Blindagem de ministra da Saúde fortalece o SUS

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Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Enfatizada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a permanência da ministra da Saúde, Nísia Trindade, é referendada por ex-ocupantes do cargo ouvidos pelo GLOBO. O ministério é cobiçado pelo Centrão, o que já levou Nísia a destravar recursos para atender demandas de parlamentares e a se aproximar até mesmo de siglas de oposição ao governo. Além da conexão da ministra com a pasta e de sua experiência à frente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) nos últimos anos, os ex-ministros avaliam que não ceder a tentativas de promover uma troca de comando na Saúde por pressão política pode fortalecer uma política de longo prazo para o Sistema Único de Saúde (SUS).

Um levantamento feito pelo GLOBO mostra que titulares da pasta da Saúde desde os governos de Fernando Henrique ficaram no cargo, em média, por um ano e meio, ou 18 meses. No período, de pouco mais de 28 anos, o país teve 19 ministros, e as trocas se intensificaram com Jair Bolsonaro (PL).

Quem permaneceu mais tempo no posto foi José Serra (PSDB), titular por quase 4 anos na segunda gestão de FH. Já o que ficou menos no cargo foi Nelson Teich (28 dias), na de Bolsonaro. Na pasta há 186 dias, Nísia está prestes a superar o ex-ministro Eduardo Pazuello (PL), também do governo anterior, que sobreviveu a 188 dias na função durante a crise da pandemia de Covid-19.

Ministro da Saúde no primeiro governo Lula, o ex-deputado federal Saraiva Felipe (PSB-MG) ressalta que, após trocas recorrentes no ministério durante a gestão de Bolsonaro, a pasta ficou “fora de prumo” e que é preciso adotar “políticas mais permanentes” para fortalecimento do SUS, compromisso que vê na atual ministra. Ele ressalta que Nísia é um quadro altamente qualificado e também traz a simbologia de ser a primeira mulher a comandar a pasta, além de ser ex-presidente da Fiocruz, instituição que é referência internacional na área.

Tempo de permanência na Saúde — Foto: Editoria de Arte

 

Saraiva Felipe pondera, porém, que é natural que ministros da Saúde sejam pressionados, e que ele mesmo passou pela situação quando ocupou o posto entre 2005 e 2006. O ministério, explica, tem uma estrutura com capilaridade nacional, com possibilidade de injetar alto volume de recursos nos municípios. O orçamento da Saúde para 2023 soma R$ 189,3 bilhões, atrás apenas dos ministérios da Previdência e do Desenvolvimento e Assistência Social, que é responsável pelo Bolsa Família. O ex-ministro avalia que, por sua relevância para a articulação do governo, o cargo é também de natureza política e que é necessário reforçar uma interlocução, movimento já iniciada por Nísia.

— Nenhum ministro vai poder agir dentro de marcos somente técnicos. Vai ter que se abrir para a política. Em ano de eleições municipais, as demandas crescem. É um ministério muito importante para que o governo toque a agenda legislativa. A Nísia pode reforçar seu contato com os partidos e as lideranças partidárias, e repassar recursos com base em uma avaliação técnica do projeto sobre como vai ser realizado, com um norte sobre em quais programas e quais obras investir — analisou.

Embora não particularize a situação de Nísia, Nelson Teich, que deixou o comando da pasta por divergências com Bolsonaro sobre a condução do enfrentamento à Covid-19, concorda com a avaliação de que é preciso tempo no posto para estabelecer políticas de longo prazo no ministério, além de acompanhar inovações constantes que a área exige e capacitar equipes. Um exemplo citado por ele é a regionalização da oferta da atenção básica e especializada para chegar aos municípios.

— O ministério tem papel fundamental na liderança, coordenação e na tentativa de amenizar as desigualdades. Um ministério em que o líder não tem tempo e autonomia para montar um time, para trabalhar a estratégia, para fazer os ajustes, nunca vai dar certo. O segundo e terceiro escalões também são fundamentais para haver uma continuidade. — diz Teich. — Quando você começa a trocar com base na prioridade política, acaba sacrificando a eficiência técnica.

Ao mesmo tempo, o ex-ministro defende que é preciso trazer o Legislativo, que assumiu um papel forte no financiamento da Saúde, para conversar na hora de estratégia de planejamento:

— O problema é colocar o interesse pessoal e partidário acima dos interesses da sociedade, mas essa interação política faz parte da posição. É preciso ter tanto um lado técnico quanto político.

Para o ex-ministro José Gomes Temporão, que ficou no posto no segundo governo Lula, além do tempo de permanência, outro ponto importante para a gestão da área é a profissionalização dos cargos de confiança. Ele ressalta que a ministra montou uma equipe com qualidade técnica, conhece profundamente a saúde pública brasileira e que sua escolha reafirma um compromisso do presidente, feito na campanha, “com os princípios da participação, equidade, fortalecimento do SUS e da saúde universal”. Também pontua que os conflitos com o meio político aparecem em um momento de reconstrução da pasta, após o governo Bolsonaro.

— Há uma mudança importante de linha de conduta, há uma reacomodação de interesses e de forças, há uma nova condução da política de saúde, radicalmente distinta da anterior, e a questão das emendas também entra nesse contexto. Antes era um faroeste, valia qualquer coisa, e hoje as emendas são liberadas dentro de critérios e princípios da política de saúde —avalia.

Ministro no primeiro mandato de Lula, Humberto Costa (PT-PE) também afirma que a permanência de Nísia no cargo representa um compromisso com um projeto mais amplo de defesa do SUS e com o programa de governo que foi elaborado na campanha de Lula no ano passado. O hoje senador está entre os petistas que têm feito demonstrações de apoio à ministra.

Costa afirma que é preciso se contrapor a “forças conservadoras e fisiológicas que pretendem utilizar o Ministério da Saúde com finalidades na má política e no interesse da estrutura que o representa”.

— Não pode haver da parte de quem quer que seja tentativa de ditar o processo da execução (do orçamento) e interferir em questões que são de responsabilidade do próprio ministério, sob pena de todo o planejamento que foi feito não poder se concretizar. A ministra está promovendo um equilíbrio entre as demandas políticas, as emendas, e o papel e as prioridades do ministério — acrescentou.

O Globo