Lira se especializa em aprovar matérias sem debates

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Foto: Bruno Spada/Câmara dos Deputados

Por natureza, o Congresso é o espaço mais adequado para o debate das grandes questões nacionais. Foi criado para isso, para que os representantes dos diversos setores da sociedade, com diferentes ideologias, discutam exaustivamente os problemas do país até que as soluções sejam propostas em consenso, na forma de projetos de lei. Não é por acaso que o dicionário Michaelis registra como um dos significados da palavra “congresso” a seguinte definição: ato de conversar ou de dialogar; conversação.

Essa obviedade tem sido completamente ignorada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que se orgulha de fazer aprovar as propostas de seu interesse passando por cima de tudo e todos, como um trator. De maneira geral, Lira pauta rapidamente esses temas, furando a fila de projetos que esperam há muitos anos, para que sejam votados em tempo recorde nas sessões aceleradas realizadas na calada da noite. Nessa toada, o brasileiro muitas vezes não sabe o que os políticos em quem votou estão transformando em textos legais, que vão influenciar a vida de todos. Foi o que aconteceu ontem na votação do Projeto de Lei que tipifica a discriminação contra políticos, autoridades públicas e seus familiares, de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), filha do ex-deputado Eduardo Cunha. O assunto foi pautado em horário tardio, 21h30, e as reclamações de que não houve tempo para apreciar o texto foram generalizadas, da esquerda — como é o caso da deputada Érica Kokay (PT-DF) — à extrema direita — como é o caso do deputado Nikolas Ferreira (PL-MG). A toque de caixa, sem a devida discussão, o Projeto de Lei foi votado e aprovado por 252 votos a 163. Agora o texto segue para o Senado. Vários outros assuntos importantes para o país foram sacramentados na Câmara assim, em ritmo aceleradíssimo. Como a chamada PEC Kamikaze, que no ano passado aprovou a concessão de benefícios sociais da ordem de R$ 41 bilhões pelo governo de Jair Bolsonaro, a três meses das eleições. A votação não demorou mais que um minuto – isso mesmo: sessenta segundos, não é figura de linguagem. Foi também nesse estilo célere que a Câmara aprovou em 2021, por 301 votos a 150, o Pacote do Veneno (PL 6299/2002), que flexibilizou ainda mais o uso de agrotóxicos no país. Tudo foi feito em menos de 4 horas de debate entre a aprovação do pedido de urgência e a votação do PL. Em outros momentos, Lira primeiro atrasa para depois acelerar. Adia a votação até o limite, para que, em seguida, tudo seja feito às pressas, perto de o prazo expirar. Foi o que aconteceu com a MP dos Ministérios, que mudou radicalmente as atribuições das pastas do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas e foi enviada ao Senado nos momentos finais (o envio aos senadores de medidas provisórias perto de expirar é motivo de frequentes reclamações, pela falta de tempo para exame mais aprofundado das questões). Entre as várias anomalias de que sofre a democracia brasileira, esse rito apressado, que impede o debate e o acompanhamento da sociedade, é uma das mais sérias. A própria origem da palavra Parlamento, que vem do francês “parler” (falar), confirma que a discussão civilizada deveria ser a função primeira de deputados e senadores – e não a caça aos recursos das emendas. Sem essa análise, sem esse contraditório, leis que atendem apenas a pequenos grupos e estão longe de tratar de assuntos prioritários para a maioria acabam sendo aprovadas facilmente. Como se viu na votação da lei que condena “discriminação contra os políticos”, ocorrida ontem, Arthur Lira não liga a mínima para isso. Até pelo menos 2024, quando termina seu mandato de presidente da Câmara, o trator de Lira vai continuar como está, passando por cima de tudo e todos.

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