de dor. A gente sempre tem a presença da Universal para consolar os familiares nesses momentos duros”.

O oficial diz que a Polícia Militar tem os mesmos valores cristãos, por zelar pelo “rebanho” e trazer a “paz na Terra”, sempre “inspirada pelo poder divino”. A coluna perguntou à assessoria de imprensa da PM se alguma outra linha religiosa, como, por exemplo, a de matriz africana, teria espaço aberto para atuação semelhante. Até a publicação desse texto, essa questão não foi respondida. José Vicente da Silva Filho, coronel reformado da PM de São Paulo e ex-secretário nacional de Segurança Pública, acha equivocado que as instituições militares e policiais oficializem esse relacionamento com uma modalidade de crença. “Primeiro porque órgãos de Estado devem zelar pela condição de serem laicos. Segundo, não se pode obrigar policiais a ir ou assistir qualquer evento religioso, como dá a entender muitas das fotos”, diz Silva Filho. “Sabidamente há policiais de outras crenças ou que não professam nenhuma crença e são constrangidos a participar, tendo seus direitos cerceados. Terceiro, as crenças estão cada vez mais politizadas e a própria divulgação de marketing que fazem indicam posicionamento político. E, quarto, policiais precisam de ambiente salutar de trabalho em suas organizações e assistência psicológica, constituída por instrumental científico”. Para o especialista, a opção religiosa é individual, de forma que cada pessoa, policial ou não, escolha sua crença, “bem como o modo e momento de professá-la”. O coronel da reserva da PM do Rio e antropólogo Robson Rodrigues também critica a iniciativa. “Nada contra as religiões em si, mas tem um princípio republicano que precisa ser observado: o Estado é laico. Então acho que é problemático misturar essas coisas”, afirma. “Por mais que haja esse esforço de um tratamento ecumênico, você não vê isonomia, o mesmo tratamento para religiões de matriz africanas ou orientais”. Adailton Moreira, babalorixá do respeitado terreiro de candomblé Ilê Omijuarô, localizado em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, diz que esse tipo de abordagem não existe para os adeptos de religião afro. “O Estado é laico e quando está em serviço o policial é um agente público, independentemente de ser evangélico, católico ou do candomblé”, diz Moreira. “Há espaços adequados para cada um professar sua religião”. A Igreja Universal tem ligação direta com o partido Republicanos, o próprio presidente da legenda é bispo dessa denominação religiosa. O governador de São Paulo, que comanda a Polícia Militar, pertence à legenda.

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