TSE não julgará só fala de Bolsonaro a embaixadores
Foto: Cristiano Mariz/O Globo
A ação que pode tornar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) inelegível pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem como principal prova a própria reunião com os embaixadores realizada em 22 de julho do ano passado. Na ocasião, o então mandatário proferiu uma série de ataques às urnas eletrônicas, ao sistema eleitoral e a ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e da própria Corte que vai julgá-lo.
A reunião é o objeto da ação de investigação judicial eleitoral protocolada pelo PDT ainda em agosto de 2022 e que começará a ser analisada nesta quinta-feira. Segundo especialistas ouvidos pelo GLOBO, é a reunião em si que pode incriminar Bolsonaro na acusação de abuso de poder político feita pela legenda.
— Para que haja abuso de poder é necessário tanto provas muito contundentes quanto gravidade nas circunstâncias do fato. O que a ação parece querer mostrar é que Bolsonaro incentivou e criou um clima propício para um levante golpista contra as eleições — explica o advogado Horácio Neiva, doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito na USP.
Segundo o PDT argumenta em sua petição, a reunião com os embaixadores organizada por Bolsonaro no palácio da Alvorada é o “exaurimento da conduta de abuso de poder”.
O fato de o encontro de Bolsonaro com os embaixadores ter sido transmitido, ao vivo, pela TV Brasil e pelas redes sociais YouTube, Instagram e Facebook, também é apontado como prova do abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação.
— Os vídeos não deixam dúvidas a respeito da conduta de ataques ao sistema eleitoral perpetrada por Bolsonaro não somente durante o processo eleitoral, como durante toda a sua Presidência. É a prova cabal da sistemática de atacar o processo eleitoral para deslegitimá-lo e, assim, fomentar o eleitorado — aponta José Paes Neto, advogado especialista em direito eleitoral e membro da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep).
Além disso, a ação que será analisada a partir desta quinta-feira contou com a inclusão, ainda em janeiro, pelo relator, ministro Benedito Gonçalves, da chamada “minuta golpista”, um documento que sugeria uma espécie de intervenção no TSE encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres. Em fevereiro, a medida foi julgada pelo plenário da Corte e confirmada por unanimidade. O material é apontado pelos juristas como uma “prova circunstancial”, um reforço à prova principal que é a reunião.
Em seu voto, Gonçalves afirmou ser “inequívoco” que o fato de o ex-ministro da Justiça do governo de Bolsonaro ter em seu poder uma proposta de intervenção no TSE e de invalidação do resultado das eleições presidenciais “possui aderência aos pontos controvertidos, em especial no que diz respeito à correlação entre o discurso e a campanha e ao aspecto quantitativo da gravidade”.
— O próprio teor do discurso do presidente, que livremente escolheu os tópicos que desejava abordar, oferece uma clara visão sobre o fluxo de eventos – passados e futuros – que podem, em tese, corroborar a imputação da petição inicial — disse o ministro na ocasião.
Na mesma oportunidade em que validaram a inclusão da minuta do golpe, os ministros também aprovaram uma proposta do ministro Benedito Gonçalves para a fixação de um parâmetro para que o TSE trate, em todas as ações de investigação eleitoral relativas ao pleito presidencial de 2022, a inclusão de fatos e documentos específicos. Os ministros autorizaram que sejam acrescidos ao processo fatos revelados em outros procedimentos policiais e investigativos que tenham relação com desdobramentos do caso. O mecanismo turbinou casos já em andamento, como a “ação dos embaixadores”.
Na prática, a medida evita que o mesmo argumento usado para rejeitar o pedido de cassação da chapa Dilma-Temer em 2017 possa se repetir no julgamento de Bolsonaro-Braga Netto. Na época, o TSE rejeitou o pedido de cassação da chapa presidencial por entender que o processo extrapolou o que havia inicialmente na ação do PSDB, com a inclusão de depoimentos de executivos da Odebrecht.
“A estabilização da demanda e a consumação da decadência não impedem que sejam admitidos no processo e considerados no julgamento elementos que se destinem a demonstrar desdobramentos dos fatos originariamente narrados, a gravidade (qualitativa e quantitativa) da conduta que compõe a causa de pedir ou a responsabilidade dos investigados e de pessoas do seu entorno”, diz a nova regra aprovada pelo TSE em fevereiro.
O argumento da rejeição da cassação da chapa Dilma-Temer foi repetido por Bolsonaro nesta quarta-feira, véspera do julgamento.
— Será péssimo para a democracia se eu for julgado de forma diferente como foi a chapa Dilma-Temer em 2017.
Durante a sabatina de Cristiano Zanin, o senador Flávio Bolsonaro também lembrou o julgamento da chapa Dilma e Temer no TSE, em 2017, quando o plenário, por 4 votos a 3, decidiu pela não condenação. O desfecho manteve Michel Temer na presidência, já que a petista havia sofrido o impeachment no ano anterior.
Horácio Neiva lembra que, ainda, que o mesmo TSE que julgou a antiga chapa presidencial em 2017 não é mais o mesmo, inclusive por sua composição cambiante.
— Esse é um problema recorrente do TSE, até mesmo em razão da existência de mandato para seus membros, as composições do Tribunal mudam muito, a cada dois anos. O TSE que julgou a chapa Dilma Temer era outro, totalmente diferente do atual. Deveríamos sim esperar consistência da Corte, mas é um fato que os entendimentos do TSE se alteram bastante — aponta.