Lula só libera emendas parlamentares que a lei manda

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Foto: Ricardo Stuckert/PR

Mesmo com um volume três vezes maior de emendas parlamentares liberadas, na comparação com o primeiro ano de Jair Bolsonaro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva segue distante de uma base parlamentar sólida e vem enfrentando pressão até de aliados para aumentar o ritmo e incorporar à lista tipos de pagamentos vistos como mais “atrativos”. Levantamento do GLOBO mostra que, até domingo, o atual governo já havia empenhado R$ 6,6 bilhões em emendas, ou 17,6% do total disponível para 2023. No período equivalente de 2019, Bolsonaro, por sua vez, tinha reservado R$ 2,1 bilhões, em valores já corrigidos pelo IPCA, o que corresponde a 11,7% do total daquele ano.

A conta leva em consideração todos os formatos disponíveis de emenda. A insatisfação já vocalizada pelo Congresso, inclusive pelo presidente da Câmara, Arthur Lira, é a concentração feita pelo governo nos repasses que são impositivos, como as emendas individuais e de bancada — nestes casos, o Planalto é obrigado a pagar e apenas dita o fluxo conforme as necessidades políticas.

Até o momento, a liberação tem sido concentrada em dias próximos a votações relevantes do governo na Câmara, como a do arcabouço fiscal ou a da Medida Provisória (MP) dos Ministérios. Mas esse tipo de mecanismo tem dois problemas para o governo: em primeiro lugar, ele não atinge os 513 deputados e 81 senadores. Como o orçamento deste ano foi produzido no ano passado, as emendas empenhadas foram propostas pelos deputados e senadores da última Legislatura. Ou seja, muitos sequer estão no Congresso, já que não se reelegeram.

No caso da liberação realizada na véspera da votação da norma que reestruturou a Esplanada, a divisão retrata o caráter obrigatório dos pagamentos: de R$ 1,7 bilhão em um dia, o partido mais agraciado foi o PL, de oposição, com R$ 286 milhões, seguido do PP, que também não é da base, com R$ 218 milhões. A exposição dos valores próxima à data de análise das pautas de interesse também gera incômodos, por provocar interpretações de que houve contrapartidas.

Na leva mais recente, o governo efetuou o pagamento, ou seja, a transferência efetiva para o caixa de estados e municípios, de R$ 2,4 bilhões de emendas em junho, após cobranças por melhorias na articulação política. O governo tem votações de interesse no calendário próximo, como a do arcabouço fiscal, que será analisado hoje na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado e pode ir ao plenário no mesmo dia.

— A emenda impositiva é uma obrigação. Não é favor, e o pagamento está atrasado. Essa questão diz diretamente sobre a necessidade da população — afirmou o deputado Felipe Carreras (PSB-PE), líder do maior bloco da Câmara

Já em relação às verbas oriundas do extinto orçamento secreto, quase a totalidade ainda está travada. Em um acordo costurado na época da PEC da Transição, os recursos foram incorporados pelos ministérios, com o compromisso de que parlamentares pudessem fazer as indicações para o direcionamento do dinheiro. O mecanismo, no entanto, emperrou. Dos R$ 9,8 bilhões disponíveis, R$ 195 milhões já foram empenhados (apenas 2%).

Conforme O GLOBO mostrou, portarias dos ministérios impuseram travas e a alocação das verbas para programas prioritários do governo, como o “Brasil Sorridente”, mesmo que os articuladores políticos de Lula e os deputados tenham acordado que os parlamentares poderiam indicar os destinos

Os problemas nos fluxos de liberação desses valores mais cobiçados pelos deputados são admitidos até por aliados do Planalto. Na última semana, o líder do PT na Câmara, deputado Zeca Dirceu (PR), afirmou que o governo não estava sendo rápido o suficiente para atender aos pleitos dos parlamentares. O congressista sublinhou que Lula fechou um acordo durante a votação da PEC da Transição de que os R$ 9,8 bilhões do antigo orçamento secreto, repassados para os ministérios, seriam destinados conforme indicação dos parlamentares. Mas, segundo o petista, a promessa ainda não foi cumprida. Para ele, a insatisfação não está restrita ao orçamento, mas também trata de nomeações ou a possibilidade de acompanhar um ministro em agendas locais.

