Maioria do eleitorado abandona Bolsonaro

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Foto: Cristiano Mariz/O Globo

Em meio à expectativa do julgamento no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que pode tornar Jair Bolsonaro (PL) inelegível, uma pesquisa sobre o futuro da direita no Brasil revelou que a maioria dos eleitores deste campo político está aberta a novas lideranças, mesmo que não tenham o apoio do ex-presidente.

O levantamento também constatou que a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro (PL) é o nome que melhor personifica a continuidade do bolsonarismo. Mas quando os entrevistados são questionados sobre qual representante desta corrente seria o melhor presidente da República, as respostas voltam-se para o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).

O estudo “Para onde vai a direita”, conduzido pelo Instituto Locomotiva e pelo Ideia Instituto de Pesquisa, ao qual o Valor teve acesso, mostra que 54% dos eleitores do espectro de direita – considerados os 58 milhões de votos em Bolsonaro em 2022 – estão receptivos a outras lideranças, mesmo que não estejam alinhadas ao ex-mandatário.

Em contrapartida, 28% dos eleitores bolsonaristas admitem apoiar outros líderes da direita, desde que estejam do lado de Bolsonaro. Uma fatia minoritária de 18%, vista pelos responsáveis pelo levantamento como a vertente de bolsonaristas radicais, não reconhece outro político para liderar a direita a não ser Bolsonaro.

Nos bastidores, a cúpula do PL já precificou a iminente declaração de inelegibilidade de Bolsonaro e pretende investir na retórica de que ele seria “vítima de perseguição”, o que, segundo sondagens internas, teria ressonância junto aos seus apoiadores. Neste cenário, o partido aposta em Bolsonaro como cabo eleitoral nas eleições de 2024 e 2026.

No pleito municipal de 2024, caberá a Bolsonaro ajudar a reeleger o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), que a direção do PL tentará filiar ao partido. A outra missão do ex-presidente será tentar eleger o futuro prefeito do Rio de Janeiro. O nome mais cotado no PL é o do ex-ministro da Defesa e ex-candidato a vice-presidente Walter Braga Netto.

Em relação a 2026, o nome de Tarcísio ainda aparece com mais força nos bastidores como candidato à reeleição, mas tudo pode mudar em três anos e meio. Já Michelle é a aposta do PL para senadora pelo Distrito Federal.

“O que vimos foi uma direita capturada pelo bolsonarismo, que tem visões pouco liberais da economia, como apoiar o governo na queda forçada dos juros”, analisou o presidente e fundador do Instituto Locomotiva, Renato Meirelles, um dos responsáveis pela pesquisa.

Meirelles explicou que o estudo distinguiu a direita essencialmente bolsonarista (os percentuais de 28% mais 18% dos entrevistados) da direita que votou em Bolsonaro por falta de opção (os outros 54%), mais identificada com o antipetismo.

“O núcleo bolsonarista da direita brasileira é estatizante”, acrescentou Meirelles. Este segmento da direita, segundo a pesquisa, tem muitas semelhanças com o pensamento econômico da esquerda, e até alguma aproximação em temas de costumes. As maiores diferenças entre a direita bolsonarista e a esquerda, segundo o levantamento, aparecem nas principais bandeiras levantadas por Bolsonaro em seu mandato, como as falsas desconfianças imputadas ao Supremo Tribunal Federal (STF) e às urnas eletrônicas.

“Vimos, na prática, que essa direita brasileira que defende uma economia liberal é progressista nos costumes, contrária ao radicalismo bolsonarista, e está órfã de lideranças”, disse Meirelles. Diante disso, o nome que mais se aproxima hoje dos valores deste segmento é o do governador Tarcísio de Freitas. “Ele é o mais aceitável [entre os bolsonaristas]”, complementou.

Segundo a pesquisa, 6 em cada 10 eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) concordam que o governo deve intervir mais na economia. Esse dado não é muito distante dos 4 em cada 10 apoiadores de Bolsonaro que têm o mesmo pensamento.

Realizado pelo Zeitgeist Public Affairs, braço dos Institutos Locomotiva e Ideia de Pesquisa, o levantamento ouviu 1.531 eleitores em todo o país, por telefone, entre os dias 30 e 31 de maio, e tem margem de erro de 2,5 pontos percentuais. A menor divergência entre eleitores de Lula e Bolsonaro nas questões econômicas surpreendeu os pesquisadores.

