Senado barra nova pilantragem da Câmara

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Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Em mais uma lance da disputa velada entre Arthur Lira (PP-AL) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o Senado deve engavetar o projeto que torna crime a discriminação de políticos e fragiliza controles das instituições financeiras, aprovado a jato pela Câmara dos Deputados. O roteiro é semelhante ao praticado pelos senadores em outros assuntos levados adiante por Lira e aliados, como o marco temporal das terras indígenas, a legalização dos jogos, a reforma do Imposto de Renda e a proposta que inocenta réus em caso de empate no julgamento de processos criminais (mais detalhes no pé desta reportagem).

O texto avançou na Câmara por 252 votos a 163, turbinado pela grande adesão do PT e de siglas do Centrão — na ponta oposta, PSOL, PCdoB e deputados alinhados ao bolsonarismo tentaram barrar a iniciativa. Nesta quinta-feira, Pacheco deu o tom da resistência e indicou que o texto terá uma tramitação mais lenta na comparação com a Casa vizinha, passando por comissões. Nos bastidores, a declaração foi entendida como um sinal de que a proposta nem chegará a andar.

— Não sabia sequer da existência desse projeto, mas, obviamente, aprovado na Câmara e chegando ao Senado, nós vamos conhecer o texto e identificar por quais comissões ele deve passar — disse Pacheco, após reunião com líderes partidários.

No caso do marco temporal, aprovado na Câmara em regime de urgência, com amplo apoio dos deputados, Pacheco também indicou uma longa caminhada — nesta quinta, voltou ao tema e disse que não haverá “açodamento”.

O ritmo com o qual o Senado encara pautas vistas como prioritárias pela Câmara gera irritação entre aliados de Lira, e o próprio presidente da Câmara já manifestou incômodo. No episódio das mudanças no Imposto de Renda, aprovadas em setembro de 2011, o deputado do PP reclamou que houve “quebra de acordo” na trava imposta por Pacheco, que retrucou e afirmou que o compromisso firmado era com a “sociedade”.

Nesta quinta-feira, com a nova iniciativa endossada pelos deputados, aliados do presidente do Senado subiram a gradação das críticas. O senador Veneziano Vital do Rêgo (MDB-PB), vice-presidente da Casa, disse que o texto é “péssimo e não vai para a frente”:

— Não tem sentido discutir uma matéria tão controversa da maneira que a Câmara se dispôs a fazê-lo. O comportamento do Senado é outro, muito mais comedido. Um tema dessa natureza pode até ser debatido, mas não ganhará da gente esse açodamento.

Segundo aliados de Pacheco, o projeto não é pertinente e o assunto deveria ser tratado de outra forma. Ele demonstrou estar mais aberto a discutir uma proposta sobre assédio ideológico, que não é focada em políticos com mandatos e cargos, e puniria quem praticasse constrangimentos públicos. Uma iniciativa do tipo chegou a ser apresentada pelo líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), no ano passado, mas foi retirada por ele. A ideia, no entanto, pode ser reapresentada para discutir o tema, em vez do texto aprovado pela Câmara.

O líder do MDB no Senado, Eduardo Braga (AM), também seguiu a tônica e afirmou que o texto está “fora do radar”. O líder do PL, Carlos Portinho, afirmou que não é o momento de analisar o texto, enquanto o senador bolsonarista Jorge Seif (PL-SC) defendeu a rejeição da proposta.

O projeto estabelece como crime “negar a celebração ou a manutenção de contrato de abertura de conta corrente, concessão de crédito ou de outro serviço, a qualquer pessoa física ou jurídica, regularmente inscrita na Receita Federal do Brasil”, em razão da condição de pessoa politicamente exposta ou de pessoa que esteja respondendo a investigação ou processo sem trânsito em julgado. A pena prevista é de dois a quatro anos de prisão, e multa. Pessoas politicamente expostas são políticos, juízes e outros detentores de altos cargos nos três Poderes.

