Por que bolsonarista do TSE não pedirá vista
Foto: Antonio Augusto/TSE
O julgamento de Jair Bolsonaro no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomeça na noite desta terça-feira com a leitura do voto do relator, Benedito Gonçalves, que já se sabe que será pela condenação por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
Todas as atenções, contudo, estarão voltadas para o ministro que vota logo em seguida: Raul Araújo, conhecido por suas posições ideológicas mais alinhadas às do bolsonarismo, e que se converteu na última esperança do ex-presidente para interromper o julgamento que deve torná-lo inelegível pelos próximos oito anos.
O próprio Bolsonaro admitiu isso em entrevista à Rádio Gaúcha, na última sexta-feira: “O primeiro ministro a votar depois do relator, o ministro Benedito, é o ministro Raul. Ele é conhecido por ser um jurista com bastante apego à lei. Apesar de estar em um tribunal político eleitoral, há uma possibilidade de ele pedir vista. Isso é bom porque ajuda a gente a ir clareando os fatos”.
A expectativa do ex-presidente tem a ver com o fato de que foi Araújo quem proibiu a manifestação política de artistas no Lollapalooza no ano passado, medida duramente reprovada por integrantes do TSE, que a interpretaram como censura. O PL acionou o TSE após a cantora Pablo Vittar levantar uma bandeira com a imagem de Lula durante sua apresentação no festival.
O ministro também deu o único voto contra aplicar a multa de R$ 22,9 milhões imposta pelo presidente do TSE, Alexandre de Moraes, contra o PL após a sigla pedir a anulação dos votos em 279 mil das 472 mil urnas usadas no segundo turno.
Além disso, durante a campanha, atendeu a um pedido do partido e deu uma liminar mandando que fossem apagados vídeos de Lula chamando Bolsonaro de “genocida”. Sua decisão, porém, foi derrubada pela maioria do plenário.
Se decidir atender o pedido público de Bolsonaro e pedir vista do processo, Araújo poderá travar o julgamento por até 60 dias – período em que os aliados do ex-presidente torcerão para que algum fato político mude o rumo do processo, que hoje parece ser de inevitável condenação.
De acordo com a apuração da equipe da coluna junto a fontes do TSE e do Supremo, a expectativa dos bolsonaristas deve se frustrar.
Primeiro porque Alexandre de Moraes já detectou a “ameaça” e conversou a sós não só com Araújo como também com outro ministro alinhado a Bolsonaro, Kassio Nunes Marques, que também vinha sendo pressionado por aliados do ex-presidente a pedir vista.
Conforme informamos na semana passada, Moraes argumentou nessas conversas que seria ruim para o país e para o TSE o processo se arrastar por muito tempo. Ele insistiu que o tribunal precisa encerrar essa fase da discussão sobre as eleições de 2022 e obteve de ambos a promessa de que dariam seus votos agora e não pediriam vista.
Outra razão pela qual Araújo pode frustrar os bolsonaristas é seu “trauma” com a repercussão da decisão que tomou no caso Lollapalooza.
A decisão foi interpretada como censura, caiu muito mal na própria Corte Eleitoral e foi criticada em público por ministros do Supremo como Edson Fachin.
Acuado e magoado com as críticas, Araújo se viu isolado no TSE. Depois, afirmou reservadamente a interlocutores ter sido induzido ao erro pelo PL.
Disse também não ter noção da repercussão que tinha o festival, realizado desde 2012 na cidade de São Paulo. Só na edição que foi alvo da medida do ministro, o público superou 300 mil pessoas no autódromo de Interlagos. O PL acabou desistindo da ação e o caso foi arquivado.
“Ressalto que a decisão anterior foi tomada com base na compreensão de que a organização do evento promovia propaganda política ostensiva estimulando os artistas – e não os artistas, individualmente, os quais têm garantida, pela Constituição Federal, a ampla liberdade de expressão”, escreveu o ministro ao recuar do próprio entendimento.
Colegas de Araújo que o conhecem bem dizem que o caso Lollapalooza deixou marcas e por isso mesmo duvidam que o ministro vai estar disposto a atender novamente a um pedido de Bolsonaro e se queimar com a opinião pública e os colegas de plenário por um caso que já parece resolvido pela maior parte do plenário.
Além disso, mesmo que Araújo peça vista, a solução tende a ser paliativa. Integrantes da corte duvidam que algum fato venha a modificar a visão majoritária entre os ministros pela condenação. O mesmo aconteceria caso Nunes Marques pedisse vista, já que ele é o sexto a votar no julgamento, e há grandes chances de o veredito já estar resolvido quando chegar a vez dele .
Procurado pela equipe da coluna sobre os riscos de um pedido de vista, o gabinete de Raul Araújo informou que “tudo vai depender da dinâmica do julgamento”. “Portanto, não é possível adiantar nada.”
Tampouco é possível saber se Araújo vota nesta terça-feira ou na próxima quinta, para quando está marcada a terceira sessão do julgamento. Isso porque o voto de Benedito Gonçalves tem mais de 300 páginas e, se ele decidir ler o documento na íntegra, vai tomar pelo menos quatro horas da sessão. Assim, a expectativa em torno da posição de Araújo ainda pode se estender por mais uns dias – e muito provavelmente sem muitas pistas do que ele fará.
Indicado ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) por Lula, em 2010, o ministro, de Fortaleza, é conhecido pelo estilo reservadíssimo. Ao contrário de Gonçalves, não recebeu os advogados do PDT que entraram com a ação contra Bolsonaro por conta dos ataques contra as urnas e o sistema eleitoral proferidos na reunião com embaixadores no Palácio da Alvorada, em julho do ano passado.
Com o fim do mandato de Gonçalves, em novembro deste ano, Araújo vai herdar a relatoria de todas as 16 ações que investigam a fracassada campanha de Bolsonaro à reeleição. Ao assumir o cargo de corregedor-geral da Justiça Eleitoral, o ministro vai atrair inevitavelmente aquilo de que menos gosta: os holofotes.