Entre os bolsonaristas que responderam, 37% acham que o Estado deve intervir mais na economia para impulsionar o crescimento; esse percentual chega a 58% entre lulistas. Em outra frente, 33% dos eleitores de Bolsonaro acham que esse papel é das empresas privadas, e esse índice é de 12% entre apoiadores de Lula. Salta aos olhos que entre eleitores de Bolsonaro seja maior o número daqueles que defendem a intervenção do Estado na economia.

Igualmente é maior a fatia de bolsonaristas que acredita que o governo deveria ter autorização para forçar a queda dos juros: 40% pensam dessa forma, contra 30% favoráveis à autonomia do Banco Central, entre os que responderam à pergunta.

No campo lulista, 54% defendem a intervenção estatal na taxa de juros, e 12% são contrários a essa hipótese. “Direita e esquerda pouco se diferem do ponto de vista econômico”, observou o cientista político Carlos Melo, professor do Insper, que fez parte do estudo.

Uma aferição natural da pesquisa foi de que lulistas e bolsonaristas contrapõem-se com mais vigor nos temas que Bolsonaro encampou pessoalmente, como a defesa da intervenção dos militares na política, por meio da interpretação distorcida do artigo 142 da Constituição, e os ataques ao STF e às urnas.

Um dado curioso é de que 61% dos apoiadores de Bolsonaro afirmaram que o STF é uma ameaça à democracia. Em contraponto, o mesmo percentual de eleitores de Lula (61%) respondeu que a Corte Constitucional é fundamental à defesa da democracia brasileira.

Sobre as urnas, 76% dos eleitores de Lula acreditam que são confiáveis, enquanto 51% dos bolsonaristas disseram que não são seguras. Não há registro de fraudes nas eleições brasileiras desde que a urnas eletrônicas foram adotadas.

“O que mais distancia o eleitor da direita e da esquerda não são temas programáticos, mas, sim, os que mais foram disseminados nas redes sociais pela estrutura do bolsonarismo”, avaliou o publicitário Lula Guimarães, que também participou do levantamento.

Entre os possíveis herdeiros do bolsonarismo, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) também foi citado. Porém, Michelle Bolsonaro destacou-se por ter, simultaneamente, elevado grau de conhecimento junto aos brasileiros, alta percepção de continuidade em relação a Bolsonaro e de capacidade para exercer a Presidência, segundo os entrevistados.

Tarcísio emerge com maior percepção de capacidade para ser presidente e como herdeiro do bolsonarismo, mas ficou atrás de Michelle em grau de conhecimento. Um fator que, na avaliação dos pesquisadores, pode ser revertido com maior exposição pública.

Outras lideranças de direita ou centro-direita com elevado grau de conhecimento junto à população, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e a ministra do Planejamento, Simone Tebet (MDB) – ambos ex-presidenciáveis – e o senador Sergio Moro (União Brasil-PR), têm os nomes citados no estudo, mas não são apontados como lideranças da direita no futuro.

Com menor grau de conhecimento popular, também foram lembrados como lideranças de direita quatro governadores: Cláudio Castro (PL), do Rio de Janeiro, Romeu Zema (Novo), de Minas Gerais, Ratinho Júnior (PSD), do Paraná, e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul. Mas nenhum desponta como potencial sucessor de Bolsonaro.

A pesquisa ainda atestou que o Brasil continua polarizado: 5% dos eleitores de Bolsonaro arrependem-se do voto no ex-presidente, enquanto 7% dos eleitores de Lula lamentam a escolha. Maurício Moura, fundador do Instituto Ideia e do Zaftra Fund, diz que a pesquisa corroborou aspectos sedimentados na conjuntura política internacional como a “polarização que asfixia o surgimento de alternativas de centro”, e temas de costumes e moral protagonizando o debate em relação a “tópicos concretos de gestão pública”.

Em relação a 2026, Renato Meirelles afirma que neste cenário de polarização, mais uma vez, a decisão do processo eleitoral caberá ao centro político. “Quem dialogar melhor com o centro terá mais chance na sucessão”, concluiu.

Valor Econômico