— O governo está com decisões acertadas, só que não dá velocidade, amplitude e previsibilidade. Houve a decisão de fazer um governo amplo, de negociar com o Congresso, sem impor nada, e de dar oportunidade para os deputados influenciarem na execução orçamentária. Isso é decisão de dezembro, do próprio Lula — afirmou o petista.

Vice-líder do governo na Câmara, o deputado federal Jonas Donizetti (PSB-SP) também afirma que o Planalto sabe que precisa melhorar a comunicação com os parlamentares. Segundo ele, há um acúmulo de demandas ainda do período anterior à posse.

— O governo está ciente de que precisa ter mais diálogo, estar mais perto, para não levar mais sustos. Mas também é preciso identificar quem está conosco. Tem gente que quer o benefício, mas não o ônus. Temos que encarar a realidade e fazer números reais — afirmou.

Da mesma forma, o governo ainda não empenhou um centavo dos R$ 7 bilhões reservados para o modelo conhecido como emenda Pix, que são pagas diretamente para as estados e municípios indicados por deputados, mas sem um carimbo sobre sua destinação.

Em 2020 e 2022, as liberações de emendas de Bolsonaro nos cinco primeiros meses do ano foram consideravelmente maiores que as de Lula, mas por uma questão normativa: a legislação eleitoral proíbe que o governo autorize novos recursos no período eleitoral, o que costuma acelerar os pagamentos no primeiro semestre.

Após uma primeira fase em que enfrentou problemas na formação da base, Bolsonaro encontrou na ampliação do poder do Congresso sobre o orçamento uma saída para a governabilidade. Em 2019, ainda não existia o orçamento secreto, conhecido oficialmente como “emendas de relator”. O Legislativo também criou a figura das “transferências especiais”, conhecidas nos corredores do Congresso como “emendas Pix”. A disputa entre o governo Lula e os parlamentares está inserida neste debate, com o Palácio do Planalto tentando retomar parte do controle sobre a destinação dos recursos.

— Na minha visão, o governo que se inicia perdeu metade da mobilidade de conseguir arrumar a sua base no Congresso Nacional — alertou Lira, ainda em janeiro, tratando do fim do orçamento secreto.

PSD, PT e MDB são as siglas que mais receberam emendas até agora. Além de serem da base, estão entre as maiores bancadas do Senado —no Orçamento de 2023, a cota de emendas individuais, que compõem a parte majoritária dos gastos, é maior para os senadores do que para os deputados. Em quarto lugar aparece o PL, principal sigla da oposição e também dona das maiores bancadas nas duas Casas Legislativas.

O União Brasil, no centro de uma crise com o Planalto que deve resultar na saída de Daniela Carneiro do Ministério do Turismo, aparece em sexto, atrás também do PP, de oposição. A bancada do União defende que o deputado Celso Sabino (União-PA) substitua a ministra, movimento que o governo avalia fazer após a volta de Lula da Europa — o presidente viajou ontem à noite.

A senadora Mara Gabrilli (PSD-SP) aparece no topo da lista de parlamentares com o maior montante já pago, R$ 35 milhões. Procurada, Mara disse que destinou os recursos às áreas de saúde e assistência social de 163 municípios, além de 50 santas casas. “Não se trata de receber mais ou menos valores, mas sim de competência e parcimônia com o dinheiro empenhado”, afirmou, em nota.

O senador Confúcio Moura (MDB-RO) foi um dos contemplados, com R$ 9,1 milhões pagos. Parte do valor, segundo a equipe do parlamentar, foi para o custeio do serviço do Samu na cidade de Ariquemes (RO). “O papel das emendas parlamentares é superar os gargalos, aqueles problemas que o orçamento municipal não alcança e que passam anos penalizando as pessoas”, diz, em nota, publicação no site do parlamentar.

O Globo