Pastores evangélicos viram “cidadãos de primeira classe”

Destaque, Todos os posts, Últimas notícias

Foto: David Ribeiro/Câmara dos Deputados

O distanciamento mantido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) junto aos evangélicos tem se convertido em dificuldades para o governo no Congresso Nacional. Em votações de projetos caros ao Palácio do Planalto, como o PL das Fake News, o marco temporal para a demarcação de terras indígenas e os decretos do saneamento, os deputados do segmento religioso demonstraram uma sólida oposição: em média, 69,1% deles se posicionaram contrariamente a essas propostas. Num movimento para tentar reverter esse cenário, o petista escalou a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), evangélica, para elaborar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplie a isenção tributária das igrejas.

Rumo ao STF: Zanin almoça com evangélicos, incluindo Damares, e tem aval de Bolsonaro para sinal verde do PL
Pesquisa Ipec/O GLOBO: Avaliação positiva do governo Lula se recupera entre evangélicos e recua entre católicos
A imunidade para os templos está prevista na Constituição. No entanto, há um entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o benefício deve alcançar apenas tributos diretos, como IPTU no imóvel da igreja ou IPVA para os carros no nome da entidade religiosa.

Desde 1988, diversas leis foram sancionadas para especificar o que, em tese, já havia sido previsto de forma mais subjetiva. Esse processo se intensificou ao longo da gestão de Jair Bolsonaro (PL), que contava com o amplo apoio dos evangélicos e aprovou uma medida por ano voltada ao segmento.

Ainda em 2019, o ex-presidente liberou as igrejas de pagarem o principal imposto estadual, o ICMS, que incide sobre serviços e produtos, como conta de luz, por até 15 anos.

Votação da bancada evangélica em matérias importantes ao governo — Foto: Editoria de Arte

Já em 2021, o ex-titular do Planalto perdoou a dívida de R$ 1,4 bilhão referente ao pagamento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), imposto da União que incide sobre o lucro líquido dos templos. No ano passado, a duas semanas do início da campanha eleitoral, Bolsonaro sancionou uma lei que relacionada à contribuição previdenciária de pastores. A partir dessa medida, os líderes não têm a renda debitada em atividades ligadas à religião. Uma emenda constitucional também isentou igrejas de pagarem IPTU sobre imóveis alugados.

Bolsonaro contava com o apoio do segmento religioso, majoritariamente, em comparação a Lula. De acordo com a última pesquisa Ipec, feita em parceria com O GLOBO, 34% dos evangélicos avaliam o atual governo como ruim ou péssimo e 33% como regular. Já o ex-presidente terminou o mandato com avaliação ótima de 50%.

— Há uma predisposição para uma relação difícil, estamos vendo ainda uma consequência das eleições do ano passado, quando os evangélicos ficaram fortemente ao lado de Bolsonaro — disse o cientista político e diretor do Observatório Evangélico, Vinicius do Valle.

Na Câmara dos Deputados, essa predisposição tem se concretizado. A ala de oposição sistemática, encabeçada por congressistas como o Pastor Marco Feliciano (PL-SP), tem a ampla maioria (69,1%). Entre os dispostos a diálogo, estão figuras como Cezinha de Madureira (PSD-SP). De forma geral, o apoio do presidente, em média, tem sido igual ao número de abstenções, de 14,8%.

Um dos poucos acenos que Lula fez durante a campanha para o segmento, a possibilidade de criar uma pasta para dialogar melhor com os religiosos, não foi adiante. O pastor Paulo Marcelo Schallenberger, com histórico de atuação na Assembleia de Deus, era o nome que poderia fazer a intermediação, mas ele disse que as negociações cessaram.

— Antes os líderes me procuravam porque achavam que eu era uma ponte, agora, sem nomeação, ficou ainda pior porque os fiéis veem que eu sacrifiquei bastante para ajudar o presidente. Tudo só reforça esse discurso de “ódio ao cristão”.

O distanciamento é reforçado por integrantes de núcleos ligados ao governo. Nesta semana, a Frente Parlamentar Evangélica (FPE) emitiu nota de repúdio contra postagens feitas por um integrante do Conselhão de Lula que postou no Twitter, que “a maioria dos evangélicos é composta de pessoas ruins”.

Recentemente, o presidente recusou o que chamou de “honroso convite” para a Marcha de Jesus que ocorreu em São Paulo, enviando representantes do governo. Alguns episódios também incomodaram os religiosos, como os usos de linguagem neutra em posso de ministros e a derrubada de um decreto de Bolsonaro que ordenava o acionamento da polícia em casos de aborto.

Ex-líder da Frente Parlamentar Evangélica a atual segundo vice-presidente da Câmara, Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), atribui este distanciamento, mesmo em matérias não religiosas, à formação do protestantismo:

— Além dos temas de costumes, nós somos liberais na economia. Isso é uma diferença com o catolicismo, por exemplo. A gente tem esse olhar mais liberal do que o modelo defendido por Lula. Não é uma questão do trabalho da frente evangélica em si, mas de posicionamento ideológico.

O Globo