Mercado acha que sabotagem do BC continuará

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Foto: Vinícius Schmidt/Metrópoles

A já acalorada discussão sobre os juros e a revisão da meta de inflação promete pegar fogo nos próximos dias no país. Ao menos, essa é a opinião do economista André Braz, pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Mesmo porque, nesta semana, a partir de terça-feira (20/6), o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), reúne-se para discutir a quantas ficará a taxa básica de juros, a Selic. Na semana seguinte, ocorre o encontro do Conselho Monetário Nacional (CMN), no qual deve ser debatida uma eventual mudança da meta da inflação.

E qual deve ser o resultado desses dois eventos? É isso o que Braz, um dos maiores especialistas do Brasil em questões ligadas a inflação, discute, a seguir, em entrevista ao Metrópoles.

O senhor acredita que o Copom vai baixar a Selic, hoje fixada e 13,75% ao ano, nesta semana?

Acho que não. E acredito que devemos esperar. A responsabilidade da autoridade monetária é muito grande. Não se deve brincar com os juros. E cortá-los, agora, não significa que brasileiro vai comprar um carro novo ou um apartamento mais barato amanhã. As coisas não são tão simples, nem tão rápidas. Demora de seis a nove meses para que qualquer corte de juros tenha efeito real na vida das pessoas.

As pressões são grandes e as projeções para este ano apontam para uma queda da inflação. Ainda assim, não haveria espaço para corte?

Não resta dúvida que vai haver uma pressão muito forte e, de fato, as previsões para a inflação estão caindo. Mas essa é a expectativa no curtíssimo prazo. É verdade que temos uma projeção de inflação negativa para junho, mas não é algo sustentável. É provável que ela sofra uma aceleração no segundo semestre. Já existem movimentos contratados nesse sentido.

Quais movimentos?

A volta da cobrança dos impostos federais sobre a gasolina. Com isso, o preço do combustível deve aumentar entre 8% e 10%, algo que não permitirá que inflação permaneça no campo negativo por dois meses seguintes. Em junho, ela deve ficar em 0,25%.

E quando o senhor acredita que os juros podem começar a cair no Brasil?

Isso pode acontecer não nesta, mas na próxima reunião do Copom, no início de agosto.

Por falar em reunião, o Conselho Monetário Nacional também tem encontro marcado neste mês e a mudança de meta de inflação pode entrar em pauta. O atual modelo de meta deve mudar?

A discussão sobre a mudança de meta pode acontecer e ela é bem-vinda, mas alterá-la agora seria um equívoco.

Por quê?

Uma mudança desse tipo, neste momento, seria o mesmo que uma confissão da incapacidade de o Banco Central trazer a inflação para a meta neste ano. Estariam admitindo que não vão cumpri-la e querem se livrar do problema. Além disso, fica parecendo que estão dando uma garfada na meta. Se isso ocorrer, só vai servir para aumentar a incerteza do mercado, algo que pode gerar mais instabilidade e, por fim, mais inflação. Mas, como disse, isso não quer dizer que não se possa discutir uma alteração num horizonte mais longo.

Quais mudanças seriam úteis?

Hoje, a referência para a política monetária, e para a meta da inflação, é o IPCA, que é muito volátil. Gosto muito da ideia de analisamos o comportamento dos preços e, por consequência, da meta de inflação, a partir de outro indicador.

Qual seria a referência?

O núcleo da inflação. Ele é um indicador que exclui 20% dos produtos que mais subiram e 20% dos que mais caíram em determinado período. Ou seja, elimina as caudas da inflação, mas mantém o centro. Com isso, blinda o índice contra grandes variações. Assim, temos uma ideia mais realista do que acontece com os preços. Assim, se aquele núcleo estiver acelerando, é sinal de que a inflação, realmente, e é robusta. Se estiver caindo, significa que a política monetária pode ser afrouxada.

A análise pelo núcleo reduz a volatilidade do indicador É isso?

Sim. Acontecimentos pontuais podem tirar a inflação da meta, mas não representam um movimento de longo prazo, algo duradouro. Em dezembro 2019, por exemplo, o preço da carne bovina explodiu no Brasil. Subiu quase 20%, quando o país bateu recordes de exportação para a China. Mas aquilo era um fenômeno passageiro. Na ocasião, os chineses estavam com poucos fornecedores de 30carne. Para nós, o resultado foi que a inflação ficou acima da meta.

Algo mais pode ser alterado na meta de inflação?

Acho que podemos deixar de ter uma meta que siga o calendário anual. Hoje, esperamos até dezembro para ver se a inflação vai ficar dentro do patamar fixado. Uma meta móvel, que deve ser perseguida mês a mês, pode ser mais eficiente. E isso daria maior flexibilidade para o Banco Central.

E como ela funcionaria?

Se a inflação cai em determinado momento de forma consistente, e a ponto de se encaixar na meta fixada, a autoridade monetária pode rapidamente baixar os juros. Ou seja, a autoridade monetária ganha maior flexibilidade.

Metrópoles