Lei Padre Júlio combaterá “arquitetura hostil”

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Foto: Reprodução

O governo federal pretende regulamentar até o fim do mês de junho a lei que proíbe a aporofobia, por meio da “arquitetura hostil”. A proposta que ficou conhecida como Lei Padre Júlio Lancellotti proíbe as construções feitas para afastar dos espaços livres de uso público pessoas em situação de rua. O Ministério dos Direitos Humanos também indicará um canal de denúncias para envio de imagens e informações pela população.

Entre os exemplos de arquitetura hostil estão os espetos pontiagudos instalados em fachadas comerciais, pavimentação irregular, pedras ásperas, jatos de água, divisórias em bancos de praças e paradas de ônibus, cercas eletrificadas ou de arame farpado e muros com cacos de vidro.

Em 2021, o padre Júlio Lancellotti, religioso e coordenador da Pastoral do Povo de Rua de São Paulo, viralizou ao protagonizar uma cena em que tentava quebrar pedras instaladas pela Prefeitura de São Paulo embaixo de um viaduto. No mesmo ano, o Papa Francisco também denunciou a chamada “arquitetura hostil” contra os mais pobres.

O projeto foi aprovado pelo Câmara dos Deputados e pelo Senado. No entanto, o então presidente Jair Bolsonaro (PL) vetou a proposta, sob o argumento de que ela feria “a liberdade de governança da política urbana”. Depois, no fim do ano passado, o Congresso derrubou o veto, mas a medida ainda depende de regulamentação para ser colocada, de fato, em prática.

Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que 209,5 mil pessoas viviam nas ruas no Brasil até abril deste ano. A capital paulista representa um quarto dessa população, com 52 mil pessoas em situação de rua.

O diretor de promoção dos direitos da população em situação de rua do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Leo Pinho, explicou à GloboNews que desde o começo deste ano a pasta assumiu as tratativas e a articulação com outros ministérios, em especial o das Cidades, para regulamentar a lei.

Em uma segunda etapa, mais recente, os técnicos estiveram na cidade de São Paulo para ouvir o próprio Padre Júlio e sua equipe que monitora denúncias de aporofobia, com sugestões sobre caminhos que facilitem o acesso da população e o envio de denúncias de situações de arquitetura hostil, com fotos, vídeos e endereços.

Segundo Leo Pinho, durante a reunião, Padre Júlio Lancellotti mostrou diversas mensagens que recebe diariamente com relatos e indicação de endereços de espaços que serão proibidos pela lei. Entre as possibilidades estudadas para o envio das queixas estão o uso do Disque 100 ou a Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH), que já são conhecidos da população. O recebimento e avaliação das denúncias será feita pelo Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania.

A área jurídica do MDH deve finalizar os termos do canal de denúncias e a regulamentação, para enviar a versão final para aprovação do ministro Silvio Almeida. A publicação deve ser feita até o fim de junho, segundo o cronograma, em conjunto com uma campanha pública contra a aporofobia.

Outra meta é transformar as denúncias em políticas públicas para acolher as pessoas em situação de rua. “Infelizmente no Brasil nós temos aquela tradição das leis que pegam ou não pegam. Então, essa foi uma preocupação do padre Júlio e equipe. E a gente está justamente na etapa de pactuação do instrumento do recebimento dessas denúncias”, afirmou o diretor de promoção dos direitos da população em situação de rua.

“O que a gente vê é um fortalecimento do dispositivo de fiscalização estados e municípios. Porque essa lei não alterou as atribuições de fiscalização no Estatuto das Cidades. A gente tipificou a modalidade de arquitetura hostil, como se fosse um complemento. E ela não versa sobre a fiscalização. Não existe nenhuma mudança sobre a atribuição dos estados e municípios. Quem é o ator de cumprimento do Estatuto das Cidades são os municípios. E a ideia da regulamentação da Lei Júlio Lancellotti é o fortalecimento da interlocução do Ministério dos Direitos Humanos com os estados e municípios”.

Pelo Estatuto da Cidade, não cabe ao governo federal a tipificação das decisões sobre as punições da arquitetura hostil, como multas. Essa questão deverá ser definida pelos estados e municípios. Independentemente das sanções estabelecidas, todas as construções hostis que forem apontadas após a regulamentação estão proibidas e devem ser obrigatoriamente retiradas.

Para o diretor de promoção dos direitos da população em situação de rua do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Leo Pinho, é necessário chamar a sociedade em geral para buscar medidas para a superação da situação de rua e não utilizar ferramentas de violação do direito à cidade das pessoas.

Leo Pinho defende que o maior mérito da Lei Júlio Lancellotii, mais do que o caráter punitivo, é abrir uma discussão na sociedade brasileira sobre os motivos para o crescimento da população em situação de rua.

“É voltar ao debate de como acolher, como cuidar e principalmente, como dar condições de forma autônoma para essas pessoas superarem as situações de vulnerabilidade social. E esse é o aspecto central que a gente quer retomar nesse diálogo. O sentimento de empatia, de comunhão e de compreensão de que as pessoas estão em situação de rua por vários motivos: uso abusivo de álcool e drogas, desemprego, rupturas familiares, consequências da pandemia”, disse.

A medida altera as regras do Estatuto da Cidade definidas pela Lei 10.257/2001 para proibir “o emprego de materiais, estruturas equipamentos e técnicas construtivas hostis que tenham como objetivo ou resultado o afastamento de pessoas em situação de rua, idosos, jovens e outros segmentos da população.”

Ainda, segundo o texto, o intuito é promover “conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição de espaços livres de uso público, seu mobiliário e interfaces com espaços de uso privado”, para aquelas pessoas que não possuem residência fixa. A lei também inclui como diretriz geral da política urbana a promoção de conforto, abrigo, descanso, bem-estar e acessibilidade na fruição dos espaços livres de uso público, de seu mobiliário e de suas interfaces com os espaços de uso privado.”

Um levantamento feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) aponta que 209,5 mil pessoas viviam nas ruas no Brasil até abril deste ano.

A capital paulista representa um um quarto dessa população, com 52 mil pessoas em direção de rua. A pesquisa do Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (POLOS-UFMG), leva em consideração apenas as pessoas que estavam registradas no CadÚnico.

O pesquisador André Luiz Dias, coordenador do POLOS-UFMG, explica que São Paulo sempre foi a cidade com maior concentração de pessoas em situação de rua desde o início do registro em CadÚnico, em 2012.

G1