Como revelou a colunista Malu Gaspar, do GLOBO, o texto, de autoria da deputada Dani Cunha (Uniã-RJ), filha do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, abre brechas para a proteção até mesmo de potenciais “laranjas” de autoridades envolvidas em esquemas de lavagem de dinheiro.

O artigo 2º afirma que são alcançados, além de parentes até segundo grau, cônjuges e enteados, também os “estreitos colaboradores” das pessoas politicamente expostas.

O gerente de pesquisa da Transparência Internacional, Guilherme France, ressaltou que a votação do projeto ocorre na esteira de retrocessos no combate à corrupção. Segundo ele, a proposta pode retirar a autonomia para que instituições avaliem operações financeiras de nomes ligados a pessoas politicamente expostas, como familiares e sócios, além de limitar controles de risco contra fraudes.

— Mesmo que uma pessoa esteja respondendo como réu em processo de lavagem de dinheiro, o banco não vai poder negar acesso ao serviço financeiro. Isso diminui a capacidade das instituições financeiras em reduzir riscos de operações.

Professor da Faculdade de Direito da USP, Eduardo Saad-Diniz também aponta que há dificuldade de interpretação a partir da redação que se deu ao tipo penal no projeto. Ele ressalta ainda que as instituições adotam práticas de governança e compliance, independentemente de uma eventual lei, e que ser pessoa exposta politicamente é apenas um indicativo de reforço de controles.

— Ninguém sofre restrições de direitos pelas suas condições pessoais, mas sim por eventualmente haver deixado de cumprir determinada diligência ou esclarecer sobre operações suspeitas. Pior ainda, é difícil interpretar o que significa a conduta “negar” (acesso a contas e crédito). Você negou ou só pediu diligências de integridade e foram requisitados esclarecimentos? — analisa.

Deputados favoráveis ao projeto enfatizaram em discursos no plenário durante a votação a necessidade de rever restrições que afetam filhos e cônjuges de políticos.

— Hoje, ser parente até segundo grau de político enseja uma série de fatores que prejudicam a normalidade da vida do cidadão — afirmou Cláudio Cajado (PP-BA).

Em nota, Dani Cunha afirmou ser “falsa a narrativa sobre qualquer alteração em qualquer política de combate a corrupção ou de lavagem de dinheiro”. (Colaboraram Julia Noia e Luã Marinatto)

Relembre outras propostas paradas no Senado:

Marco temporal

Aprovado com folga na Câmara, o projeto que estabelece que povos indígenas têm direito apenas às terras que já ocupavam ou disputavam em 5 de outubro de 1988, data de promulgação da Constituição, teve o apoio de Arthur Lira, presidente da Câmara, que pautou a votação do requerimento de urgência para acelerar a tramitação da matéria. No Senado, Rodrigo Pacheco adiantou que a proposta avançará de forma mais lenta, passando por comissões antes de ir a plenário.

Legalização do jogo

Estacionado no Senado há mais de um ano, o projeto de lei que prevê a legalização dos jogos, como bingo, cassinos e jogo do bicho, foi aprovado na Câmara em votação apertada (246 a 202), após muita articulação de Arthur Lira. Um dos entusiastas da proposta, o presidente da Câmara negociou a votação da urgência da proposta, sobretudo com evangélicos, contrários aos PL, para que ela fosse levada direto a plenário. Na Casa vizinha, o projeto foi travado.

Reforma do Imposta de Renda

A reforma do IR, aprovada pela Câmara em 2021, era uma das prioridades do governo Bolsonaro, do qual Lira foi fiador. O acordo para que a proposta passasse pela Casa foi costurado pelo próprio parlamentar. Quando chegou ao Senado, Pacheco avaliou que a matéria deveria tramitar junto com a reforma tributária. O deputado cobrou posicionamento do Senado; Pacheco retrucou, afirmando que também aguardava projetos aprovados serem analisados pelos deputados.

O Globo